Edição nº 649

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2016 a 20 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 649

Telescópio


Olho de
células-tronco

Pesquisadores baseados no Japão e no Reino Unido apresentam, na revista Nature, uma técnica para a conversão de células de pluripotência induzida (iPS) em tecidos que existem no olho humano, como córnea, conjuntiva e retina. Os autores transplantaram células de córnea geradas desse modo em coelhos cegos, e conseguiram restaurar a visão dos animais.

Em outro trabalho na mesma edição da revista, cientistas dos Estados Unidos e da China descrevem o uso de células-tronco naturais do corpo do paciente para a cura da catarata. Com uma nova técnica cirúrgica, esses pesquisadores conseguiram retirar o cristalino – uma lente que existe no interior do olho e que se torna opaca na catarata – preservando as células-tronco que existem naturalmente na cápsula que envolve a lente, e que permanece no olho. Operações experimentais realizadas em animais e, também, em crianças mostraram uma regeneração natural do cristalino a partir dessas células, após a cirurgia.

Em comentário que contempla ambos os artigos, a pesquisadora em oftalmologia Julie Daniels, do University College London, lembra que uma das principais barreiras aos transplantes é o risco de rejeição, reduzido quando se usam células do próprio paciente, problema contornado tanto no caso das iPS – que são produzidas a partir da pele – quanto da nova técnica para catarata.

Bactéria
come PET

Uma equipe de cientistas japoneses anuncia, na revista Science, a descoberta de uma bactéria, Ideonella sakaiensis, que é capaz de consumir o plástico PET (Polietileno tereftalato), largamente utilizado na fabricação de embalagens descartáveis, principalmente bebidas: cerca de 56 milhões de toneladas de PET foram produzidas no mundo em 2013. Embora se trate de um material facilmente reciclável, muito pouco do PET produzido no mundo é de fato reaproveitado.

O acúmulo de plásticos no meio ambiente, e seu impacto sobre a vida nos oceanos, é uma grande preocupação contemporânea. Uma linha de pesquisa popular envolve a busca por plásticos biodegradáveis, que se decompõem ao longo do tempo, mas esses materiais costumam ser mais caros e difíceis de produzir que as variedades comuns.

Os autores no novo trabalho adotaram um caminho diferente: a partir de um plástico barato e popular – o PET – buscaram, no ambiente, um organismo capaz de decompô-lo. “Ao fazer a triagem de comunidades microbiais naturais expostas ao PET no meio, isolamos uma nova bactéria”, escrevem os autores. “Essa cepa produz duas enzimas capazes de hidrolisar o PET”. Essas enzimas, juntas, convertem o PET em ácido tereftálico e etileno glicol.

Num comentário à descoberta, também publicado na Science, o pesquisador alemão Uwe T. Bornscheuer diz que a bactéria poderá se mostrar útil para retirar o plástico do ambiente, e acrescenta que “se o ácido tereftálico puder ser isolado e reutilizado, isso poderia causar enormes economias na produção de novos polímeros, sem a necessidade de matérias-primas baseadas em petróleo”, num ganho extra para o meio.

O clima e
o ictiossauro

Os ictiossauros, grupo de espécies de répteis marinhos pré-históricos semelhantes aos modernos golfinhos, foram levados à extinção por instabilidades do clima, diz artigo publicado no periódico Nature Communications. Os ictiossauros desapareceram 90 milhões de anos atrás, cerca de 30 milhões de anos antes da chamada Extinção K-T, que pôs fim ao domínio dos dinossauros.

Pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, estabeleceram uma correlação entre a perda de diversidade desses animais e mudanças no meio, como variações no nível e na composição dos oceanos. “Os últimos ictiossauros caracterizavam-se por taxas reduzidas de evolução fenotípica, e as altas taxas e extinção correlacionam-se com a elevada volatilidade ambiental”, diz o artigo.

Armas
e mortes

O número de mortes causadas por armas de fogo tende a cair depois da adoção de leis restringindo a compra e o porte, diz estudo realizado por pesquisadores americanos e publicado no periódico Epidemiologic Reviews. Num levantamento de 130 pesquisas sobre os efeitos das mudanças na legislação de armas de fogo em 10 países – incluindo no Brasil – entre 1950 e 2014, os autores, da Escola de Saúde Pública da Universidade Columbia, apontam que, embora o resultado global seja inconclusivo, leis limitando o acesso a armas de fogo correlacionam-se a um número menor de mortes por acidentes, homicídios e suicídios envolvendo essas armas. “Leis restringindo a compra (por exemplo, checagem de ficha criminal) e o acesso (por exemplo, exigências de armazenamento seguro) também se associaram a taxas menores de homicídios por parceiro íntimo e de mortes acidentais de crianças, respectivamente”. O estudo pode ser lido em https://epirev.oxfordjournals.org/content/38/1/140.full .

Corrigindo a relação
entre os sexos

Desde o nascimento do primeiro “bebê de proveta” em 1978, mais de cinco milhões de pessoas já vieram ao mundo graças ao procedimento de fertilização in vitro (IVF, na sigla em inglês). No entanto, o processo, que também se mostrou importante para o melhoramento genético de animais, é vulnerável a consequências indesejadas ligadas à manipulação e à cultura dos embriões antes da implantação no útero. Entre essas consequências estão os chamados efeitos epigenéticos, em que perturbações no ambiente afetam a expressão correta dos genes.

Uma dessas consequências, já constatada tanto em seres humanos quanto em outros animais, é uma preferência pelo sexo masculino: sabe-se que a IVF produz um excesso de embriões masculinos viáveis. Artigo publicado no periódico PNAS aponta a causa desse desvio, ao menos em camundongos gerados por IVF: a falha na inativação de um dos dois cromossomos X do embrião feminino. Essa inativação é necessária para evitar possíveis efeitos tóxicos da presença de genes duplicados no par de X presente nas fêmeas.

Os autores, da China e dos Estados Unidos, determinaram que a falha é causada pela presença de uma quantidade insuficiente da proteína Rnf12, e que a taxa de machos e fêmeas pode ser reequilibrada por superexposição à proteína, ou pela suplementação de ácido retinoico no meio de cultura dos embriões.

Cuidado
com o valor-p

A Associação de Estatística dos Estados Unidos (ASA, na sigla em inglês) publicou, no início do mês, uma nota advertindo cientistas contra o uso indiscriminado do “valor-p”, uma ferramenta estatística tradicionalmente adotada para determinar a “significância” de uma descoberta: considera-se significativo um achado cujo valor-p seja igual ou menor que 5%. Esse limiar de 5% acabou se tornando uma espécie de pré-requisito para publicação no meio acadêmico.

A nota da ASA condena tanto as interpretações informais do valor-p – muitas vezes visto como equivalente à probabilidade de o resultado do estudo ser falso – quanto o uso indiscriminado do limiar de 5%. “O valor-p nunca pretendeu ser um substituto para o raciocínio científico”, disse, em nota, o diretor-executivo da ASA, Ron Wasserstein.

A manifestação da Associação (que pode ser acessada em https://amstat.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/00031305.2016.1154108) esclarece que o valor-p fornece uma estimativa de “o quanto os dados são incompatíveis com um modelo estatístico especificado” e que esse indicador “não é uma medida da probabilidade de que a hipótese em estudo seja verdadeira, ou de que os dados tenham sido produzidos por pura sorte”. A ASA faz ainda a seguinte exortação: “conclusões científicas, decisões de negócios e de políticas públicas não devem depender apenas de se um valor-p ultrapassa um certo limite”.

China
no espaço

A agência de notícias oficial chinesa Xinhua anunciou, no fim de fevereiro, que o país asiático lançará seu segundo laboratório espacial, chamado Tiangong-2, no segundo semestre deste ano. Alguns meses depois, uma cápsula Shenzhou-11 levará dois astronautas para ocupá-lo. No início de 2017, um segundo módulo – composto pelo primeiro cargueiro espacial chinês, Tianzhou-1 – será lançado e ligado ao laboratório, ampliando o espaço para experimentos. Todas essas manobras fazem parte do esforço chinês para contar com uma estação espacial própria, permanentemente tripulada, em órbita até 2022. A China vem investindo bastante em seu programa espacial tripulado desde que se tornou, em 2003, o terceiro país a pôr um homem no espaço por meios próprios, depois de Rússia e Estados Unidos.

Recordes
orbitais

O astronauta Scott Kelly, que retornou à Terra no início de março, após 340 dias a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS), tornou-se o americano que mais tempo passou, continuamente, no espaço. Sua missão, no entanto, foi apenas a quarta mais longa de um ser humano fora da Terra: o recorde ainda pertence ao russo Valeri Polyakov, que entre 1994 e 1995 ficou 437 dias a bordo da estação Mir.
Assim como no caso de Kelly, a missão de Polyakov tinha por objetivo avaliar as mudanças fisiológicas no corpo humano durante longas viagens espaciais: já então se falava num possível futuro voo tripulado a Marte. Já a mulher que mais tempo passou continuamente no espaço foi a italiana Samantha Cristoforetti, que ficou 199 dias a bordo da ISS entre 2014 e 2015. Por conta dessa missão, Cristoforetti também detém o recorde europeu de tempo passado em órbita.