| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 318 - 3 de abril a 16 de abril de 2006
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6 - 7

Em rota de colisão com
um general de brigada

CAPÍTULO 14

José Fonseca Valverde, phD por Stanford, acusava Zeferino de ser complacente com a esquerda

EUSTÁQUIO GOMES

Da esq. para dir., Zeferino, o então prefeito de Campinas Lauro Péricles Gonçalves,o presidente  Médici e o ex-reitor da PUC-Campinas Benedito Barreto Fonseca (Fotos: Acervo Histórico do Arquivo Central (Siarq))NO INÍCIO DE 1969, ainda sob o efeito alucinatório do AI-5, o general Valverde continuou subindo nas tamancas bem à vista do reitor. Em mais de uma ocasião voltou a mostrar a professores e funcionários o revólver que carregava na valise. Ao geneticista Friedrich Gustav Brieger, um dos introdutores da genética vegetal no Brasil, a quem acusava de liderar, ao lado do físico nuclear Marcello Damy de Souza Santos, uma ala esquerdizante na universidade, Valverde repetia à queima-roupa, exibindo a arma niquelada:

— Agora, na universidade, as coisas serão resolvidas à bala!

Brieger, um cientista apolítico que viera da Universidade de Londres em 1936 para organizar o Instituto de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, unidade da USP em Piracicaba, queixou-se do general ao reitor. Damy, que em abril de 1967 fora o responsável pelo ingresso de Valverde nos quadros da universidade, agastou-se com o general. Damy podia não simpatizar com os golpistas de 1964, mas daí a ser alinhado entre os comunistas era conclusão muito apressada.

O  biólogo Walter August Hadler, um dos principais colaboradores de ZeferinoO general, desejoso de dar sua colaboração ao processo de caça às bruxas que então se iniciava, não só via esquerdistas por toda parte – no que em certa medida tinha razão – como também culpava Zeferino por admiti-los com tamanha facilidade. Murillo Marques, por exemplo, era casado com a bioestatística Elza Berquó, então uma ativa militante do Partido Comunista. E do grupo de economistas que gravitava em torno de Fausto Castilho talvez não houvesse um único que não se declarasse marxista, embora Zeferino, com humor sardônico, classificasse a alguns deles de “ademarxistas” (uma referência aos partidários do anticomunista Adhemar de Barros que liam Marx e Engels).

Mas a cruzada de Valverde para obter supremacia moral sobre o comum dos mortais, fossem eles físicos ou economistas, biólogos ou matemáticos, começara bem antes do AI-5. Já em meados de 1968 não lhe bastava ser diretor da Faculdade de Engenharia e presidente da Comissão de Planejamento da Universidade: queria também ser o representante da Revolução entre os acadêmicos, uma espécie de interventor branco na instituição. Sempre que essa pretensão era rechaçada pelos pares, sua irritação vinha à tona. Ao economista Roberto Gamboa, por exemplo, negou-se asperamente a seguir as normas prescritas pelo grupo de trabalho que preparava o orçamento plurianual da instituição:

— Não posso aceitar essa imposição. Tenho vivência em assuntos universitários e um pós-doc em Stanford. Trabalhei na General Electric. Não vou me submeter a um grupo de medíocres.

Zeferino entregou ao coronel Rubens Resstel (acima)  farta documentação comprobatória de  suas atividades anticomunistasNão satisfeito, subiu ao gabinete do reitor e propôs-lhe que o nomeasse vice-reitor. Condescendia em que Zeferino continuasse mandando, mas queria estar logo abaixo dele na escala hierárquica.

— O cargo de vice-reitor não existe em nosso organograma, esquivou-se Zeferino.

E explicou a Valverde que, nos termos da lei que criara a Unicamp, o substituto natural do reitor era o coordenador-geral, função já ocupada pelo médico Paulo Gomes Romeo, seu amigo de longa data e principal colaborador durante os 12 anos que levaram para implantar a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Frustrado, Valverde nunca perdoou Zeferino pelo que considerou falta de reconhecimento por seu trabalho, sobretudo o mais pesado de todos, o de responsável pelo canteiro de obras do campus. A partir daí começou a falar mal dele dentro e fora da universidade. Aos empresários da cidade, por exemplo, dizia que Zeferino era contra a indústria de Campinas por ser esta predominantemente estrangeira. Era uma alusão malévola à proteção irrestrita dispensada pelo reitor aos “marxistas” do Departamento de Planejamento Econômico e Social, o Depes, na época fortemente empenhados em criar um centro de apoio à pequena e média indústria, isto é, uma cruzada nacionalista e pretensamente antitruste.

O general José Fonseca Valverde: “As coisas serão resolvidas à bala!”O que Zeferino estava longe de imaginar é que a campanha armada pelo general visava corroer, como ácido em conta-gotas, seu prestígio de homem da Revolução nos comandos militares. Numa longa carta dirigida ao próprio Valverde, mas cujo destinatário de fato eram os comandantes militares da região, o reitor se esmerava em dar sua versão a respeito:

A partir de minha negativa de fazê-lo vice-reitor, começou V. Exa., a princípio discretamente, e depois abertamente, a tomar atitudes agressivas de solapamento e de desmoralização da autoridade, não somente do reitor, como também dos coordenadores dos institutos, do Conselho Diretor e de funcionários administrativos da mais alta categoria. Passou V. Exa. a cultivar um clima de tensão e de medo por abuso de sua condição de general de brigada R/1 do Exército brasileiro”.*

O que na aparência era uma situação simples de resolver – Zeferino tinha amplas relações entre os militares – podia se complicar se não agisse rápido para dirimir dúvidas que acaso pairassem sobre sua fidelidade ao regime. Muito possivelmente ele não fazia idéia de que sua ficha no Departamento Estadual de Ordem Política e Social, o Deops, principal braço do Serviço Nacional de Informação, começava por uma referência a sua atuação como presidente, em 1946, de uma certa Associação Brasileira dos Amigos do Povo Espanhol, “entidade que agrega grande número de adeptos do comunismo”. Além disso, no suposto dossiê que Valverde havia montado sobre ele, constavam acusações de irregularidades administrativas, superfaturamento de obras, uso indevido de carros oficiais e até uma insólita menção à fama donjuanesca de Zeferino.**

Zeferino e o general Moraes Rego: depois das farpas, abraçoAos mais próximos, Zeferino procurava aparentar despreocupação. Apontava razões patológicas para a rebeldia do general. No manuscrito de uma carta que dirigiu ao comandante do batalhão (BCCL) de Campinas, coronel Sidney Teixeira Álvares, descreve-o como um doente e explica seus rompantes como “estados de alteração psíquica caracterizados por bruscas variações do grau de emotividade, com alternâncias abruptas de depressão e euforia que atribuímos à giardíase crônica e depois à amebíase de que se diz portador o general Valverde”.

A noite de 2 de dezembro de 1968, no entanto, serviu para colocar em estado de alerta o Napoleãozinho. Numa festa na casa do biólogo Walter August Hadler, que comemorava as bodas de prata de seu casamento, um médico da cidade com relações no meio militar, o legista Joaquim Barreto Fonseca, revelou que a semana seguinte não seria exatamente tranqüila para o Napoleãozinho. Diante de quatro testemunhas fiéis a Zeferino***, disse que corria em Brasília uma nova lista de cassações. E assegurou:

— O reitor de vocês está nela.

Com riqueza de pormenores, Barreto Fonseca descreveu as duas reuniões militares que presenciara na Guarnição de Campinas, presididas por seu comandante o coronel Fernando Cerqueira Lima. Na última estava presente o delegado regional de polícia, Cid Guimarães Leme. Segundo Barreto pôde depreender, os militares estavam sendo informados pelo general José Fonseca Valverde, que tinha como linha auxiliar o ex-reitor Mário Degni e antigos funcionários da Faculdade de Medicina que não tiveram seus contratos renovados por Zeferino. A lista de cassações já estaria em mãos do Conselho de Segurança Nacional, que tinha reunião marcada para dali a três dias.

Na manhã seguinte, um sábado, o diretor administrativo Rogério D’Ávila apanhou o telefone e colocou o reitor ao corrente dos fatos. Zeferino descansava em sua casa no Morumbi, em São Paulo. Mostrou-se incrédulo e atribuiu tudo a “boataria alarmista desse tal Barreto Fonseca”, mas em todo caso pediu que D’Ávila se informasse melhor. D’Ávila telefonou diretamente ao delegado regional. Leme garantiu-lhe que “na área da Polícia Civil nada consta contra o professor Zeferino”, e que se houvesse alguma coisa seria na área militar. Desta vez Zeferino não esperou mais. Viajou a Campinas e bateu na porta do coronel Cerqueira Lima.

O comandante recebeu-o cheio de respeito:

— Bobagem. O senhor é um dos baluartes da Revolução.


* Ofício de 31/12/1969.

** Maíza Valverde, viúva do general José Fonseca Valverde, declarou ao jornal Correio Popular, de Campinas, que “o conjunto de irregularidades” foi suficiente para encher 12 volumes que seriam encaminhados ao comandante do II Exército, José Canavarro Pereira, mas que, antes disso, “o dossiê caiu nas mãos de um amigo do reitor que trabalhava no exército”. Mais adiante afirma que “representantes de uma empreiteira de São Paulo procuraram meu marido em casa e ofereceram para ele uma mansão em troca de alguns favores. Ele os colocou imediatamente para fora”. Depoimento aos jornalistas Beatriz Elias e José Pedro Martins, in Correio Popular de 24/8/1997.

*** As quatro testemunhas eram as seguintes: Rogério D’Ávila, diretor administrativo do Instituto de Biologia; Liswaldo Mário Zitti e Átila Ribeiro Poncián, respectivamente auxiliar e cunhado do diretor do Instituto, Walter August Hadler; e o próprio Hadler.

CAPÍTULO 15

Como livrar-se de um homem do sistema

Z“Comandante, o senhor entende de caserna; de universidade entendo eu”

Antonio Augusto Almeida: queixas ao reitor contra o generalABERTA A CONTENDA com o general Valverde, Zeferino surpreendeu-se ao descobrir que o dossiê preparado contra ele estava muito perto de se transformar num inquérito policial militar. Contando com a ajuda de seu secretário e factótum Arnaldo Oliveira Camargo, um ex-delegado que conhecia de longa data o diretor do Deops, Benedito Nunes Dias, Zeferino não teve dificuldade para desarmar a bomba. Mas jurou de morte o general.

A partir daí, dedicou parte substancial de seu tempo a um exercício a que estava acostumado: destruir lentamente seus inimigos lançando mão de instrumentos regimentais. No caso de Valverde isso não seria tão difícil quanto poderia parecer, pois o general, acreditando possuir um poder de fogo maior do que o que realmente tinha, tratou de acirrar os ânimos contra todos os que julgava alinhados com o reitor. Ao entrar, por exemplo, numa reunião onde estava um de seus desafetos, o engenheiro Rubens Tocalino, a quem costumava referir-se como “Porcalino”, terminou por insultar toda a sala:

— Como vão os lacaios do reitor?

Nos meses seguintes os incidentes se intensificaram. Uma vez, ao encontrar casualmente o diretor da Faculdade de Engenharia Civil, Pedro Moraes Siqueira, acusou-o à queima-roupa de prestar-se ao papel de inocente útil de Zeferino, apoiando-o em questões “contrárias aos interesses da Nação”. E ameaçou:

— Dentro de pouco tempo muitos elementos da universidade serão afastados por bem ou por mal. Se necessário, haverá uma espécie de “esquadrão da morte” para garantir a ordem aqui dentro.

De todos esses fatos Zeferino pedia relatórios aos ofendidos e humilhados pelo general. No dossiê constam ainda ofícios detalhados do diretor da Faculdade de Medicina, Antonio Augusto de Almeida, e do diretor do Colégio Técnico de Limeira, Manuel da Silva, a quem Valverde repreendeu por um assunto banal, aos berros, e falando “em nome da Revolução”. Não era pois de estranhar que em março de 1969 o general rejeitasse na íntegra, em um ofício lacônico, o anteprojeto de estatuto da universidade redigido por uma comissão encabeçada pelo geneticista Brieger. Em represália, o Conselho Diretor aprovou a transferência do Centro de Processamento de Dados, que para Valverde era área afeta à segurança nacional, para o Instituto de Matemática, devolvendo os computadores ao domínio do matemático Rubens Murillo Marques. Pouco antes o próprio reitor, num ofício duro, ordenou ao general que tornasse nula a abertura de inscrições para o que Valverde pretendia fosse o primeiro curso de pós-graduação da Unicamp.

— Falta-lhe autoridade para tanto, escreveu. Quem autoriza o funcionamento de cursos de pós-graduação na universidade sou eu.

Em fins de abril, com as novas disposições do governo federal para impor limites aos focos de resistência ideológica no meio acadêmico, o general renovou sua esperança de vencer a queda-de-braço. Dois decretos presidenciais atingiram em cheio o coração das universidades. O primeiro deles, do dia 25, aposentava 42 professores em todo o país, entre os quais o diretor da Faculdade de Filosofia da USP, o sociólogo Florestan Fernandes. E, no dia 29, um decreto especial para a USP demitia o reitor Hélio Lourenço de Oliveira e aposentava precocemente 23 professores, entre eles os sociólogos Bento Prado, Caio Prado Júnior, Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, o médico bioquímico Isaías Raw, o físico Mário Schenberg, o filósofo José Arthur Gianotti, o economista Paulo Singer e a bioestatística Elza Berquó, mulher de Murillo Marques.

Mas isto de nada serviu ao general, pois o reitor estava obstinado em não permitir que prosperassem listas em Campinas. Se listas havia (há quem assegure que havia) ficavam hermeticamente fechadas na gaveta do inefável Camargo. Assim tão bem servido e escoltado, Zeferino sentiu que era hora de livrar-se do general.

Começa por exonerá-lo do cargo de diretor das obras do campus. Acusa-o de atrasar a construção de um prédio de salas de aula e de pôr em risco o ano letivo de 1969. Mas não toma essa decisão sem antes nomear uma comissão para o “exame do estado das obras”, cujo relatório, redigido por Damy, qualifica Valverde de ineficiente. O general se defende: Zeferino não lhe teria repassado dinheiro suficiente para a compra de tijolos concretados. Zeferino refuta a acusação e no dia seguinte, como por milagre, põe 10 mil tijolos concretados no canteiro de obras do campus. Perplexo, Valverde diz que, em princípio, ninguém era responsável pelo atraso das obras. Zeferino espuma:

— Na universidade há um responsável que sou eu. Responsável perante o governo que me confiou recursos, perante a coletividade que paga os impostos e perante minha própria consciência.

Na reunião seguinte do Conselho o cerco foi fechado. Sob o olhar deliciado de Zeferino, armou-se um bate-boca entre o general e Murillo Marques. Antes que Valverde concluísse uma exposição de motivos sobre os bons serviços que havia prestado à universidade, Murillo interrompeu-o.

— É a terceira vez que ouço o histórico de suas realizações, professor. Acho que isto ficará bem na hora em que se escrever a história da Universidade de Campinas com o inevitável capítulo dos erros iniciais e dos pecados originais. No momento não interessa.

Valverde irritou-se:

— Faço esse histórico para mostrar que minha preocupação sempre foi colaborar com a universidade, enquanto seus interesses são bem outros, professor.

Aludia às supostas ligações de Murillo com a esquerda. Murillo:

— Meu interesse é ministrar aulas aos meus alunos, pois para isso fui contratado; ao passo que o senhor está aqui há dois anos e não deu ainda nenhuma aula.

Por volta de setembro Zeferino compreendeu que a partida contra o general estava ganha. Mas, por precaução e para servir de antígeno às acusações de fundo político que certamente viriam, redigiu de próprio punho um memorial sobre suas atividades anticomunistas antes e depois de março de 1964. No segundo item desse documento, que começa na terceira pessoa e termina na primeira, chega a gabar-se de uma delação:


Em janeiro de 1964, como presidente do CEE, sob cuja jurisdição estavam os institutos isolados, solicitou ao então governador do Estado o decreto de dispensa do diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara por estar “comunizando” os alunos, e concedeu entrevista a O Estado de S. Paulo tornando públicas as razões da dispensa. Além disso, o tal diretor propusera a contratação de Caio Prado Júnior como professor da faculdade.

Note-se que àquela altura muito pouca gente tinha a coragem de opor-se publicamente à subversão. A verdade é quase todos estavam acovardados. A entrevista que concedi era tão agressiva que o dr. Júlio de Mesquita Filho telefonou-me na noite da véspera da publicação para saber se eu a confirmava em todos os termos. Obviamente a confirmei e assim foi publicada com destaque.

Como conseqüência, os comunistas mobilizaram a imprensa e a Câmara de Vereadores de Araraquara contra mim dizendo que o meu objetivo era fechar a Faculdade de Filosofia.

Desafiei-os abertamente para um debate público irradiado, presentes vereadores, estudantes, professores, autoridades e povo, e, em auditório da Faculdade de Filosofia de Araraquara enfrentei-os e desmascarei os subversivos no dia 25 de março de 1964.

A mencionada entrevista a O Estado não possava, na verdade, de uma nota inserida na edição de 16 de janeiro de 1964. Só não foi qualificada de alcagüetagem porque a atmosfera da época punha uma certa naturalidade nesse gênero de denúncia. Para completar, Zeferino acusa o programa de vestibulares da escola de Araraquara de relacionar somente autores marxistas em seus pontos de História do Brasil. Tais autores eram Caio Prado Júnior e Celso Furtado. No fim da nota, Zeferino conclui que não era por acaso que o diretor da faculdade, Paulo Guimarães Fonseca, estava em viagem de seis meses pela União Soviética.

