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Sistema imunológico artificial
põe ciência no limiar do conhecimento

Pesquisadores reproduzem em computador algumas
das principais características e habilidades biológicas do corpo humano


PAULO CÉSAR NASCIMENTO

Especial para o Jornal da Unicamp

Processos e mecanismos do sistema imunológico natural estão sendo utilizados na Unicamp para o desenvolvimento de novas ferramentas computacionais. Pesquisas com sistemas imunológicos artificiais se inserem na fronteira do conhecimento e permitem propor soluções para problemas complexos ainda não atendidos de forma satisfatória pelas tecnologias convencionais, como a locomoção autônoma de robôs. Mas os princípios imunológicos também podem ser aplicados para melhorar a eficiência de outras atividades, como logística e segurança computacional, para auxiliar no planejamento e na operação de linhas de produção industrial, ou mesmo para acelerar o desempenho dos computadores.

A Unicamp está entre os cinco grupos mundiais a se debruçar sobre essa área da engenharia de computação que procura formalizar matematicamente o funcionamento do sistema imunológico para reproduzir, em computador, algumas de suas principais características e habilidades biológicas, como capacidade de reconhecimento de padrões e de processamento de informação, adaptação, aprendizado, memória, auto-organização e cognição, entre outros.

Constituído por componentes e mecanismos distintos, porém que atuam de forma conjunta e notavelmente eficaz, o sistema imunológico proporciona ao corpo humano resistência às enfermidades. Os anticorpos, por exemplo, são gerados por células denominadas linfócitos em resposta aos antígenos (agentes infecciosos), e sua presença em um indivíduo reflete as infecções às quais o mesmo já foi exposto.
Os linfócitos são capazes de desenvolver uma memória imunológica, ou seja, reconhecer o mesmo estímulo antigênico caso ele entre novamente em contato com o organismo, evitando assim o restabelecimento da doença. Portanto, mecanismos de aprendizagem e memória dão ao sistema imunológico a capacidade de extrair informações dos agentes infecciosos e disponibilizá-las para uso futuro em casos de novas infecções pelos mesmos agentes ou agentes similares.

Essas e outras peculiaridades operacionais do sistema despertaram a atenção de engenheiros e cientistas da computação, que tentam simular mecanismos imunológicos particulares com o objetivo de criar sistemas artificiais similares para a solução de problemas de engenharia. As pesquisas nesse campo começaram há aproximadamente 15 anos e originaram um novo ramo da teoria de sistemas inteligentes, os sistemas imunológicos artificiais.

“A partir do momento em que se adquire um certo conhecimento sobre o funcionamento de alguns mecanismos biológicos, como a produção de anticorpos a um determinado agente infeccioso, tornam-se possíveis os processos de formulação matemática e implementação computacional desses procedimentos naturais”, explica Fernando José von Zuben, professor do Departamento de Engenharia de Computação e Automação Industrial da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC).

Fernando coordena na Unicamp dois grupos de projetos integrados de pesquisa em imunologia artificial: o Rebel (Robotics with Evolutionary Behavior and Extended Learning) e o InfoBioSys (Informatics and Biological System Group). Formados por 18 pesquisadores, entre docentes e alunos, os grupos contam com recursos do CNPq da ordem de R$ 200 mil para o desenvolvimento de projetos nessa área tanto desafiadora quanto promissora para a ciência.

“Serão ainda necessários muitos anos de pesquisa para se compreender grande parte dos fenômenos orgânicos e celulares envolvidos nos processos biológicos, principalmente quando se procura agregá-los. No entanto, alguns aspectos dos sistemas naturais já podem ser implementados e utilizados para auxiliar ou substituir o homem na realização de tarefas”, argumenta Leandro Nunes de Castro Silva, doutorado pela Unicamp em engenharia imunológica e co-autor de Artificial Immune Systems: a New Computational Intelligence Approach, uma das duas únicas obras sobre o assunto disponível na literatura científica internacional.

Habilidades – Uma das qualidades mais interessantes do mecanismo imunológico exploradas nos sistemas artificiais é sua capacidade praticamente ilimitada de encontrar soluções adaptativas para mudanças imprevisíveis no ambiente, revelam os pesquisadores. Basta observar que, independentemente do corpo humano possuir uma quantidade limitada de material genético e existir uma variedade quase infinita de possíveis patógenos, o sistema imunológico é capaz de reagir de forma rápida e eficiente aos antígenos previamente encontrados e a novos antígenos também.

Uma ferramenta computacional análoga dessa habilidade poderia auxiliar o processo de planejamento de uma indústria, já que durante a operação podem ocorrer variações em seu ambiente, resultando na necessidade de se alterar os planejamentos previamente definidos. A natureza dessas variações ou eventos é ampla e cobre uma vasta gama de possibilidades: algumas ocorrem freqüentemente e são previsíveis (a falta de alguma matéria-prima, por exemplo) enquanto outras são imprevisíveis (um acidente que paralise algumas linhas de produção).

A diversificação, que permite ao sistema enviar simultaneamente vários anticorpos contra uma grande variedade de agentes infecciosos em diferentes partes do corpo humano, é outra habilidade biológica adaptada para a solução de problemas práticos.
Um software com características operacionais similares poderia ajudar a tornar mais eficiente e econômico o sistema de entregas de uma distribuidora de bebidas. A partir da análise de todos os dados envolvidos na operação, tais como número de caminhões disponíveis, distâncias a serem percorridas, custo das viagens e tempo gasto nas entregas, o programa escolheria as rotas com a melhor relação entre custo e benefício.

A mesma ferramenta contribuiria para a produção de chips de computadores mais velozes que os atuais. O sistema otimizaria de tal forma o posicionamento dos micro-componentes do circuito que os bilhões de pulsos binários percorreriam distâncias cada vez menores no processamento de informações.

E há, é claro, a aplicação da imunologia artificial na detecção de intrusos (hackers) em uma rede de computadores e na constatação e eliminação de vírus e vermes computacionais, áreas em que a analogia entre proteção do organismo e segurança computacional é mais evidente.

Embora não sejam objeto dos estudos na FEEC, as pesquisas nesse segmento resultaram em algumas propostas interessantes, porém sua aplicação ainda esbarra no desconhecimento de particularidades do funcionamento do sistema biológico que são decisivas para o desenvolvimento e o êxito de mecanismos artificiais de proteção, observa Leandro.

Uma delas é a capacidade do sistema imunológico de distinguir as células e moléculas do próprio organismo, e moléculas estranhas, que são, em princípio, indistinguíveis. Se essa distinção não ocorre, então uma resposta imunológica é desencadeada contra as próprias células, causando as doenças auto-imunes.

Os resultados do uso de um sistema de detecção e neutralização de vírus computacionais que não incorporasse essa capacidade seriam, então, desastrosos: poderia induzir o computador a erros grosseiros, como a identificação errônea de softwares legítimos como ilegítimos e a eliminação equivocada desses arquivos.

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Natureza inspira a tecnologia

Idéias extraídas de sistemas naturais já vêm sendo utilizadas com muito sucesso para o desenvolvimento de ferramentas tecnológicas capazes de resolver problemas de complexidade elevada, cujas soluções eram, até então, desconhecidas ou inatingíveis, lembra Leandro, que a respeito do tema está editando, em parceria com Fernando, Recent Developments in Biologically Inspired Computing, coletânea de textos de diversos autores sobre novas propostas em computação inspiradas
na Biologia.

Devido ao seu grau de complexidade e capacidade de processamento de informação, aquele, dentre os sistemas naturais que tem recebido maior atenção é o cérebro humano. A inteligência artificial levou ao desenvolvimento dos computadores como são conhecidos atualmente, e vem sendo aplicada a problemas com representação simbólica de dados, e problemas em diversas áreas, como, por exemplo, busca e teoria
de jogos.

Na tentativa de criar sistemas de processamento a partir de uma abordagem conexionista, foram desenvolvidas as redes neurais artificiais, que representam uma tecnologia fundamentada em várias disciplinas como neurociência, matemática, estatística, física, computação e engenharia. Suas aplicações vão desde o reconhecimento de padrões até a otimização
de funções e aprendizagem
de máquina.

A computação evolutiva e os algoritmos baseados em comportamentos coletivos de animais são duas outras linhas de pesquisa em computação inspiradas na natureza. Ambas procuram reproduzir em computador as formas de processamento e troca de informação realizadas em ambientes naturais, com diversas aplicações que vão desde problemas de engenharia até produtos
de entretenimento.

Essas novas abordagens constam do currículo regular da pós-graduação da FEEC, que oferece aos interessados a chance de aprofundar conhecimentos em disciplinas como redes neurais, computação evolutiva e introdução à computação natural.
Para saber mais sobre esses assuntos, particularmente sobre sistemas imunológicos artificiais, acesse os sites: www.dca.fee.unicamp.br/~vonzuben e www.dca.fee.unicamp.br/~lnunes.

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Uma tarefa desafiadora

A capacidade do sistema imunológico de encontrar soluções para mudanças imprevisíveis no ambiente vem sendo utilizada pelos pesquisadores da Unicamp em experiências bem-sucedidas com a navegação de robôs móveis autônomos, considerada uma das tarefas mais desafiadoras da engenharia de controle e automação por requerer a adoção de técnicas refinadas de coordenação do comportamento dessas engenhocas.

Nos testes, simulou-se o funcionamento do sistema biológico da seguinte forma: os módulos computacionais responsáveis pela movimentação do robô foram considerados os anticorpos da rede imunológica artificial e as informações captadas pelos sensores de distância e de luminosidade, os antígenos.

Cada vez que lhe eram apresentados os antígenos (um obstáculo ou um beco sem saída, por exemplo), a rede iniciava uma resposta imunológica que se traduzia em uma reação do robô para escapar da situação em que se encontrava, atestando a eficácia da ferramenta de navegação.
O mini-robô Khepera utilizado na simulação mede 70mm de diâmetro e 30mm de altura, pesa cerca de 80 gramas e locomove-se sobre duas rodas. As experiências resultaram na dissertação de mestrado “Evolução de redes imunológicas para coordenação automática de comportamentos elementares em navegação autônoma de robôs”, que será defendida na FEEC, na segunda quinzena de julho, pelo aluno Roberto Michelan.

 

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