Edição nº 584

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de novembro de 2013 a 01 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 584

Na captura do carbono

Grupo do IQ desenvolve sólidos com poder de extrair, do ar, causador do efeito estufa

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp desenvolveu dois sólidos de base mineral capazes de extrair CO2, o principal gás causador do efeito estufa, do ar. “Se eu pusesse um balão cheio de dióxido de carbono em cima desse material, você veria ele se esvaziar”, disse ao Jornal da Unicamp a professora Heloise Pastore, coordenadora do Grupo de Peneiras Moleculares Micro e Mesoporodas (GPM3), apontando para um dos sólidos, baseado no mineral magadiita. Descoberta originalmente na África, a magadiita usada nas pesquisas do IQ foi produzida em laboratório.

O potencial das descobertas do GPM3 para a criação de tecnologias de captura de carbono e contenção do aquecimento global levou a Petrobras, por meio de seu programa Proclima, a patrocinar essa linha pesquisa, que no ano que vem entra em uma nova fase, de estudos sobre a reciclagem do CO2 capturado.

“Espero que essa segunda fase comece no primeiro semestre de 2014”, disse a pesquisadora. “Não basta só capturar o CO2. Ele é uma fonte de matéria-prima preciosa, que pode ser usada, por exemplo, para produzir plásticos, solventes, até combustíveis. Essa segunda fase já está aprovada pela Petrobras”, que investiu cerca de R$ 1 milhão na primeira fase do projeto. 

As estratégias atuais de captura de carbono envolvem o uso de líquidos da classe das aminas – um tipo de composto orgânico que contém nitrogênio – para extrair o dióxido de carbono das emissões produzidas por usinas termelétricas ou indústrias, e preveem o armazenamento do gás em reservatórios subterrâneos. 

Esses sistemas de captura e armazenamento, chamados, na sigla em inglês, de CCS, recentemente passaram a ser de adoção obrigatória em todas as futuras geradoras de eletricidade a carvão que venham a ser construídas nos Estados Unidos, e também são contemplados em uma diretriz da União Europeia sobre mudança climática, adotada em 2009.   

No Brasil, de acordo com o Sistema de Estimativa de Emissão de Gases do Efeito Estufa (SEEG), as emissões de CO2 para geração de eletricidade vêm crescendo, com um aumento de 40% entre 2006 e 2012. Mas mais de 84% da oferta interna de energia elétrica brasileira ainda tem base renovável, principalmente hidrelétrica. No caso específico da Petrobras, o problema, explica Heloise, são as chamadas emissões fugitivas, que ocorrem principalmente nos processos de refino, mas também de exploração e produção do petróleo.

“Essa emissão fugitiva do CO2 é equivalente à das termelétricas, então é um problema de mesma dimensão, só que o das termelétricas está no jornal”, disse a pesquisadora.  “O nosso foco inicial era o refino. Quando se usa um catalisador para quebrar as moléculas de nafta do petróleo em moléculas na faixa de tamanho da gasolina, sua atividade envolve inevitavelmente a retenção de uma parte de carbono que o desativa. Periodicamente o catalisador é reciclado por combustão, nesse processo todo aquele carbono retido vai ser jogado fora como CO2”. 

Os sólidos criados pelo GPM3 têm uma capacidade maior de captura de carbono, por volume, que os líquidos usados nas estratégias comuns de CCS. E um deles ainda é capaz de, no processo, gerar calor, o que facilita sua reciclagem – a remoção do CO2 capturado para estocagem ou reaproveitamento como matéria-prima. A primeira descoberta do grupo nessa área, disse Heloise, não foi resultado de uma pesquisa direcionada, mas do acaso.

“O grupo trabalha com sólidos porosos ou com materiais lamelares, constituídos de camadas sem nenhuma ligação formal entre uma e outra, ou com materiais tridimensionais com poros bem organizados e de tamanhos regulares. Trabalhando com isso, estamos à procura um emprego para esse tipo de material. O grupo se dedica a controlar tamanhos de poros, distâncias entre sítios reacionais, reatividade das partes internas”.  Um dos materiais preparados pelo grupo, em 2008, começou a mostrar mais carbono em sua composição do que o esperado. 

“Preparamos um material muito interessante, em que as análises elementares sempre indicavam uma quantidade de carbono maior do que esperávamos. A gente se assustou: de onde veio esse carbono? Nós descobrimos que o material estava capturando CO2 do ar, e aí resolvemos investir nisso”. A parceria com a Petrobras veio em 2010, e a implementação tecnológica das descobertas depende de um trabalho de engenharia que deve ser feito fora do Instituto de Química e que será realizado também com dotação do Proclima, por um dos demais grupos de pesquisas da Rede.

