Edição nº 621

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de março de 2015 a 12 de abril de 2015 – ANO 2015 – Nº 621

Cerco às fraudes de energia

Grupo desenvolve equipamento e metodologia de baixo custo e alta produtividade

Micromedidores de amper-hora: Índice de acerto chega a 90%, segundo os pesquisadoresUm grupo de pesquisadores da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp desenvolveu um equipamento e uma proposta metodológica inédita para a detecção de fraudes de energia elétrica. A proposta consiste numa atividade de pré-inspeção na rede elétrica com o auxílio de um micromedidor de amper-hora (Ah). Os resultados dos trabalhos demonstraram que, em grande escala, o índice de acerto do método seria de, no mínimo, 90%, contra apenas 12% do processo convencional praticado pela distribuidora de energia. Trata-se de uma proposta de baixo custo e de alta produtividade, garantem os pesquisadores envolvidos.

O professor José Antônio Siqueira Dias, coordenador dos estudos, informa que os trabalhos foram realizados e financiados por meio de um projeto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) com a companhia paulista AES Eletropaulo, a maior distribuidora de energia elétrica do Brasil. Atualmente, a empresa, que é responsável por atender 24 municípios da Região Metropolitana de São Paulo, incluindo a capital paulista, gasta em torno de R$ 65 milhões anuais para combater adulterações, conseguindo identificar apenas 12% dos fraudadores.

“A Eletropaulo mantém um programa muito intenso de combate a fraudes. Esse programa recupera valores significativos da ordem de R$ 80 milhões por ano, mas a eficiência dele, considerando os métodos tradicionais praticados, ainda é limitada, sob vários aspectos. Nossas pesquisas inserem-se, portanto, na tentativa de tornar isso mais eficiente. Elas integram um convênio da Aneel financiado pela Eletropaulo. Existe um programa de pesquisa e desenvolvimento da Aneel e, dentro desse programa, nós fizemos esta parceria entre a Unicamp e a Eletropaulo”, contextualiza o docente.

Em seu mestrado defendido recentemente, o engenheiro eletricista Luiz José Hernandes Jr. criou uma atividade de pré-inspeção para a detecção de fraudes sem a necessidade da entrada de técnicos da distribuidora de energia nas residências dos consumidores, como é feito, atualmente, pelo método tradicional.

A detecção, pelo processo proposto, é realizada no ramal de entrada do cliente, portanto, antes do medidor de energia. Ela só foi possível graças ao desenvolvimento de um micromedidor de amper-hora (Ah), trabalho que integra doutorados do engenheiro de telecomunicações Luis Fernando Caparroz Duarte, orientado pelo professor Elnatan Chagas Ferreira (FEEC), e do engenheiro de computação Flávio José de Oliveira Morais, orientado pelo professor José Siqueira Dias.

O professor Jos é Antônio Siqueira  Dias, coordenador  das pesquisas:  checagem  determina se há  ou não fraude O docente José Siqueira Dias, que orientou o mestrado de Luiz Hernandes e atua no Departamento de Eletrônica e Microeletrônica da FEEC, explica que o aparelho toma uma medida num período amostral de consumo no ramal de entrada do cliente e compara com a leitura do medidor, instalado dentro da casa do cliente. A partir de diferenças entre estas medidas, determina se existe ou não uma fraude na ligação.

Conforme o relato do engenheiro eletricista Luiz Hernandes, um dos grandes problemas que as distribuidoras de energia no Brasil enfrentam são os prejuízos causados pelas chamadas “perdas não técnicas”, originadas, principalmente, por fraudes ou furtos de energia elétrica. Dados da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) indicam que os níveis médios de furtos e fraudes praticados contra as distribuidoras brasileiras corresponderam, em 2013, a 5,60% sobre o total da energia distribuída no país. Este percentual equivale a mais do que o consumo anual do Estado da Bahia.

Para a Abradee, tanto o furto como a fraude estão entre as perdas conhecidas como “comerciais”. A Associação distingue os dois termos. “O furto é caracterizado pelo desvio direto de energia da rede elétrica das distribuidoras para o consumidor ilegal, o que faz com a energia seja utilizada, mas não contabilizada como tal, levando às perdas. No caso da fraude, contudo, o consumidor é registrado por parte da distribuidora, mas faz adulterações em seu sistema de fiações elétricas da sua residência/comércio/indústria - de modo que, apesar de consumir uma quantidade X de energia, só pague efetivamente por uma parte menor desse consumo, devido à fraude.”

Luiz José  Hernandes Jr.:  técnicos da  distribuidora  de energia não  precisam entrar  nas residênciasPara combatê-las, as concessionárias realizam análises estatísticas e identificam variações de comportamentos de consumos mensais que poderiam indicar potenciais clientes fraudadores, revela Luiz Hernandes. Equipes especializadas promovem inspeções nas instalações de entrada, dentro da residência desses clientes, com objetivo de identificar se de fato existem fraudes. Os resultados desse tipo de atividades são limitados, demandam muito tempo e têm baixa produtividade, além do constrangimento que os consumidores não fraudadores são submetidos, avalia o pesquisador.

“O nosso processo atingiu pleno sucesso. Queríamos produzir um novo método eficaz de inspeção sem entrar na casa do cliente. Você imagina: em 88% dos casos não existem fraudes. Portanto, 88% dos clientes que sofrem esta inspeção estão completamente regulares. Por mais cuidado que o técnico eletricista tome ao se apresentar, não deixa de ser um constrangimento receber uma equipe para investigar se o cliente está fraudando o consumo de energia elétrica.”

O estudioso da Unicamp pondera que vários fatores podem reduzir o consumo, sem indicarem, necessariamente, uma fraude. “Equipamentos mais eficientes, a redução no número de moradores da residência, tudo isso pode gerar uma redução de consumo. E estes fatores não são conhecidos previamente pela distribuidora. Até o momento, a única coisa que a distribuidora pode identificar é: aqui houve um comportamento de redução de consumo que pode ser uma fraude.”

 

Diferenças técnicas

Luis Fernando Caparroz Duarte (primeiro plano) e Flávio José de Oliveira Morais: aparelho faz medição de período amostralO método formulado na Unicamp prevê a instalação um micromedidor no ramal de entrada do cliente. Este aparelho, muito pequeno, é suspenso sobre a rede de energia do lado de fora da residência e fica praticamente imperceptível para o cliente, de acordo com Luiz Hernandes. Durante um período amostral, o micromedidor externo registra uma corrente e o leiturista da concessionária toma para esse mesmo período a leitura do medidor do cliente. Depois são realizadas as comparações.

“É aí que vieram os maiores desafios da pesquisa, porque o micromedidor só mede a corrente e não a tensão real, dado que interessa efetivamente para chegar ao cálculo do consumo. O micromedidor faz a medição de apenas um parâmetro. Já o medidor convencional instalado no padrão de entrada das residências mede a tensão, a corrente e consegue saber como estes dois parâmetros estão no tempo. Isso permite calcular a energia ativa. Por isso, tivemos que inferir, com uma margem muito pequena de erro, todas as outras informações por meio de um estudo estatístico”, esclarece.

A formulação de um equipamento que identificasse apenas um parâmetro, como o micromedidor, foi uma limitação deliberada para que o aparelho pudesse ser rápido; micro; não utilizasse cabos; e fosse retirado e colocado quase que instantaneamente, de modo que o cliente não percebesse. Além disso, o micromedidor transmite as informações por rádio e sua manutenção é muito simples.

Outro aspecto da metodologia foi identificar qual degrau de consumo que representava, de fato, uma fraude. “Começamos isso de diversas formas. Identificamos primeiro os casos onde a Eletropaulo encontrou fraude. A Eletropaulo não leva em consideração somente o degrau de consumo, mas o histórico do cliente, casos de fraudes anteriores, o tipo de atividades e níveis de consumo. Havia um grande acerto da Eletropaulo quando o degrau de consumo era maior do que 43%. Fomos à Eletropaulo e com o auxílio dos técnicos reproduzimos em laboratório várias situações de fraude e erros de instalação. E aí começamos a entender o que ocorre no campo. E nós identificamos que a menor fraude gera um degrau de consumo de 20%”, relata.

 

Testes e produtividade

Além de preciso do ponto de vista metodológico, o processo se mostrou extremamente produtivo, compara o engenheiro eletricista e pesquisador da Unicamp. “Mais do que encontrar a fraude, nós queríamos reduzir o custo e o tempo do processo. Enquanto a inspeção demorava pelo menos uma hora, este processo de instalação do micromedidor passou a ser feito em 30 segundos.”

Ele informa ainda que foram feitos testes em escalas reduzidas. A Eletropaulo selecionou os casos, aplicou o método com o micromedidor e fez a inspeção para constatar a eventual fraude. Futuramente, há planos, em uma possível segunda fase do projeto, para testes em larga escala, prevê.

“Houve um índice de acerto de 100% nos testes em escala reduzida. Os erros acumulados do nosso processo foram inferiores a 5%. Foi interessante que, em um caso, um profissional da Eletropaulo não encontrou fraude após a inspeção. E eles nos deram o retorno: vocês erraram. Nós insistimos que devia ter uma fraude. A Eletropaulo voltou, fez uma inspeção mais detalhada e encontrou a fraude. Quem testou o nosso método foram os técnicos eletricistas que são, na prática, os responsáveis pela inspeção. Eles passaram a chamar o micromedidor de ‘caguetinha’ porque ele ‘entregava’ de fato o cliente sem precisar fazer a inspeção convencional.”

 

Publicações

Dissertação: “Proposta de criação de uma atividade de pré-inspeção para implementação de uma metodologia de ação no auxílio da detecção de fraudes e roubo de energia elétrica”

Autor: Luiz José Hernandes Jr.

Orientador: José Antônio Siqueira Dias

Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)

 

Dissertação: “Equipamento eletrônico de baixo consumo com comunicação sem fio para auxílio nas inspeções de detecção de roubo de energia elétrica”

Autor: Flávio José de Oliveira Morais

Orientador: José Antônio Siqueira Dias

Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)

 

Tese: “Sistema não invasivo de monitoramento de consumo de energia elétrica baseado em conjuntos nebulosos”

Autor: Luis Fernando Caparroz Duarte

Orientador: Elnatan Chagas Ferreira

Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)

Comentários

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Parabéns pelo trabalho.

neo@fee.unicamp.br