Edição nº 571

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 19 de agosto de 2013 a 25 de agosto de 2013 – ANO 2013 – Nº 571

Qual o futuro das pilhas a combustível?

Estudo avalia potencial e expõe problemas que precisam ser superados para viabilizar produto

O mercado de pilhas a combustível revela-se em pleno crescimento, mostra-se promissor e com possibilidade de vir a fazer parte do cotidiano em futuro próximo. A expectativa é a de que nos próximos anos os principais problemas que limitam o uso dessas pilhas tenham sido superados. É o que mostra o estudo envolvendo a prospecção tecnológica, em médio prazo, sobre o uso de pilhas a combustível e seu mercado, realizado pela engenheira química Ana Beatriz Alves Borges. O trabalho, que contou com a participação de cerca de oitenta especialistas da área, de várias regiões do mundo, tanto do meio acadêmico como da indústria, utilizou a Metodologia Delphi. Os especialistas consultados receberam um questionário, através de correio eletrônico, com doze perguntas que visavam caracterizar suas experiências profissionais, campos de atuação e obter seus pareceres quanto à viabilidade da presença no mercado, dentro de 20 anos, de seis pilhas a combustíveis mais conhecidas, delineando vantagens e problemas a serem superados. Os depoimentos apontaram duas delas como mais promissoras. Os resultados da pesquisa foram confrontados com os dados divulgados pelas indústrias nos últimos cinco anos.

Para a pesquisadora, a avaliação do futuro constitui uma preocupação desde a antiguidade e a previsão de caminhos vaticinados possibilita medidas que garantam a própria sobrevivência da humanidade. Quanto à ciência e tecnologia, ela considera que a previsão do futuro constitui importante balizamento para a adoção de estratégias pelo mercado e pelos governos na definição de investimentos tecnológicos. Especificamente em relação ao tema por ela estudado, lembra que a crescente preocupação com a poluição atmosférica gerada pelo uso de combustíveis fósseis, e o seu sempre temido esgotamento, têm levado empresas e cientistas à procura de fontes alternativas de energia, preferencialmente limpas e renováveis. Uma das soluções aventadas, já há décadas, é o emprego de pilhas a combustível.

Na dissertação de mestrado apresentada ao Departamento de Engenharia de Materiais e Bioprocessos da Faculdade de Engenharia Química (FEQ), da Unicamp, orientada pelo professor Wagner dos Santos Oliveira, a pesquisadora apresenta as características das seis principais pilhas a combustível existentes no mercado, as opiniões dos especialistas respondentes sobre seus usos, particularmente em relação às duas apontadas como mais promissoras, e expõe os problemas que precisam ser superados para viabilizá-las técnica e economicamente. Como principais objetivos da prospecção tecnológica, a autora aponta a promoção das seguintes possibilidades: aprimoramento do setor de pesquisa e desenvolvimento; avaliação de novos processo ou produtos; desenvolvimento de planos e estratégias para a elaboração de novas tecnologias; programação da distribuição de recursos; maximização de ganhos e diminuição de perdas; orientação do planejamento da tecnologia; e verificação e identificação de oportunidades.


Perspectivas

Muito estudadas na segunda metade do século XX, as pilhas a combustível têm se mostrado de eficiência satisfatória e em certas circunstâncias até maior que a dos meios convencionais, quando comparadas às fontes de energia menos poluentes. Nelas a energia oriunda de reação química é transformada diretamente em energia elétrica com a utilização de eletrodos porosos. A arquitetura do sistema possibilita que a corrente elétrica contínua gerada seja transferida de um polo a outro por um circuito externo, o que permite seu aproveitamento de forma limpa e eficiente. O hidrogênio utilizado pode ser conseguido a partir de substâncias como gás natural (metano), propano, álcool metílico, entre outras, em um processo denominado reforma.

As pilhas a combustível podem ser classificadas com base em vários parâmetros tais como temperatura de operação, tipo de eletrólito utilizado, eficiência de conversão, tipo de catalizador, funcionalidade, entre outros. Cada uma delas tem suas características e oferece benefícios em determinadas situações mais específicas. Podem ser empregadas no comércio e na indústria, como a aeroespacial e automobilística, em pequenas edificações e também em telefones celulares, notebooks e pequenos veículos. As do tipo portátil encontram aplicações em equipamentos eletroeletrônicos de pequeno porte, como câmeras, MP3, celulares, aplicações militares, lanternas, etc. As estacionárias destinam-se à geração de energia elétrica em postos fixos como indústrias, prédios, hospitais, universidades, etc. As de transporte são utilizadas embarcadas para a locomoção ou aprimoramento da energia de veículos, como carros elétricos, caminhões, ônibus.

