Edição nº 577

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de setembro de 2013 a 06 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 577

Pesquisa analisa ação de compostos bioativos do café

Tese correlaciona propriedades com capacidade de desativar espécies reativas do organismo

Para usufruir os benefícios da bebida de café, os nutricionistas recomendam, para as pessoas saudáveis, a ingestão de três xícaras diárias, em intervalos superiores a uma hora, observado o limite das 17 horas para pessoas com problemas de sono. A orientação, que resvala para uma prescrição médica, deve incomodar as pessoas movidas a café, que apreciam seu efeito estimulante, aroma e sabor e o têm como fonte de prazer e não medicação, apesar de sua reconhecida atuação sobre oxidantes relacionados a um significativo número de doenças humanas entre as quais as neurodegenerativas, diabetes, cânceres e cirrose hepática.

De outra forma, os que não apreciam a bebida podem aventar seus efeitos nocivos, quando consumida em excesso, como taquicardia, agravamento de lesões do aparelho digestivo e piora dos sintomas das doenças intestinais, a dificuldade de dormir, além do escurecimento dos dentes. Restam os que evitam a bebida por questões de saúde e os indiferentes a ela, que a tomam apenas movidos por suas propriedades funcionais. Uma pena.

Espécies reativas de oxigênio e nitrogênio – em que os centros ativos estão nesses elementos – constituem oxidantes produzidos naturalmente pelo organismo humano, que possui mecanismos naturais para combatê-los. O problema surge quando essas espécies reativas – erroneamente denominadas de radicais livres, porque podem estar ou na forma de radicais ou de moléculas – são produzidas em excesso. Isso leva ao estresse oxidativo e nitrosativo, resultante do desequilíbrio entre a capacidade da defesa antioxidante das células e a geração de espécies reativas de oxigênio (ERO) e de nitrogênio (ERN).

Esta ocorrência pode causar alterações na estrutura de importantes componentes celulares como lipídios, proteínas e DNA, determinando o desencadeamento de algumas das doenças acima mencionadas, como também o processo de envelhecimento. Nestes casos, está na literatura, os antioxidantes consumidos na dieta são importantes na manutenção do equilíbrio das ERO e ERN, particularmente durante o estresse oxidativo e nitrosativo, pois é conhecida a correlação entre o consumo de alimentos ricos em antioxidantes e a diminuição do risco do desenvolvimento de algumas doenças crônico-degenerativas.

Além de frutas e vegetais, as bebidas preparadas a partir de plantas contribuem para o aumento do consumo de antioxidantes. Dentre elas, o café é uma das mais consumidas e apreciadas no mundo, tanto pelas características sensoriais quanto pela atividade estimulante. Sabe-se que o café é rico em compostos de reconhecida capacidade antioxidante, denominados de compostos bioativos por apresentarem propriedades biológicas benéficas. Comparadas com as pessoas que não consomem café, os seus consumidores habituais têm nele a principal fonte de ácidos clorogênicos, considerados os compostos bioativos por excelência e a principal classe de compostos fenólicos nele presentes.

 

Motivações

Vários estudos epidemiológicos mostram que o consumo da bebida de café em diferentes países está inversamente relacionado ao número de óbitos e ao desenvolvimento de uma série de doenças humanas. O Brasil é o maior produtor e exportador de café, responsável por 30% da produção mundial e consumo de 14% dela. O café é uma das bebidas mais consumidas no mundo, sendo os EUA o maior em número de sacas, seguido de Brasil, Alemanha, Japão e Itália. Mas, comparados com eles, o consumo per capita é o dobro em países do Norte europeu, como Finlândia, Noruega e Dinamarca, além de Luxemburgo.

Estudos dão conta também da grande variabilidade no conteúdo de compostos bioativos em diferentes espécies de café e até em variedades da mesma espécie. Essa constatação assume importância particular em relação ao Brasil que detém uma das mais representativas coleções de Coffea, contendo 16 das principais espécies desse gênero e também diferentes variedades das espécies C. arabica, C. canephora e C. liberica. Apesar desses aspectos favoráveis, são poucos os trabalhos brasileiros que avaliam a capacidade antioxidante do café frente às espécies reativas produzidas pelo organismo humano. A maioria dos estudos se concentra em radicais livres sinteticamente obtidos. Esse quadro justifica o desenvolvimento no país de pesquisas que visem a encontrar grãos de café cru que contenham as maiores concentrações de compostos bioativos e também uma elevada capacidade antioxidante.

Esse panorama motivou Naira Poerner Rodrigues a realizar pesquisas que permitiram avaliar o perfil qualitativo e quantitativo de compostos bioativos e a capacidade antioxidante de 14 bebidas de café preparadas com café torrado e moído e com café solúvel, comerciais, e também de sementes de café cru de 12 diferentes genótipos frente às principais ERO e ERN de relevância biológica.

“No trabalho tivemos o objetivo de avaliar a ação dos antioxidantes presentes no café sobre as espécies reativas realmente produzidas pelo organismo, por meio de análises in vitro, mas reproduzindo de maneira a mais aproximada possível as condições que se verificam no organismo”, explica a pesquisadora. Ela considera diferencial do trabalho, que o torna inédito, a avaliação quantitativa da ação de cada composto bioativo presente no café em relação a cada ERO e ERN produzida pelo organismo. Essa determinação conjunta de todas as possibilidades de ação dos compostos bioativos sobre as espécies reativas de oxigênio e nitrogênio realmente presentes no organismo torna o processo analítico mais caro e trabalhoso. A metodologia supera várias limitações impostas pelas convencionalmente adotadas. O estudo abre caminho inclusive para futuras pesquisas in vivo relacionadas à ação sobre espécies reativas associadas a doenças específicas.

Do trabalho, orientado pela professora Neura Bragagnolo, do Departamento de Ciências de Alimentos, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA), resultaram a tese de doutorado e três artigos.

 

Bebidas de café

A professora Neura destaca que um dos objetivos do trabalho foi analisar o café disponível no mercado de São Paulo para determinar como os compostos bioativos dessas bebidas se comportam frente a espécies reativas comumente produzidas pelo organismo humano.

Se qualitativamente a presença de compostos bioativos se revelou similar nessas várias bebidas, por outro lado, foram encontradas diferenças quantitativas desses compostos entre as bebidas de café torrado e moído e de café solúvel, e entre as de café regular e descafeinado. Apesar delas, todas as bebidas de café estudadas podem ser consideradas fonte de ácidos clorogênicos e de seus derivados e da vitamina niacina. Estima-se que uma xícara de 50 ml de café torrado e moído regular contribui com 5% da ingestão diária recomendável dessa vitamina do complexo B.

As bebidas de café mostraram ser potentes desativadoras in vitro de todas as ERO e ERN, ação que está relacionada ao seu conteúdo de ácidos clorogênicos e de compostos formados durante o processo de torra. A autora considera que o conhecimento do perfil completo da capacidade antioxidante poderá adquirir maior efetividade na interpretação de estudos que buscam correlacionar as propriedades antioxidantes in vitro e a diminuição do risco de doenças crônico-degenerativas associadas ao estresse oxidativo. Para ela, “os resultados reforçam a hipótese de que a capacidade antioxidante frente as ERO e ERN é um dos mecanismos que pode explicar a associação entre o consumo de bebidas de café e a redução do risco de desenvolvimento de algumas doenças crônico-degenerativas”.

 

Diferentes genótipos

Os estudos também se estenderam sobre grãos de café cru de diversas espécies com o objetivo de: avaliar o potencial de cafeeiros de diferentes origens, passíveis de exploração industrial, como fonte de compostos antioxidantes; levantar informações que possibilitem possíveis cruzamentos para o melhoramento genético; buscar emprego alternativo para os grãos como suplemento; e oferecer alternativas para o mercado de café solúvel que nos últimos anos tem procurado misturar café cru ao torrado com o objetivo de aumentar os teores de ácidos clorogênicos.

Nesta etapa o trabalho contou com a colaboração da pesquisadora Terezinha J. G. Salva do Instituto Agronômico (IAC), de Campinas. A coleção do Banco de Germoplasma de Café do IAC é uma das mais representativas do gênero Coffea conservada ex sito. A disponibilidade desses bancos é importante por incluir as formas selvagens que podem ter características agronômicas extremamente vantajosas, como resistência e tolerância a doenças, nematoides, insetos, seca, geada e outros fatores bióticos e abióticos. “Queríamos saber como essas espécies de café, que vêm sendo estudadas há longos anos, se comportavam em relação aos compostos bioativos e à capacidade antioxidante frente as ERO e ERN”, diz a professora.

O perfil qualitativo de compostos bioativos foi similar entre os genótipos de café, mas foram encontradas variações entre eles nos teores de vários compostos e na capacidade de desativar todas as ERO e ERN avaliadas no estudo. Naira concluiu que o genótipo é uma característica determinante nos teores dos compostos bioativos presentes nas sementes de café cru e a eficiência dos diferentes genótipos de café de desativarem as ERO e ERN é influenciada principalmente pelo conteúdo de ácidos clorogênicos. Mas ela destaca o ineditismo: “Não há trabalho na literatura que tenha avaliado a capacidade de bebidas de café ou de sementes de café cru de desativarem as principais ERO e ERN de relevância biológica, correlacionando esta capacidade com a composição de compostos bioativos. Trata-se também do primeiro relato sobre a determinação completa de ácidos clorogênicos, de seus isômeros e de outros compostos importantes presentes em algumas das espécies de café analisadas”.

 

 

Publicação

Tese: “Café: compostos bioativos e capacidade desativadora de espécies reativas de oxigênio e de nitrogênio in vitro”
Autora: Naira Poerner Rodrigues
Orientadora: Neura Bragagnolo
Unidade: Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA)