Edição nº 649

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2016 a 20 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 649

Dispositivo simula aplicação
de anestesia odontológica

Aplicativo desenvolvido na FOP já foi testado
com sucesso por alunos de graduação

O dentista Leandro Pereira acaba de desenvolver em sua tese de doutorado, na Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP), um simulador virtual para o ensino de anestesia local em odontologia. Chamado Dental Simulator, o aplicativo já foi testado por 23 alunos de graduação. Os resultados se mostraram promissores, aumentando o índice de sucesso no procedimento de 20% para quase 60%, isso em uma semana de uso. A grande vantagem do treinamento virtual é que ele propicia inúmeras repetições em um paciente virtual, para o profissional se sentir mais seguro no uso da técnica, pois é justamente a repetição que trará o aprimoramento.

No projeto, que levou quatro anos para ser concluído, um paciente virtual ajuda nas simulações. Sua boca tem as mesmas características anatômicas – tecidos moles e osso – de uma boca natural. Segundo o autor, este treinamento é semelhante ao de um piloto de avião: o treinamento virtual permite ao aluno atuar numa mesma situação real sem expor o paciente a riscos. A ideia, informou, é propiciar uma ferramenta pedagógica para alunos de graduação e de pós-graduação.

O novo aplicativo parte de uma plataforma amigável, podendo ser empregado tanto em aparelhos smartphones como em tablets. Essa escolha facilita muito o uso porque a característica multitouch destas telas abre as portas para que o simulador seja acessado de modo bastante intuitivo. Ele também está disponível para outras plataformas como desktop e laptop, embora o sistema mais amigável mesmo esteja presente nas telas multitouch.

O Dental Simulator visa contribuir para uma nova forma de ensino de anestesia no mundo, visto que via de regra os alunos nas universidades têm aulas teóricas e depois treinam o procedimento nos próprios colegas de turma.

Este trabalho teve a participação do professor do Instituto de Biologia (IB) Eduardo Galembeck, que colaborou no desenvolvimento desse aplicativo no Laboratório de Tecnologia Educacional. Galembeck tem amplo conhecimento na área de ensino e de tecnologias educacionais.

Interação

Em sua pesquisa, Leandro se baseou na técnica que envolve o maior número de fracassos no dia a dia do clínico, que é o bloqueio do nervo alveolar inferior. Em geral, nessa técnica é aceito até 40% de insucesso anestésico, tal a sua dificuldade de execução.

No paciente virtual, o estudante pode praticar e aprender as técnicas anestésicas no modo simulação, assistindo a vídeos de procedimentos reais, lendo textos interativos e melhorando suas habilidades. O programa também oferece, em versão beta, a denominada realidade aumentada, em que o usuário pode optar por usar o aplicativo com óculos 3D. Assim é possível fazer o treinamento anestésico em um ambiente simulado em terceira dimensão.

Nessa versão, o usuário imprime em sua impressora pessoal duas imagens, denominadas marcadores. Um destes marcadores será identificado pela câmera do smartphone como sendo o paciente virtual. Já o outro marcador, será identificado como a seringa da anestesia.

Desse modo, o usuário poderá interagir com os marcadores de papel, movimentando-se ao redor deles, porém visualizando na tela do smartphone um ambiente clínico real e em 3D. Este sistema permite ao usuário introduzir a agulha virtual até a área próxima ao nervo alveolar inferior do paciente virtual e realizar a anestesia.

O paciente virtual apresenta uma reação semelhante à reação clínica de um paciente real, ao passar por uma punção (que consiste na penetração do tecido). Quando a agulha toca a gengiva ou o osso, o paciente virtual reage na tela movimentando a língua, como se estivesse sentindo dor. O celular ou o tablet também reagem vibrando, como se o paciente tivesse balançado ou se movido em função da sensibilidade.

Quando o usuário finaliza a técnica de anestesia no simulador, recebe um feedback de erros e acertos. Os erros são listados diante dele a fim de que saiba onde falhou. Através de um hiperlink, clica naquele erro e o aplicativo o leva a uma tela em que um texto lhe informa quais informações deveria ter verificado para não incorrer no mesmo erro numa próxima simulação ou num próximo procedimento clínico.

Esse mecanismo de correção faz com que o aplicativo, além de agir como um simulador, seja um mecanismo de autoaprendizado para o aluno, colaborando muito para a parte educacional, comentou o professor da FOP José Ranali, orientador da tese.

