Edição nº 577

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 30 de setembro de 2013 a 06 de outubro de 2013 – ANO 2013 – Nº 577

Casé, um gênio desconhecido


Há quem acredite que o acaso e a ciência podem convergir em determinados momentos. A origem da dissertação de mestrado da musicista Maria Beraldo Bastos, defendida recentemente no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, parece corroborar com esse entendimento. Ao pegar carona com um amigo, ela ouviu pela primeira vez, no som do carro, uma música gravada pelo saxofonista e clarinetista José Ferreira Godinho Filho, o Casé. Impressionada principalmente com os improvisos feitos por ele, tratou logo de buscar mais informações sobre a carreira e a vida do músico. Ficou tão impressionada com o que ouviu e descobriu que resolveu transformar a curiosidade inicial em seu projeto de pesquisa acadêmica, que recebeu orientação do professor Fernando Hashimoto e coorientação do professor Rafael dos Santos.

De acordo com Maria, embora tenha tocado com alguns dos principais artistas dos anos 50 e 60 e tenha amealhado a admiração de incontáveis músicos da sua época, Casé segue praticamente desconhecido pelo grande público e até mesmo por colegas de profissão, principalmente os mais jovens. Isso pode estar relacionado ao fato de o músico ter tido uma personalidade retraída e por nunca ter dado muita importância à fama. Todavia, como esclarece Maria, são suposições aventadas por algumas pessoas que conheceram Casé para explicar essa falta de notoriedade.

A discografia do Casé, conforme a pesquisadora, é bem pequena. “Ele gravou poucos discos solos. O único trabalho que leva o nome dele é o ‘Samba irresistível’. Casé até gravou outros discos como solista, mas nenhum outro levou o seu nome”, detalha Maria. Para descortinar o trabalho do saxofonista e clarinetista, a musicista recorreu a entrevistas com músicos que conheceram ou tocaram com ele, como Nailor Proveta e Magno D’Alcântara.

Maria também entrevistou o jornalista Fernando Lichti Barros, autor da biografia do músico, intitulada “Casé, como toca este rapaz!”, lançada em 2010. Na obra, Barros conta detalhes da vida de Casé, desde a infância em Guaxupé (MG), onde aprendeu a tocar com o pai, que ganhava a vida como sapateiro e atacava de músico nas horas vagas, até a misteriosa morte do saxofonista em 1978. Casé foi encontrado morto, em situação não esclarecida, no quarto de um hotel barato localizado na Boca do Lixo, em São Paulo. Na publicação, Casé é retratado como um músico genial, que influenciou grandes nomes da música brasileira, como Paulo Moura, João Donato, Nivaldo Ornelas e Raul de Souza, entre outros, além de ter ocupado o lugar de primeiro saxofonista da Rádio Tupi, isso aos 13 anos de idade.

A parte principal da pesquisa, porém, ficou por conta da análise musical. Maria transcreveu pela primeira vez os improvisos de Casé, dando origem a diversas partituras. Com base nesse material, ela investigou de maneira pormenorizada aspectos como melodia, harmonia e articulação. “Dito de forma simplificada, eu analisei seis pontos principais que marcam os improvisos do Casé. Apurei que, no que diz respeito à forma, esses improvisos estão fundados em três parâmetros: apresentação do tema, variação do tema e improviso. Também analisei as técnicas e procedimentos de improvisação, timbre e emissão. Por último, recorri à semiótica, por meio da teoria das tópicas, para identificar as musicalidades presentes nos improvisos de Casé, que trazem elementos do choro, do samba e do jazz”, detalha a autora da dissertação.

Segundo Maria, os resultados da pesquisa apontam para uma alta proficiência técnica e um estilo original e inovador por parte de Casé, perceptíveis na emissão e timbre sonoros, nas inflexões de expressão e também na articulação. Além da dimensão analítica, o trabalho desenvolvido por Maria tem o mérito de ter reunido, de forma inédita, um rico material sobre Casé, que antes estava totalmente disperso. “Eu consegui agrupar 12 discos nos quais ele aparece tocando todas as faixas ou ainda como solista, além de outros quatro nos quais ele participou de algumas faixas. Esse material, somado às transcrições que fiz, pode ser muito útil tanto para músicos quanto para pesquisadores que queiram estudar com maior profundidade o tema da improvisação. Nos Estados Unidos, há uma tradição de livros que apresentam transcrições de improvisos. No Brasil, se existem, são muito poucos”, informa a pesquisadora.

Maria adianta que tem vontade de transformar a sua dissertação em livro de transcrições de improvisos do Casé, justamente para oferecer esse tipo de fonte aos interessados. “Eu também gostaria muito de lançar a discografia do Casé em CD, mas reconheço que esse é um projeto mais difícil de ser concretizado. Há várias questões a serem equacionadas, entre elas os direitos autorais pertencentes às gravadoras. Entretanto, penso que seria muito bom que as pessoas conhecessem o trabalho do Casé, que foi de fato um músico genial e que influenciou alguns dos grandes músicos brasileiros”, entende a pesquisadora, que contou com bolsa concedida pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Trajetória

Casé nasceu em Guaxupé, município cravado na porção Sul de Minas Gerais, no dia 26 de junho de 1932, numa família totalmente musical. Além dos pais, que tocavam instrumentos, ele teve um irmão trompetista e três outros saxofonistas. Aos 10 anos, já acompanhava o pai, tocando bateria. Dois anos depois, apresentava-se tocando saxofone e clarineta em bailes da Usina Junqueira, em Ribeirão Preto, e em espaços espalhados pelo interior de São Paulo e Capital. Também tocou em circos, salões de baile e, como seria de se esperar, até mesmo em destacados e em não tão celebrados inferninhos da metade do século passado.

Admirado pelo seu virtuosismo, Casé foi convidado para excursionar pelo Oriente Médio e Europa, aos 21 anos. Recebeu convites para se fixar em países europeus e nos Estados Unidos, mas não aceitou nenhum deles. No Brasil, tocou com o Zimbo Trio, Dick Farney, Orquestra de Sylvio Mazzucca, entre tantos outros. Seu último trabalho foi com Sargentelli, no show Oba-Oba. Casé morreu no dia 1º de dezembro de 1978, num quarto de um hotel situado na chamada Boca do Lixo, no Centro de São Paulo. As causas da morte nunca foram esclarecidas.

 

 

Publicação

Dissertação: “Samba Irresistível – Um estudo sobre o saxofonista Casé”
Autora: Maria Beraldo Bastos
Orientador: Fernando Hashimoto
Coorientador: Rafael dos Santos
Unidade: Instituto de Artes (IA)
Financiamento: Fapesp