Edição nº 584

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 25 de novembro de 2013 a 01 de dezembro de 2013 – ANO 2013 – Nº 584

Estudo identifica cratera de origem meteorítica em TO

Estrutura tem 13 km de diâmetro e foi criada pelo impacto de um bólido que teria 1,4 km de diâmetro e viajava a 12 km/s

A cratera denominada Serra da Cangalha, com aproximadamente 13 quilômetros de diâmetro, situada no município de Campos Lindos (TO), foi criada pelo impacto de um meteorito, ocorrido há centenas de milhões de anos. A conclusão é da tese de doutorado do geólogo Marcos Alberto Rodrigues Vasconcelos, defendida em 2012 no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, sob a orientação do professor Alvaro Penteado Crósta. A pesquisa, que utilizou pela primeira vez no Brasil modelagem matemática para a identificação desse tipo de estrutura, recebeu o Prêmio Capes de Tese 2013, na área de Geociências. O autor do trabalho contou com bolsa fornecida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Em sua tese, Vasconcelos analisou outras três estruturas circulares também localizadas na Bacia Sedimentar do Parnaíba: Riachão, Santa Marta e São Miguel do Tapuio. Destas, a primeira foi também comprovada como de origem meteorítica no mestrado de outra orientanda do professor Crósta, Mariana Maziviero. Quanto à segunda, o grupo comprovou recentemente sua origem por impacto, como parte dos estudos de pós-doutorado de Vasconcelos, iniciado no ano passado. Já a terceira, indica o trabalho, não apresenta atributos compatíveis com os de uma cratera aberta pela queda de meteorito.

De acordo com o professor Crósta, a iniciativa de investigar a origem dessas estruturas circulares decorre do trabalho do seu grupo de pesquisa, que trabalha com a identificação e o estudo de crateras meteoríticas. O docente explica que duas delas [Serra da Cangalha, no Tocantins, e Riachão, no Maranhão, separadas por somente 45 quilômetros] haviam sido estudas na década de 1980 pelo pesquisador norte-americano John McHone, mas ele não chegou a estabelecer evidências conclusivas quanto ao processo que as formou. Inicialmente, Vasconcelos trabalharia apenas com ambas, mas posteriormente incluiu Santa Marta, no Piauí, na pesquisa. Esta última nunca havia sido analisada no sentido de elucidar sua origem.

A etapa inicial da pesquisa, conforme Vasconcelos, compreendeu o levantamento de dados geofísicos, coletados por avião. O objetivo do procedimento foi analisar a assinatura geofísica das crateras para compará-la com a de outras estruturas de impacto. “Nós conseguimos caracterizar essas assinaturas e as comparamos com as de outras crateras existentes em vários outros países, para apurar indícios da origem. Esse trabalho rendeu um primeiro artigo, que publicamos na forma de capítulo de livro editado pela Geological Society of America. A partir daí, partimos para a coleta de outros dados. Fomos a campo para obter informações geofísicas, como o campo de gravidade local. Além disso, analisamos as assinaturas de forma mais detalhada, especificamente as das Serra da Cangalha e Riachão”, pormenoriza o autor da tese.

Um dos procedimentos adotados pelo autor da tese foi o que os técnicos classificam de busca por feições diagnósticas que possam comprovar a origem da cratera. Dito de maneira simplificada, o que o geólogo fez foi procurar inicialmente rochas que teriam sido deformadas pelo impacto de um meteorito. Estas, por terem sido submetidas a condições de altíssima pressão e temperatura, deformam-se seguindo um determinado padrão [apresentam, por exemplo, fraturas com formas cônicas]. “Nenhum processo tectônico é capaz de provocar esse tipo de estrutura. Nós demos sorte de encontrar essas feições logo na primeira visita de campo em Serra da Cangalha”, esclarece Vasconcelos.

Outro tipo de feição investigada pelo pesquisador, e que ajuda a entender como a cratera foi formada, refere-se à ocorrência de um tipo de rocha. “Com o impacto de um meteorito, as rochas são jogadas para cima, e ao retornarem à superfície se misturam e formam uma nova rocha. Nós conseguimos identificar esse material, denominado de brechas de impacto”, diz Vasconcelos. Depois de cruzar e analisar toda essa massa de dados, ele utilizou pela primeira vez no Brasil o recursos da modelagem matemática para mensurar parâmetros físicos da estrutura meteorítica. O objetivo, nesse caso, foi simular algumas variáveis que teriam ocorrido no momento do impacto do bólido com o solo terrestre. “Para usar a ferramenta, o Marcos Vasconcelos teve que cumprir um período de estágio na Alemanha, no Museu de História Natural de Berlim, e também contar com a colaboração de pesquisadores do Imperial College, de Londres”, informa o professor Crósta.

De acordo com os cálculos feitos pelo autor da tese com base nas evidências levantadas, o meteorito que atingiu a Serra da Cangalha tinha 1,4 km de diâmetro e viajava a uma velocidade de 12 km por segundo. O professor Crósta observa que não foi possível estimar a data aproximada do impacto porque faltavam elementos para isso. “Para fazer a datação, nós precisaríamos coletar rochas que foram derretidas pela pressão e calor do impacto. Como a cratera se encontra bastante erodida, esse material, que possivelmente estava na superfície, deve ter se perdido há milhões de anos”, cogita.

Avanço do conhecimento


Para o orientador da pesquisa, a identificação de crateras meteoríticas é importante porque contribui para o avanço do conhecimento acerca da evolução da superfície do planeta, em particular no que se refere à parte que hoje é o território brasileiro. O professor Crósta lembra que o conhecimento geológico tem passado por revoluções ao longo do tempo. Uma delas ocorreu em meados do século passado, com o advento da teoria da tectônica de placas. Até então, os cientistas não faziam ideia de que os continentes estavam em constante movimento.

Outra revolução teve início nos anos 1970 e se consolidou nos anos 1990. Esta tem relação com a ideia de que os planetas podem ter a sua evolução influenciada pelo intenso bombardeio que sofrem de corpos celestes. No caso da Terra, essa influência teria sido radical no passado remoto. Exemplo disso foi o impacto de um grande meteorito ocorrido há 65 milhões de anos na Península de Yucatán, no México, que gerou uma cratera com cerca de 180 km de diâmetro. Esse evento teria sido o responsável pela extinção de 65% da vida na Terra, incluídos os dinossauros.

Tamanha extinção não foi ocasionada diretamente pelo impacto do meteoro, como explica o professor Crósta, mas pelas consequências dele. “Depois do choque, foi gerada uma densa nuvem de CO2 [dióxido de carbono], que é um gás causador de efeito estufa e que tomou conta da atmosfera terrestre. Isso provavelmente provocou um quadro de aquecimento global intenso, gerando, entre outros efeitos, a quebra das cadeias alimentares e o consequente desaparecimento de diversas espécies animais e vegetais”, pormenoriza. A partir daí, diz o docente do IG, que também responde pela Coordenadoria Geral da Unicamp, novos paradigmas foram estabelecidos para explicar a evolução da superfície do nosso planeta e passou-se a buscar evidência de eventos semelhantes no mundo inteiro.

Existem regiões da Terra nas quais as crateras de impacto foram amplamente investigadas. Os resultados dessas pesquisas têm servido, mais recentemente, para analisar a evolução de muitos outros corpos planetários, propiciando um grande salto nas ciências planetárias. No Brasil, porém, as crateras ainda são pouco conhecidas. “Ainda carecemos de estudos que possam relacionar estruturas geológicas a processos de impacto meteorítico”, pontua o professor Crósta.  De acordo com ele, é possível que existam muitas crateras de impactos no Brasil que ainda são desconhecidas.

Por hipótese, elas podem estar camufladas por coberturas vegetais ou mesmo sob a superfície terrestre. “O trabalho do Marcos Vasconcelos também é importante por isso, pois os métodos geofísicos empregados por ele permitem que olhemos também abaixo da superfície, buscando crateras que foram soterradas por processos de sedimentação posteriores”, diz o orientador do trabalho. Segundo ele, o Prêmio Capes de Teses obtido pela pesquisa é o resultado tanto das conclusões do trabalho quanto da introdução de novas metodologias para a identificação das crateras de impacto meteorítico.

A cratera da Serra da Cangalha, como dito, tem aproximadamente 13 quilômetros de diâmetro. Na opinião tanto do professor Crósta quanto de Vasconcelos, ela provavelmente é, entre as estruturas desse tipo, a mais bonita do Brasil. Apesar do processo erosivo, a cratera apresenta, em seu interior, uma serra em forma de coroa com cerca de 3 quilômetros de diâmetro, com paredes com até 300 metros de altura. “Ou seja, a cratera é constituída por dois círculos concêntricos de montanhas, que ainda estão muito bem delineados apesar da erosão. Há interesse do governo do Tocantins em criar um parque estadual no local, mas não tenho detalhes de como anda essa iniciativa. Nós chegamos a nos reunir com as autoridades locais para discutir sobre essa possibilidade, que nos parece viável, pois a região é muito bonita. Entretanto, há limitações. Embora a cratera não seja de difícil acesso, ela está localizada em uma área remota do estado do Tocantins”, informa o professor Crósta.

 

Publicação

Tese: “Estudo geofísico de quatro prováveis estruturas de impacto localizadas na Bacia do Parnaíba e detalhamento geológico/geofísico da estrutura da Serra da Cangalha/TO”
Autor: Marcos Vasconcelos
Orientador: Alvaro Crósta
Unidade: Instituto de Geociências (IG)
Financiamento: Fapesp