 

Mudança climática 

Desde o início da semana passada, representantes de mais de 190 países estão reunidos em Varsóvia, na Polônia, para a 19ª Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas para a Mudança Climática, que marca mais uma etapa da busca de um acordo para suceder o Protocolo de Kyoto, de 1997, o primeiro pacto internacional sobre controle das emissões de gases causadores do efeito estufa. 

“A questão da remoção do CO2 não é só o nosso trabalho, é uma questão real a ser cuidada, é a mudança climática. O 5º Relatório de Avaliação IPCC deixou muito claro: é hoje possível considerar extremamente provável (isto equivale a 95% de certeza) que a responsabilidade pelo aumento da concentração do CO2 na atmosfera é nossa, de que é o ser humano mesmo que está causando o problema”, disse Heloise, referindo-se ao mais recente documento divulgado pelo Painel Intergovernamental para a Mudança Climática (IPCC), da ONU.

De acordo com os dados da primeira parte do quinto relatório de avaliação, divulgada no fim de setembro, “o aquecimento do sistema climático é inequívoco; muitas das mudanças observadas desde os anos 50 não têm precedentes na escala de décadas a milênios”. Além disso, a influência humana sobre o estado do clima é considerada “clara”. 

“A influência humana foi detectada no aquecimento da atmosfera e dos oceanos, em mudanças no ciclo da água, em reduções de neve e gelo, na elevação média do nível do mar”, diz o resumo oficial do relatório. “É extremamente provável que a influência humana seja a causa dominante do aquecimento observado desde meados do século 20”.

A principal contribuição humana para a mudança climática são as emissões de dióxido de carbono e outros gases de efeito estufa que aprisionam a energia do Sol na atmosfera terrestre, impedindo seu retorno ao espaço. 

“As concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, metano e óxido nitroso aumentaram para níveis sem precedentes, pelo menos, nos últimos 800.000 anos”, diz o resumo do IPCC. “As concentrações de CO2 aumentaram 40% desde os tempos pré-industriais, principalmente pelas emissões de combustíveis fósseis”. O texto afirma, ainda, que 30% do dióxido de carbono emitido por atividade humana foi absorvido pelos oceanos, o que torna as águas mais ácidas, prejudicando a vida marinha. O relatório diz que a redução “substancial e sustentada” das emissões é necessária para limitar a mudança climática.

Alternativas 

“Não vamos conseguir parar de emitir CO2. Precisamos reduzir e controlar”, disse Heloise. A pesquisadora ponderou que o mundo precisará combinar uma série de fontes alternativas, como energia solar e eólica, para reduzir as emissões, mas também lembrou que as tentativas de definir compromissos internacionais de corte de emissão de CO2 não têm sido bem-sucedidas.

“Eu acho, de fato, que a única opção viável, em curto prazo, é o sequestro”, disse ela, lembrando que os materiais criados pelo GPM3 não só são capazes de reduzir emissões futuras, capturando o carbono na fonte, mas também removendo o que já foi lançado na atmosfera. “Dá para retirar CO2 do ar em grande escala”, disse. “É possível fazer grandes filtros e instalá-los nas casas, nas indústrias, dá para fazer uma grande quantidade de dispositivos. Depois de capturado, se pode recuperar o CO2 adsorvido e injetá-lo em depósitos geológicos, ou usá-lo como matéria-prima, como está previsto na segunda frase do projeto”. 

“Adsorção”, explica Heloise, neste contexto, é uma forma de ligação mais fraca que a absorção: “Quando um gás, uma substância é absorvida, ela se torna parte do absorvente. Adsorver, neste projeto, significa ligar muito fracamente”.

De acordo com a pesquisadora, os materiais desenvolvidos pelo grupo podem ser customizados para outros clientes, além da Petrobras, como geradoras de eletricidade ou mesmo produtores de etanol. “Quem produz etanol da fermentação de cana-de-açúcar também produz uma enorme quantidade de CO2, que, além de tudo, está úmido; não são todos os adsorventes que podem capturar CO2 em presença de umidade. Esses adsorventes podem ser modificados para fazer isso, logo, e colocar em uso rapidamente”.  Os materiais podem ser produzidos em escala comercial sem grandes dificuldades, afirmou.

O trabalho do GPM3 com materiais capazes de capturar carbono já deu origem a duas dissertações de mestrado: a de Hipassia Moura, sobre a magadiita modificada, e a de Rômulo Vieira, que trata da associação da polietilamina – uma substância que captura carbono – a silicatos, além do doutorado de Karine Oliveira Moura, que trata da associação de outras aminas ao talco, um tipo diferente de argila. Também faz parte do grupo que trabalha com captura de carbono a pesquisadora Erica Munsignatti, responsável por sistemas complexos de captura de CO2.