Edição nº 571

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 19 de agosto de 2013 a 25 de agosto de 2013 – ANO 2013 – Nº 571

Infovia, uma alternativa contra a exclusão digital

Estudo formula propostas para garantir acesso à internet de alta velocidade a 85 milhões de brasileiros

Embora seja vital para promover a inclusão digital no Brasil, o acesso à banda larga continua inacessível para um expressivo número de brasileiros. Atualmente, perto de 45% da população do país (85 milhões de pessoas, número equivalente à população da Alemanha), que tem renda média de até dois salários mínimos por mês, não dispõe de recursos financeiros para pagar pelo serviço, situação que mantém esse contingente excluído tanto digital quanto socialmente. A constatação faz parte da dissertação de mestrado do engenheiro eletricista José Umberto Sverzut, defendida recentemente na Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. No trabalho, que teve orientação do professor Leonardo de Souza Mendes e coorientação do professor Gean Davis Breda, o autor propõe mudanças na política pública e no marco regulatório do setor, de modo a permitir que as cidades construam suas próprias redes públicas de telecomunicações, as chamadas infovias municipais (Rede Metropolitana de Acesso Aberto – RMAA).

De acordo com Sverzut, a infovia municipal tem se mostrado uma alternativa importante para democratizar o acesso ao serviço de banda larga. A iniciativa que tem servido de exemplo no país é a que foi concretizada pela Prefeitura de Pedreira, localizada a 40 quilômetros de Campinas. A infovia municipal foi idealizada pelo professor Leonardo Mendes em 1999, tendo como base os projetos Multicom 21 da FEEC e RMAA, de Berlim, na Alemanha. A concepção da infovia municipal foi realizada pela FEEC, que contribuiu nos desenvolvimentos das plataformas de rede (hardware) e de software. Na cidade, a administração pública instalou uma rede de fibra ótica interligando as repartições públicas. Por meio da intranet, os órgãos se comunicam uns com outros, via telefone ou pelo computador, sem qualquer custo.

O projeto deu tão certo que a Prefeitura decidiu instalar no que os técnicos classificam de última milha, ou seja, na ponta dos acessos físicos da rede, uma tecnologia sem fio para dar acesso gratuito a toda população à internet de banda larga. Atualmente, os moradores da cidade podem usufruir de uma velocidade de 512 kilobits por segundo, o dobro da oferecida pelo serviço mais barato do país, cuja assinatura custa R$ 29,90, valor que continua fora das possibilidades dos já mencionados 85 milhões de brasileiros. “Graças a essa iniciativa, a administração agregou vários serviços que melhoraram a qualidade do serviço social prestado à comunidade. A infovia municipal pode suportar uma gama enorme de serviços, tais como videofone, cursos a distância e pagamento online de tributos municipais, que melhoram de forma significativa a vida das pessoas”, relaciona Sverzut.

A infovia municipal de Pedreira, observa o autor da dissertação, é autossustentável. O dinheiro economizado com o aperfeiçoamento das rotinas administrativas e com as contas de telefone, por exemplo, banca o sistema. “Este é um modelo que pode tranquilamente ser levado a outras cidades brasileiras, a despeito do tamanho e da localização delas. Ocorre, porém, que para que isso seja viável é preciso promover alterações tanto na política pública quanto no marco regulatório das telecomunicações. Uma medida fundamental em termos de política pública é a criação de linhas de financiamento para que os municípios possam implantar as suas infovias”, defende.

Outro ponto fundamental, este vinculado à regulamentação, acrescenta Sverzut, é a definição de faixas de frequências exclusivas para o uso das infovias municipais, de maneira a superar as dificuldades de tráfego existentes. O autor da dissertação lembra que as faixas atuais são usadas indistintamente por todos os operadores, que adotam a última milha baseada nas tecnologias sem fio. Isso é feito inclusive pelos operadores clandestinos, que mantêm os conhecidos “gatonets”. Por causa desse “congestionamento” é que a velocidade despenca e, não raro, o serviço fica instável. A ação dos clandestinos, assinala o engenheiro eletricista, é a que mais contribui para a “poluição” do espectro.

E os “gatos” não são poucos. Conforme Sverzut, colocar uma rede clandestina de telecomunicação em operação é relativamente simples no Brasil. Basta o interessado fazer uma assinatura de serviço de banda larga com velocidade de 10 megabits por segundo, investir aproximadamente R$ 5 mil em equipamentos e distribuir o sinal para um bairro inteiro. O passo seguinte é cobrar mensalidades mais baratas que as fixadas pelas operadoras devidamente autorizadas. “Por causa dessa prática, cada vez mais comum, a frequência vai se tornando mais e mais poluída. É por isso que as infovias municipais precisam de uma faixa exclusiva para operar”, reforça o pesquisador.

Tecnicamente, assegura Sverzut, não há limitação à construção de redes públicas de telecomunicações pelos municípios. “O modelo desenvolvido pela Unicamp em parceria com Pedreira tem funcionado muito bem. Atualmente, ele tem servido também à implantação das infovias de Paulínia, Vinhedo, Itatiba, Itapira e Guará. As questões de engenharia e de tecnologia estão totalmente equacionadas. O que falta é estímulo ao projeto, que sem dúvida alguma pode contribuir para democratizar o acesso à banda larga. Esse objetivo, vale frisar, é fundamental para promover a inclusão digital e social de uma ampla faixa da população, bem como incrementar o desenvolvimento do país”, entende.

Para sustentar sua posição, o engenheiro eletricista cita um estudo internacional ao qual teve acesso durante a elaboração da sua dissertação, realizado pela Consultoria McKinsey. Segundo este trabalho, um crescimento de 10% na taxa de penetração da banda larga pode proporcionar um aumento de até 1,4% no PIB [Produto Interno Bruto] de um país. “Em outras palavras, estamos dizendo que a democratização da banda larga pode fazer com que o Brasil fique mais rico e sua população, melhor situada socialmente”. Nessa mesma linha, Sverzut observa que a própria infovia municipal pode ser geradora de empregos e riquezas em âmbito local.

O engenheiro eletricista chama a atenção para outras possibilidades propiciadas pelo modelo além das já mencionadas. De acordo com ele, o sistema permite, por exemplo, que sejam instaladas câmeras de monitoramento pela cidade, que podem ser operadas a partir de uma central conectada à infovia. “Toda a estrutura de hardware e de software necessária ao funcionamento dos diversos serviços associados ao sistema certamente exigirá recursos humanos qualificados para sua produção, instalação, manutenção e operação. É uma oportunidade de a Prefeitura criar programas para treinar a mão de obra local para ocupar esses postos de trabalho”, pontua.

Resistência

Mesmo defendendo a democratização do acesso ao serviço de banda larga e entendendo que a infovia municipal pode ser um importante passo nesse sentido, o autor da dissertação reconhece que não será fácil avançar na proposta, visto que ela contrariará os interesses das grandes empresas que atuam no setor de telecomunicação. “A definição de uma política pública de Estado é fundamental para garantir a disseminação da infovia municipal e evitar a formação de lobbies que possam inviabilizá-la”, considera Sverzut.

Ele também admite que as discussões em torno das propostas contidas em seu trabalho acadêmico ainda são incipientes no Brasil. “Entretanto, já saímos da inércia. Penso que a minha dissertação trará contribuições ao debate. Esta entrevista também ajudará a levar a questão a novos públicos. Quanto mais pessoas estiverem envolvidas com o tema, melhor. Isso fará com que a sociedade tenha mais força para negociar com os tomadores de decisão”. Questionado sobre se oferecer banda larga de graça para toda a população, inclusive àqueles que podem pagar, não seria um equívoco, Sverzut disse que o princípio tem por base a isonomia. “Todos têm o mesmo direito perante a lei e devem ser tratados como ‘iguais’”, justifica.

Concluído o mestrado, Sverzut já começa a formatar o projeto do doutorado. O objetivo do trabalho, dessa vez, será transformar cada cidadão num regulador dos serviços de telecomunicação. “Quero oferecer ferramentas para que os brasileiros possam cobrar por serviços de melhor qualidade. A ideia é que cada cidadão deste país tenha uma ferramenta capaz de aferir a qualidade dos serviços prestados e tenha seus direitos e garantias preservados e respeitados. O objetivo final é tornar a política pública na área de telecomunicações mais eficiente”, adianta o pesquisador, que também pretende escrever um livro sobre a democratização da banda larga no Brasil.

Publicação
Dissertação: “Democratização do acesso à banda larga nos municípios brasileiros: propostas de mudanças no marco regulatório para promover a inclusão digital e social da população pela construção da Infovia Municipal” Autor: José Umberto Sverzut Orientador: Leonardo de Souza Mendes Coorientador: Gean Davis Breda Unidade: Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC)