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Da Roma de Virgílio à São Luís de Odorico Mendes

Um grupo de professores e alunos de pós-graduação do Departamento de Linguística do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), todos dedicados aos estudos do latim e do grego, vem há pelo menos uma década pesquisando e divulgando a obra pioneira do tradutor maranhense Manuel Odorico Mendes (1799-1864).

Dois trabalhos oriundos dessa força-tarefa já podem ser considerados referências na área: a Editora da Unicamp acaba de lançar as obras Eneida Brasileira e Bucólicas (coedição Ateliê Editorial), de Virgílio, ambas vertidas por Odorico. As edições, bilíngues, têm anotações e comentários dos pesquisadores do IEL, cujo grupo de trabalho não por acaso leva o nome do tradutor.

“Acho que nosso trabalho poderá ajudar na formação de tradutores conscienciosos dos clássicos, pois esta talvez seja a maior lição de Odorico Mendes: a dignidade da tarefa tradutória, vista como ato criativo, não como empreendimento pouco qualificado e de segunda classe”, afirma o professor Paulo Sérgio de Vasconcellos, coordenador da equipe, na entrevista que segue.

A atriz Patrícia Braga, integrante do grupo do IEL, realiza performances com textos de Odorico Mendes: arrebatando a plateia em récitas de cantos da Ilíada e de bucólica de Virgílio (Foto: Reprodução)
Jornal da Unicamp – Quando e com qual propósito surgiu o Grupo Odorico Mendes? Quantos alunos já integraram o grupo?

Paulo Sérgio de Vasconcellos – O grupo surgiu há dez anos com o objetivo de divulgar as traduções dos clássicos realizadas por Odorico Mendes no século XIX. Essa divulgação se dá sobretudo através de edições que preparamos: cada tradução recebe uma anotação minuciosa que esclarece aspectos difíceis do vocabulário, da sintaxe, as alusões mitológicas e históricas, etc.; ao mesmo tempo, em cada edição há uma análise do modo como o tradutor reproduz em português efeitos poéticos do original. Assim, esclarecemos para o leitor passagens difíceis, sobretudo para o leigo, ao mesmo tempo que demonstramos o modo mesmo como o tradutor recria o original.

Mas a divulgação se dá também através de artigos em periódicos, palestras e recitação de trechos das traduções. Também deixamos disponíveis na página do grupo no site do IEL a primeira versão da Eneida – há duas versões – e o texto latino adotado por Odorico, material que pode ser baixado gratuitamente. Essas são as maneiras que encontramos para divulgar as traduções de Odorico.

Já integraram o grupo 22 pós-graduandos, todos com participação muito ativa, figurando mesmo como co-autores da anotação e comentário.

JU – Existe iniciativa similar no país?
Vasconcellos – Há outras pessoas trabalhando com a obra de Odorico Mendes: já saiu uma edição anotada da tradução da Ilíada e a primeira versão, de 1854, da tradução da Eneida. No Maranhão, Sebastião Moreira Duarte editou o Virgílio Brasileiro, reunião das obras de Virgílio. São trabalhos meritórios. As edições que preparamos têm, porém, um diferencial: as análises minuciosas de passagens da tradução, momento em que adentramos, por assim no dizer, no laboratório de tradução de Odorico.

Por outro lado, no Paraná há um grupo de atores que realizam performances com textos de Odorico, recitando de cor cantos inteiros da Ilíada. Recentemente, acolhemos oficialmente no grupo uma atriz que faz parte desse projeto, a Patrícia Braga, que já recitou em Campinas dois cantos da Ilíada e uma bucólica de Virgílio, sempre com grande sucesso. É um trabalho muito bonito, que mostra como o texto muitas vezes difícil de Odorico tem eficácia, atinge emocionalmente a audiência, que se encanta com sua sonoridade e seu português nada banal.

JU – Em que medida, em sua opinião, as atividades do grupo são importantes para os alunos e – em última instância – ajudam a formar tradutores?
Vasconcellos – Acho que os alunos que participaram das atividades são incitados a refletir em profundidade sobre o que seja uma tradução poética; além disso, eles praticam a análise de tradução, ao compararem texto original e tradução e também a tradução de Odorico com outras traduções em verso. É também um exercício contínuo de análise de textos poéticos, já que antes de mais nada é preciso conhecer o texto latino original, prestando atenção ao modo como os poemas exploram som, sintaxe, ritmo.

Reprodução da capa da Eneida Brasileira, cuja edição foi preparada e comentada pelo Grupo de Trabalho Odorico Mendes: desvendando “pequenos enigmas”Finalmente, trata-se de um exercício de análise crítica de tradução, em que os alunos aperfeiçoam na prática uma espécie de instrumental que permite apreciar os modos diversos de se traduzir. Assim, quem participa do grupo sai enriquecido desse contato com um tradutor instigante e criativo como é Odorico.

Quanto ao efeito sobre possíveis leitores, bem, confesso que não tinha pensado nisso ainda. As nossas edições saíram recentemente, entre o ano passado e este ano, e têm tido excelente repercussão. Com isso, espero que estudantes da área de Clássicas se interessem por tradução poética e que os mais vocacionados também pratiquem tradução poética dos clássicos.

Nosso país é carente de trabalhos com esse viés: traduções dos clássicos que se assumam como textos poéticos e recriem em português os efeitos poéticos do original. Pensando bem, então, acho que nosso trabalho poderá ajudar na formação de tradutores conscienciosos dos clássicos, pois esta talvez seja a maior lição de Odorico Mendes: a dignidade da tarefa tradutória, vista como ato criativo, não como empreendimento pouco qualificado e de segunda classe.

JU – Vocês acabam de publicar uma edição anotada e comentada da Eneida Brasileira, além das Bucólicas, trabalhos bastante complexos e minuciosos. Na condição de coordenador dos trabalhos e do grupo, o senhor poderia falar sobre as dificuldades enfrentadas?

Reprodução da capa  Bucólicas, cuja edição foi preparada e comentada pelo Grupo de Trabalho Odorico Mendes: desvendando “pequenos enigmas”Vasconcellos – Não foram poucas. Há passagens de Odorico que soam como pequenos enigmas. Para compreendê-las, precisamos muitas vezes recorrer a dicionários antigos, pois os dicionários modernos ou não trazem uma certa palavra empregada pelo tradutor ou não trazem o sentido específico em que o tradutor empregou determinada palavra. Não é preciso dizer também que a anotação exige leitura cerrada do original, caso contrário se cometem muitos equívocos – basta ver a edição da Eneida de Odorico pela Martin Claret.

É um trabalho que exige pesquisa constante, paciência e até mesmo respeito pela obra. É essa falta de respeito, uma visão apressada e leviana dos textos, que leva algumas pessoas ainda hoje a descartarem a tradução de Odorico como ininteligível. Odorico exige muito de seu leitor, e nós, que fazemos a anotação e comentário da tradução, temos de nos colocar na posição de leitores ideais, que percebem as intenções do tradutor mesmo nas passagens mais opacas. O grupo se colocou como propósito esclarecer todas as dificuldades das traduções para o leitor leigo, uma tarefa realmente complexa e muito exigente.

Continua nas páginas 6 e 7

 

 
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