Essa primeira fase do trabalho, da simulação da técnica, pontuou Ranali, serve como um start para desenvolver todo um programa de simulação na anestesia local e talvez oferecer oportunidade de fazer isso em outras áreas da saúde. O intuito é que esse modelo seja seguido por outras especialidades. 

Plataforma

Conforme José Ranali, esse é um aplicativo inédito da maneira como foi concebido. “Existem alguns simuladores disponíveis no mercado, contudo são protótipos e não têm o mesmo nível e proximidade com a realidade”, garantiu o docente.

Para levar o Dental Simulator à larga escala comercial, Leandro e Ranali o idealizaram para um público internacional. Criaram o dispositivo em três línguas: português, espanhol e inglês. O projeto foi inteiramente desenvolvido na Unicamp e foi pensado também para funcionar em diferentes sistemas operacionais, como IOS da Apple (antes chamado de iPhone OS), Android (um sistema operacional personalizável), Windows (o sistema operacional mais utilizado em computadores pessoais no mundo) e MacOsX (sistema operacional mais voltado a desktops).

“Com essa abrangência, todos os dentistas do mundo poderão acessar esse programa. Há dez dias, ele já está disponível para download na Apple Store. A ferramenta tem uma parte gratuita e outra paga, porém de baixo custo. Assim, o usuário pode fazer compras de algumas técnicas dentro do próprio aplicativo”, esclareceu Leandro.

Ranali sinalizou que sempre teve a preocupação em trabalhar com a nova geração de alunos que está chegando à universidade – a dos nativos digitais. De acordo com ele, são jovens com idade entre 20 e 30 anos que já nasceram num mundo tecnológico. “Eles se educam numa situação bem diferente da que já vivemos em termos de avanços.”

Orientador e orientando observaram que trabalhar com ferramentas educacionais tecnológicas e hipertextuais poderia ser uma boa solução na área de anestesia, “pelo fato de trazerem maior motivação e interação dos alunos com instrumentos contemporâneos que atendam à educação e à maneira de vida dessa geração que está chegando, que já chegou”, situou Ranali.

O docente então lembrou que o aluno pode treinar no seu smartphone em todos os lugares onde estiver: em casa, na sala de aula ou no ambiente universitário. “O professor pode inclusive avaliar as simulações realizadas pelos seus alunos.”

Foco

Não é fácil executar as técnicas de anestesia porque elas exigem penetrações profundas da agulha nos tecidos e ângulos muito exatos, salientou Leandro. Como essas técnicas requerem um bom conhecimento anatômico do paciente, o dentista às vezes comete erros, levando a uma anestesia não efetiva. A consequência é que o paciente não fica completamente anestesiado e sente dores durante o tratamento.

O procedimento não tem uma alta eficácia anestésica em função da dificuldade técnica. Logo, o novo aplicativo auxilia no quesito técnico do posicionamento da agulha e na execução até dos procedimentos mais meticulosos.

O aplicativo proposto está mais ligado à execução técnica da anestesia, ao posicionamento da agulha, à sua penetração e à injeção da solução anestésica. “Num simulador de avião, o piloto treina o voo. Aqui treinamos como fazer a anestesia, um treinamento pré-clínico necessário, pois algumas técnicas são de fato muito complexas”, informou Leandro.

O pesquisador explicou que, mesmo a anestesia local não sendo livre de riscos ao paciente, tais riscos podem ser evitados. A realização da técnica adequada em todos os seus conceitos, reforçou o pesquisador, desde a escolha da solução anestésica, é de suma importância para a segurança e a saúde sistêmica do paciente. Através da anamnese, é possível identificar todas as características do paciente, desde a idade, o gênero, as suas condições de saúde, se ele faz uso de medicamentos de uso contínuo, ou não, e as prováveis interações com a solução anestésica escolhida.

Todo paciente com alterações de saúde (cardiopatas, diabéticos e com endocrinopatias, etc.) tem seu quadro agravado toda vez que se sente desconfortável para o tratamento. “É o famoso medo do dentista”, afirmou Ranali. “Portanto, antes da anestesia, o profissional precisa ter o cuidado de saber como está a saúde do paciente e fazer com que o tratamento seja o mais confortável possível. Aí lançamos mão de métodos de controle do estresse e ansiedade para que o risco seja mínimo numa situação real.”

Publicação

Tese: “Criação, desenvolvimento, aplicação e validação de um simulador computadorizado de realidade virtual para o ensino e treinamento de bloqueio anestésico do nervo alveolar inferior”
Autor: Leandro Pereira
Orientador: José Ranali
Unidade: Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP)