Edição nº 649

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 11 de março de 2016 a 20 de março de 2016 – ANO 2016 – Nº 649

Técnica classifica farinhas
para pão integral de forma

Metodologia pode auxiliar as indústrias de panificação na
escolha de produtos mais adequados

Pesquisadora da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) desenvolveu em sua tese de doutorado um número adimensional capaz de classificar as farinhas de trigo integrais – através de análises reológicas (normalmente realizadas em moinhos e em indústrias de panificação) – em adequadas ou inadequadas para a produção de pão de forma. O trabalho foi feito por Georgia Ane Raquel Sehn para ajudar a resolver uma deficiência no setor industrial em definir a aplicação para farinhas integrais e prever como o pão irá se comportar durante a fabricação.

A autora conseguiu estabelecer correlações entre os resultados obtidos nas análises reológicas com as farinhas avaliadas e o volume específico dos pães de forma. “Com muita estatística, alcançamos um número adimensional para aplicar só o resultado dessas análises e ver se a farinha será adequada ou não para a produção de pão de forma. Os parâmetros são os mesmos usados para farinha de trigo refinada, diferindo unicamente o olhar sobre aquele resultado”, relatou.

De acordo com a estudiosa, esta ferramenta auxilia as indústrias de panificação em optar, ou não, pelo uso de aditivos e coadjuvantes para melhorar as formulações desses pães, deixando-os com um volume específico maior. “As indústrias poderão colocar em prática esse conhecimento no dia a dia da fabricação dos pães”, constatou.

Esse estudo foi orientado pela docente da FEA Caroline Joy Steel e faz parte da linha de pesquisa “Panificação e controle de qualidade de cereais e farinhas”, pela qual a professora é responsável. Georgia agora está entrando com pedido de patente junto à Agência Inova Unicamp, para registro da metodologia.

Para chegar a esses padrões através das análises reológicas, é preciso empregar os aparelhos farinógrafo (que mede propriedades de mistura da massa) e o extensógrafo (que mede características como extensibilidade da massa e a resistência desta à extensão). Através dos resultados obtidos, pode-se calcular o número adimensional e prever se a farinha será adequada ou não para a produção de pão de forma.

“Os padrões da farinha de trigo não se ajustam aos das farinhas de trigo integrais. Daí a necessidade de criar novos padrões”, ressaltou Georgia. As farinhas de trigo integrais são atualmente empregadas em diferentes tipos de alimentos, entre eles pães, bolos, massas, biscoitos. Nessa pesquisa, o foco foi apenas o pão de forma.

Legislação

A legislação brasileira não tem uma definição exata para farinha integral. No país, ela consiste de uma farinha de trigo refinada, na qual se incorporam o farelo de trigo com ou sem gérmen, que são as camadas mais externas do grão de trigo.

A farinha branca refinada é somente a parte interna do trigo. Quando se utilizam as partes externas também, esta farinha está sendo chamada de integral. Quando se faz a adição destas camadas, estão sendo incorporados maiores teores de fibra, vitaminas e minerais.

No Brasil, a indústria adiciona essas frações na farinha de trigo refinada para produzir produtos integrais. Só que a quantidade de reincorporação não segue propriamente a um padrão. Por isso tanto pode ser adicionado 3% como 10% de farelo e chamar aquela farinha de trigo de integral.

É importante ressaltar que esse produto é diferente da farinha de trigo de grão inteiro, também disponível no mercado, resultante da moagem do grão inteiro, que contém todas as partes do grão inicial: o farelo, o gérmen e o endosperma, nas mesmas proporções encontradas no grão original. Seria então o grão inteiro moído, não a reincorporação do farelo à farinha de trigo refinada, diferencia a autora.

Um problema em relação ao pão integral é que as indústrias obtêm uma farinha de trigo integral e, como há uma grande variação, em razão de a legislação não estabelecer um mínimo de farelo para chamar de integral, ou porque cada moinho tritura esse farelo numa granulometria diferente, ou mesmo porque os trigos são oriundos de diferentes regiões do país, isso modifica as características do grão de trigo e da farinha. Logo, é complicado dizer que a farinha de trigo integral, na quantidade de 3%, vai render um pão de ótima qualidade ou se com 5% de farelo de trigo terá essa mesma qualidade.

Georgia explicou que, quando feita análise reológica com farinha de trigo refinada, ela é capaz de indicar se aquela é uma farinha fraca, média ou forte. Mediante essa classificação, é possível direcionar o uso da farinha. A forte e a média-forte em geral são utilizadas na fabricação de pães; a fraca, na fabricação de biscoitos; e, a muito forte, na fabricação de massas alimentícias.

Acontece que, quando se trabalha com farinha de trigo integral, as análises reológicas não conseguem prever essas características. O resultado mostra aparentemente que aquela farinha é muito boa, porém acaba não servindo para produzir um pão de qualidade. Foi aí que entrou o trabalho de fazer um método que classifica essas farinhas de trigo em adequadas ou inadequadas para a fabricação do pão de forma.

Método

A doutoranda, depois de muitas análises com farinhas integrais, desenvolveu uma fórmula estatística cujo resultado pode ser inserido em um aplicativo e predizer se aquele produto (a farinha integral) realmente dará um bom pão de forma.

Esse instrumento permite dizer se pode ser aplicado e se vai dar um pão de forma com um bom volume específico, ou seja, se terá uma aparência bonita, de qualidade; ou se vai dar um pão com baixo volume específico; ou de repente vai sinalizar se é preciso colocar aditivos para ele ficar com maior qualidade com essa farinha. Agora, a ideia é tornar essa metodologia mais acessível ao usuário, pontuou a orientadora da tese, pois tem muita estatística envolvida.

Espera-se que os moinhos e as indústrias de panificação continuem fazendo as mesmas análises para farinhas de trigo refinadas, mas com o auxílio de um aplicativo ou fórmulas de Excel e assim conseguir facilitar o dia a dia das empresas tendo rapidamente o resultado, o número adimensional de Sehn-Steel, classificando essas farinhas integrais.

Para a docente, a pesquisa de Georgia é muito importante especialmente frente à dificuldade de classificar as farinhas de trigo integrais, uma vez que elas têm um comportamento atípico por causa da fibra. “É ela que altera a reologia, a viscosidade, a consistência de uma massa”, dimensionou.

Às vezes são usados os resultados de farinha de trigo integral classificando-a como sendo uma farinha boa, por dar uma boa estabilidade e resistência à extensão, contudo nada disso se reflete no pão final. “Sabíamos o porquê, mas queríamos saber se haveria uma maneira de classificar essas farinhas utilizando até os mesmos equipamentos”, assinalou a professora.

Os produtos integrais são de suma importância para uma alimentação saudável. São abundantes em fibras, vitaminas e minerais, prolongam a saciedade e diminuem a fome. No mundo inteiro, nota-se uma crescente busca pelos produtos integrais ou pelos nutricionalmente benéficos. Nos Estados Unidos, eles têm uma legislação na qual para chamar esse produto de integral é preciso ter pelos menos 51% do grão inteiro.

“No Brasil, haveria a necessidade de instituir um padrão ou então dizer se o produto é integral porque tem pelo menos uma certa porcentagem de farelo. Verificamos, fazendo pães com as farinhas, como variava o seu volume por conta do que é incorporado de farelo”, comentou a doutoranda.

Por outro lado, ainda hoje muitas pessoas têm preconceito com os produtos integrais, devido sobretudo à sua coloração escura (devido às maiores quantidades de farelo). Existem inclusive alguns projetos orientados pela professora Caroline na FEA que testam as fibras brancas substituindo a farinha de trigo



  

Envelhecimento do pão integral

Georgia também fez um estudo acerca do envelhecimento dos pães de forma integrais para ver como eles se comportariam durante a estocagem. O principal parâmetro para avaliar isso é a firmeza do produto depois de um determinado dia. Ela também aplicou uma fórmula estatística para prever a firmeza do pão após cinco, dez ou 15 dias. Essa conduta pode contribuir com as indústrias que comercializam produtos antimofo ou ingredientes e aditivos que retardam o envelhecimento, deixando o pão mais macio. A indústria, já conhecendo a firmeza do pão depois de determinado dia, tem como mudar a sua formulação fazendo com que ela simplifique ou diminua a necessidade do uso de aditivos e coadvujantes no produto final. “A validade de um pão integral gira em torno de dez a 12 dias a partir da data da sua produção”, informa Georgia, que é química industrial e professora da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

Publicação 

Tese: “Desenvolvimento de padrões reológicos para farinhas de trigo e estudo do envelhecimento de pães de forma integrais”
Autora: Georgia Ane Raquel Sehn
Orientadora: Caroline Joy Steel
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)