Edição nº 621

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de março de 2015 a 12 de abril de 2015 – ANO 2015 – Nº 621

Telescópio


Abuso hereditário ou
excesso de vigilância?

Crianças vítimas de abuso por parte dos pais têm mesmo mais chance de virem a abusar dos próprios filhos, ou isso é apenas mais um preconceito? Estudo realizado nos Estados Unidos, envolvendo pesquisas em registros do Judiciário americano e entrevistas com pais e filhos ao longo de três gerações, tentou responder a essa pergunta, mas acabou produzindo uma nova questão: será que o maior número de casos de abuso registrados entre filhos de antigas vítimas não é produto de um foco excessivo dos serviços sociais nessas famílias – em outras palavras, será que as crianças de famílias sem história de abuso não estão sendo negligenciadas?

O trabalho, publicado na revista Science, acompanhou não só o histórico de famílias de vítimas de abuso, mas também de um grupo de controle, sem registro prévio de ocorrências do tipo. Os autores determinaram que adultos que haviam sofrido abuso na infância tinham duas vezes mais chance de serem denunciados aos serviços sociais por abuso infantil, em comparação com adultos do grupo de controle – mas que entre os pais que admitiram, em entrevistas, abusar dos filhos, os com histórico de vitimização tinham duas vezes e meia mais chance de serem formalmente denunciados, em comparação aos do grupo de controle. Isso sugere, dizem os autores, um “viés de vigilância” em operação.

 

Mudança
de maré

O aquecimento global enfraqueceu a circulação das águas do Oceano Atlântico ao longo da década de 70 do último século, um efeito com possíveis impactos no clima e no nível dos mares. Houve alguma recuperação nos anos 90, mas o fenômeno deve voltar a se agravar caso o degelo na Groenlândia continue, diz artigo publicado no periódico Nature Climate Change.

A chamada Circulação de Revolvimento Meridional (AMOC, na sigla em inglês) inclui a mais conhecida Corrente do Golfo, que leva água quente da costa dos EUA para o norte da Europa e é um importante regulador do clima no hemisfério norte. Os autores do estudo, vinculados a instituições americanas e europeias, calcularam que o enfraquecimento da AMOC desde 1975 foi um evento sem precedentes numa escala de, pelo menos, mil anos.

 

Comida por
combustível

Análise publicada na revista Science afirma que os principais modelos teóricos, usados pelos Estados Unidos e pela Europa, para avaliar a eficiência do etanol derivado de trigo e milho no combate às emissões de gases do efeito estufa pressupõem, ainda que de forma pouco clara, que a redução da emissão de carbono virá de uma redução no consumo desses alimentos por seres humanos e animais. O trabalho pede maior transparência na elaboração desse tipo de modelo.

“Sem creditar a redução no consumo de alimentos, nenhum dos modelos prevê emissões de gases causadores do efeito estufa menores para o etanol do que para a gasolina. Nesse sentido, as emissões menores do etanol dependem de reduções no consumo de alimentos”, escrevem os autores, que concluem: “Independentemente dos méritos de cada modelo, as políticas de biocombustível estão contando com redução no consumo de alimento para reivindicar benefícios nos gases do efeito estufa. Essas reduções advêm não de um imposto especial sobre o consumo excessivo, mas de aumentos globais de preços”.

 

Um dia
em Saturno

Planetas gigantes gasosos não têm superfícies sólidas marcadas por montanhas ou crateras, o que torna difícil estimar a duração de seus períodos de rotação – o tempo que o planeta leva para dar uma volta completa em torno do próprio eixo, e que na Terra corresponde ao dia de 24 horas.

O caso de Saturno é especialmente complicado: características do campo magnético do planeta impedem que ele seja usado na medição do dia, como é feito no caso de Júpiter. Na edição mais recente da revista Nature, astrônomos israelenses apresentam um a nova técnica, baseada em medições do campo gravitacional do planeta, e chegam a um resultado de 10 horas, 32 minutos e 45 segundos, com uma incerteza de 46 segundos, no limite inferior das estimativas disponíveis até agora, que vão de 10h32min a 10h47min. Os autores testaram seu método usando-o para recalcular a rotação de Júpiter, e obtiveram o resultado correto, de cerca de 9h55min.

O planeta Saturno, fotografado pela sonda Cassini, da Nasa


Ventos de
buraco negro

Emissões intensas de energia causadas pela queda de matéria no interior de gigantescos buracos negros são capazes de soprar gás e poeira para fora de galáxias, controlando a quantidade de material disponível para o nascimento de novas estrelas, diz artigo publicado na revista Nature.

“Parece haver uma correlação entre núcleos galácticos ativos, que são buracos negros supermassivos que liberam grandes quantidades de energia ao engolir matéria, e a massa e os componentes das galáxias”, diz nota divulgada pelo periódico. A energia desses buracos negros pode movimentar fluxos de gás pela galáxia, afetando tanto a taxa de formação de novas estrelas quanto a composição desses astros.

A hipótese ganha apoio com as observações da atividade da galáxia IRAS F11119+3257, descritas no artigo publicado no periódico. O trabalho tem como principal autor Francesco Tombesi, da Universidade de Maryland.

 

Ouro
no esgoto

Pode ser viável extrair ouro comercialmente dos resíduos sólidos que vão parar nas estações de tratamento de esgoto, diz trabalho apresentado na última semana no Encontro Nacional da Sociedade de Química dos Estados Unidos. O levantamento, encabeçado pela pesquisadora Kathleen Smith, da U.S. Geological Survey (USGS), encontrou ainda platina, prata e metais importantes em aplicações tecnológicas, como paládio e vanádio, nos chamados “biossólidos” gerados pelo tratamento de esgoto.

“Se conseguirmos nos livrar dos metais indesejados que limitam nossa capacidade de usar os biossólidos como fertilizantes e, ao mesmo tempo, recuperar metais valiosos e outros elementos, todo mundo ganha”, disse Smith, em nota divulgada pela USGS.

Para fazer essa recuperação, a equipe da pesquisadora vem adaptando técnicas industriais de mineração, incluindo o uso de produtos químicos normalmente empregados para remover metal de rocha. Muitos desses produtos são considerados danosos para o meio ambiente, mas Smith acredita que, num cenário controlado, eles podem ser utilizados de modo seguro para trabalhar o esgoto.

 

Nitratos
em Marte

Amostras de solo marciano analisadas pelo jipe-robô Curiosity, da Nasa, indicam que existe nitrogênio fixado, sob a forma de nitratos, em rochas do planeta vermelho. A presença de nitrogênio fixado no solo é essencial para a vida na Terra, e a existência de nitratos em Marte tem importância para as tentativas de determinar se o planeta é, ou já foi, habitável.

“Esse nitrogênio fixado pode indicar o primeiro estágio do desenvolvimento de um ciclo primitivo do nitrogênio na superfície do Marte antigo, e teria fornecido uma fonte biologicamente acessível” do elemento, descrevem os autores do artigo que apresenta a descoberta, publicado no periódico PNAS. O trabalho é assinado por uma equipe internacional que inclui pesquisadores dos EUA, México, Espanha, França e Suécia, encabeçada pela Nasa.

O artigo especula que a fixação dos nitratos detectados pelo Curiosity no solo marciano teria sido feita pelo impacto de asteroides, ou pela energia de relâmpagos.

 

Asteroides
australianos

Dois asteroides, cada um com cerca de 10 quilômetros de diâmetro, atingiram a região central da Austrália há mais de 300 milhões de anos, criando uma zona de impacto de 400 quilômetros, diz artigo de autoria de pesquisadores da Universidade Nacional Australiana, publicado no periódico Tectonophysics.

Embora as crateras já tenham sido apagadas pela passagem do tempo, perfurações realizadas pela universidade encontraram vestígios do choque, como amostras de rocha vitrificada pelos impactos, informa nota distribuída pela instituição. E um modelo magnético das profundezas da Terra, no local investigado, revela duas grandes protuberâncias no subsolo, interpretadas pelos autores da descoberta como sinais do “rebote” da crosta após a colisão dupla, provavelmente causada pelos fragmentos de um corpo maior que se partiu antes de atingir o solo.

 

Livre
acesso

A Fundação Nacional de Ciência (NSF, na sigla em inglês), um dos principais órgãos de fomento do governo dos Estados Unidos, publicou em meados deste mês sua política de livre acesso às pesquisas financiadas com verbas suas. Pela nova diretriz, os artigos científicos produzidos como resultado de patrocínio da instituição terão de estar disponíveis gratuitamente, para acesso público, no máximo 12 meses após a publicação em periódico ou apresentação em conferência.

Os artigos, no entanto, não serão armazenados num repositório próprio da NSF, mas permanecerão nos websites dos periódicos de origem. A NSF apenas manterá um catálogo dos artigos, com links para os sites correspondentes. Essa estratégia atraiu críticas de pesquisadores, que temem que a dispersão dos trabalhos entre fontes diversas, com critérios de catálogo e armazenamento diferenciados e arbitrários, dificulte a aplicação de estratégias de “data mining” e pesquisa textual. Editores de periódicos, por sua vez, elogiaram a medida, já que evita a redução de receita com publicidade e visitas a seus websites.