Uma série de cartas de amigos e “companheiros na luta anticomunista” completa o memorial enviado às instâncias militares. Em seu depoimento, a reitora da Universidade Mackenzie e conselheira do CEE durante anos, Esther de Figueiredo Ferraz, declara-se “indignada com a notícia de que o ilustre professor teria sido acusado de atitudes dúbias em relação à esquerda, e de dar apoio e ser apoiado, no governo da Universidade Estadual de Campinas, por elementos comunistas”. Mais adiante, a futura ministra de Educação do governo Geisel assegura que “o prezado amigo sempre se revelou um ativíssimo líder anticomunista e anti-esquerdista, sendo públicas e notórias as atitudes que neste sentido tomou” nos altos encargos que assumira até então. Outros testemunhos do mesmo teor levam a assinatura do jurista Miguel Reale, do dentista Carlos Liberalli e do engenheiro Theodureto de Arruda Souto, da Escola Politécnica da USP, um dos autores da primeira lista de expurgos da USP, em 1964.

A essa altura Zeferino já se sentia fortalecido o bastante para passar de acusado a acusador. Punha em dúvida que o general tivesse sido alguma vez um revolucionário de verdade, pois se licenciara em 1960 e se reformara no ano seguinte para assumir um cargo na General Electric, no Rio de Janeiro, “após usufruir por cinco anos, nos Estados Unidos, de bolsas de estudos na Universidade de Stanford, entre 1952 e 1957” – enquanto ele, Zeferino, expunha-se “publicamente a represálias perigosas” e combatia energicamente o governo “que levaria o país ao caos social”.

— V. Exa., que não moveu uma palha no sentido de combater a esquerda subversiva, assume agora, com bravatas e rompantes, o papel de cristão-novo da Revolução; agora que não há mais perigo, e para satisfazer interesses pessoais subalternos, passa a difundir calúnias e a difamar o reitor.

Chega a acusá-lo de pretender o cargo de reitor e, para isso, não hesitar em usar “os métodos da subversão e de desmoralização da autoridade, para gáudio dos esquerdistas”. E arremata:

— Além disso, o senhor alardeou a condição, que ninguém lhe delegava, de representante da Revolução na universidade.

Em 31 de dezembro de 1969 o general Valverde é exonerado da função de diretor da Faculdade de Engenharia de Campinas – na prática, é demitido da universidade – mediante uma carta de sete compactas páginas em que Zeferino, num estilo implacável, justifica seu gesto. No mesmo dia, para substituir o inquieto general de brigada que falhara em mobilizar seus pares contra o reitor, nomeia um homem cujo sacrifício para com o regime militar não fora pequeno, o inefável Theodureto, que a essa altura respirava na Politécnica um ar mais que envenenado e hostil.

Um ano depois, Zeferino ainda se esforçava por apagar a pecha de leniente com a esquerda. Em dezembro de 1970, quando houve substituição no comando da Guarnição Militar de Campinas, ele se apressa em encaminhar ao novo comandante, coronel Rubens Resstel, um ofício acompanhado de farta documentação sobre suas atividades anticomunistas. No mesmo ofício sugere ao comandante que encaminhe o dossiê ao general João Batista Figueiredo, chefe do Serviço Nacional de Informações, por se tratar de “documentação que desmente frontalmente as acusações caluniosas de acobertador de subversivos que me fazia o coronel (sic) José Fonseca Valverde com o objetivo evidente de conseguir minha destituição do cargo de reitor”. Menciona pilares do regime que tinham plena confiança nele, a começar pelo ex-presidente Castello Branco, passando pelo ex-governador paulista Laudo Natel e pelos generais Canavarro Ferreira e Ernani Ayrosa.

— Será possível que esses homens estejam tão mal informados a meu respeito? pergunta.

Mas a fama de complacente resistiria por muito tempo ainda no coração da linha dura do exército. Em 1975, durante a comemoração de mais um aniversário da quartelada de 31 de Março celebrada no Batalhão de Infantaria Blindada de Campinas, Zeferino teve de ouvir, a certa altura do discurso do general Moraes Rêgo, uma frase destinada a fazê-lo baixar a crista:

— Sabemos que a universidade hoje em dia é uma esculhambação: só tem comunista!

Zeferino ouviu calado, mas no fim da cerimônia, diante do general e de dois pupilos que levara a tiracolo, os jovens economistas João Manuel Cardoso de Mello e Luiz Gonzaga Belluzzo, deu o troco:

— Comandante, o senhor entende de caserna. De universidade entendo eu.

Moraes Rego sorriu e abraçou-o. (E.G.)

Continua na próxima edição.


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