Os participantes da pesquisa acreditam que investimentos em P&D permitirão, no espaço de 10 a 20 anos, a simplificação de suas estruturas e a utilização de componentes mais econômicos nessas pilhas, em substituição aos formatos robustos e caros de hoje, de forma a torná-las utilizáveis em veículos movidos a hidrogênio, por exemplo.

Dos seis tipos mais comuns e submetidos à consulta dos especialistas pela autora do trabalho, dois foram apontados como de utilização promissora nos próximos anos. O primeiro é a chamada pilha a combustível de membrana de troca de prótons, PEMFC, “Proton Exchange membrane Fuel Cell”. Foi desenvolvida nos anos 1950 e utilizada pela Nasa nos projetos Gemini e Apollo. Opera a baixas temperaturas, utiliza metais nobres nos eletrodos e hidrogênio de alta pureza, fatores que elevam seu custo. A PEMFC já compete no mercado de pilhas estacionárias para situações que não exigem grande potência, como pequenas edificações.

O segundo tipo é a denominada pilha a combustível de óxido sólido, SOFC, “Solid Oxide Fuel Cell”. Embora sua concepção date dos anos 1930 e tenha voltado a ser estudada nos anos 1950, somente a partir de 1980 chamou novamente a atenção dos pesquisadores que avançaram no seu estudo. Atualmente é uma das pilhas a combustível em maior evidência no mercado por sua eficiência e capacidade de gerar uma grande quantidade de energia. Trata-se de uma pilha estacionária que opera a altas temperaturas, entre 800 a 1000 graus Celsius, e pode atender às necessidades, desde pequenas construções, como residências, até grandes indústrias, face às diferenças nas potências dos vários modelos disponíveis.


Prós e contras

Por apresentarem várias especificidades que superam as tecnologias convencionais de conversão de energia, Ana Beatriz acredita que as pilhas a combustível em duas décadas terão ampla gama de aplicações e usos. Ela menciona algumas características que sugerem essa expectativa. Aumento da vida útil, que hoje é de três mil a cinco mil horas, para 40 mil a 80 mil horas; autonomia, por serem capazes de operar com o fornecimento de combustível; confiabilidade, por manter a tensão ao longo do tempo; eficiência maior que a dos motores de combustão interna; redução na emissão de poluentes, por utilizarem basicamente hidrogênio e oxigênio, que se convertem em água e calor ao gerarem eletricidade; tempo de recarga menor em relação às baterias; manutenção menor e menos dispendiosa; funcionamento silencioso e tamanho e pesos adequados às potências e utilidades desejadas.

Ela ressalta, entretanto, a necessidade de que sejam superadas algumas desvantagens, como a utilização de uma tecnologia ainda bastante complexa, que demanda simplificação e redução de custos. Destaca a necessidade de utilização de eletrodos e catalisadores mais baratos e menos dispendiosos, fatores que poderão viabilizar uma produção em alta escala. Inclui nesses avanços a melhoria da estocagem de hidrogênio, simplificação da construção, aprimoramento da eficiência dos eletrodos utilizados.


Panorama

Todos os especialistas consultados pela autora defendem a necessidade do investimento em P&D para alavancar a produção dessas pilhas em escala. O catalizador empregado no processo de reforma do combustível utilizado e a produção do hidrogênio necessário ao seu funcionamento são os principais fatores que ainda as encarecem. Para eles, a grande vantagem oferecida por elas reside na eficiência de conversão, ou seja, no índice de aproveitamento da energia produzida, que pode atingir 80%. Suas tecnologias são consideradas viáveis para emprego dentro dos próximos vinte anos, mais particularmente os modelos PEMFC e SOFC. A pesquisadora ressalta, entretanto, que o emprego das pilhas a combustível não elimina totalmente a poluição, embora contribua para sua redução em relação à provocada por combustíveis fósseis, o que as leva a ser consideradas como fontes de energia limpa.

A prospecção realizada pela autora a autoriza a afirmar que as pilhas a combustível são, de maneira geral, bem aceitas no mercado. Mesmo assim, para muitos respondentes há necessidade de investimentos na divulgação dos seus benefícios para estimular a utilização. Eles consideram, entretanto, que não haverá mercando para elas enquanto não ocorrer saturação dos combustíveis fósseis, face à defasagem de custos na geração de energia desses dois meios. Somem-se a isso as necessidades de aumentar-lhes a densidade da corrente elétrica, a vida útil e simplificar o processo.

Publicação Dissertação: “Prospecção tecnológica a médio prazo sobre pilhas a combustível e seu mercado” Autora: Ana Beatriz Alves Borges Orientador: Wagner dos Santos Oliveira Unidade: Faculdade de Engenharia Química (FEQ)