Edição nº 559

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 28 de abril de 2013 a 04 de maio de 2013 – ANO 2013 – Nº 559

A Unicamp precisa de ‘Ba’. E ele, da arte

Funcionário do setor administrativo da FCM dedica-se também à carreira de artista plástico


Na infância, o então distrito de Engenheiro Coelho, na região de Limeira (SP), não oferecia muitas opções que satisfizessem a erudição do pequeno Emilton Barbosa de Oliveira, hoje conhecido como “Ba” (de Barbosa). Uma imagem de Madonna impressa em um pequeno catálogo do Museu de Artes de São Paulo (Masp), aos 8 anos de idade, prendeu-lhe a atenção. A partir desse encontro, enquanto as roldanas dos carrinhos de rolimãs giravam velozmente e a bola rolava entre pés e cabeças de meninos e meninas na rua onde morava, em sua imaginação giravam traços recorrentes que se transformavam em belos desenhos. Mas em Campinas a história foi diferente. Ao descarregar a mudança, aos 12 anos, na década de 1970, e procurar a Escola José Vilagelin Neto, encontrou no quadro de professores o artista plástico Bernardo Caro, um dos representantes do grupo Vanguarda, que fez história em Campinas.

O contato com Bernardo Caro inspirou o jovem “Ba” a realizar o sonho de viver de arte. O artista ministrou as aulas de que ele mais gostava, nas quais recebeu noções de técnica de desenho, fotografia e gravuras. Seus ensinamentos foram determinantes na escolha feita na década de 1980, ao se inscrever no vestibular da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e também foram responsáveis pela decisão de não abrir mão da arte, ainda que a família tentasse convencê-lo de que “arte não dá dinheiro”. “Para despistá-los, me inscrevi em jornalismo, mas torcendo para ser convocado a assumir uma vaga na segunda opção, que era artes plásticas. Deu certo”, brinca “Ba”.

No curso de artes plásticas, reencontrou Caro, cujos ensinamentos mais uma vez o incentivaram a prosseguir. Teve a oportunidade de saborear de sua companhia antes que ele fosse convidado a criar o Instituto de Artes da Unicamp, universidade na qual “Ba” já trabalhava desde os 18 aos de idade, na área administrativa da Faculdade de Ciências Médicas, quando esta ainda mantinha suas instalações na Santa Casa de Campinas.

Como escriturário do Departamento de Neurologia da Universidade, já pensava em estudar arte, porém, nunca cogitou abrir mão de sua estabilidade profissional. Após quatro anos, por meio de um concurso interno, “Ba” se transferiu para a área de apoio didático. Na mudança da FCM para a Unicamp, por produzir material didático, constatou que poderia aplicar suas habilidades artísticas na produção de apostilas, ilustrações e pequenos cartazes. Paralelo às atividades administrativas, construiu uma carreira nas artes. “Não perdi a ligação com a produção em arte. Muitos de minha turma fizeram o curso e no máximo conseguiram dar aula. Acho legal, mas gosto da criação”, declara “Ba”.

No ateliê instalado em sua casa, prosseguiu pintando para divulgar seus trabalhos em espaços de exposição de arte. Foram muitas as mostras locais de que participou coletiva ou individualmente, enquanto investia num projeto pessoal de propagar a arte no ambiente da Unicamp entre pessoas que tinham nenhum ou pouco acesso.

Espaço vazio para quê? Ao rodear os olhos, “Ba” pensava em formas de transformar espaço vazio em espaço de arte em sua unidade de trabalho. E assim começaram as sugestões aos administradores dessas áreas. Sempre aceitos, os apontamentos conduziram à criação do Espaço das Artes no saguão do prédio da Administração da FCM em 2000. Hoje, o lugar transformou-se num espaço de vivência, no qual um número grande de artistas expõe seus trabalhos. Cabe a ele analisar e avaliar os trabalhos dos artistas que procuram a Coordenadoria de Relações Públicas da FCM.

Além da organização, “Ba” se envolve na montagem, na produção de banners, além de garantir toda a estrutura. A proposta é permitir que as pessoas saiam, por exemplo, de uma reunião ruim, e mudem o ângulo de visão para terminar melhor seu dia. “Sempre procuro me envolver em ações relacionadas com minha área não somente por satisfação pessoal, mas para mostrar às pessoas o quanto a arte pode ajudar a viver o dia-a-dia. Quero ajudar as pessoas a terem outros olhares sobre a vida. Elas precisam saber que os limites podem ser ultrapassados”, enfatiza o funcionário, para quem a arte torna a compreensão das coisas mais maleável.

O ambiente também propicia o encontro de funcionários para a realização de oficinas, dentro do projeto “Fazeres Espelhados”, desenvolvido durante todo o ano de 2012, com apoio do Grupo Gestor de Benefícios Sociais (GGBS). O projeto teve vários desdobramentos. Um deles, de acordo com “Ba”, deu origem a um bazar programado para a semana do Dia das Mães deste ano, organizado pelos participantes sem nenhuma gerência dos organizadores. “Meu desejo era justamente que a arte ajudasse na convivência, na vivência e a garantir qualidade de vida. Ver a repercussão do projeto é uma realização para mim”, declara. Segundo o artista, a proposta era atender a comunidade da Faculdade de Ciências Médicas, mas acabou atraindo colaboradores de outras unidades, entre eles pessoas que, mesmo afastadas por motivos de saúde, faziam questão de comparecer às oficinas.

E a mudança veio, como desejou o artista. Houve valorização do possível, pois até mesmo quem chegou ao projeto garantindo ter um desenho feio entendeu que o importante não é atingir o belo em sua concepção clássica, mas encontrar beleza no que produz, conforme “Ba”. Como exemplo, ele menciona uma enfermeira que descobriu que além de qualidade técnica de sua produção, revela uma expressão muito forte.

Hoje, entre o apoio didático e o apoio às artes, “Ba” é exemplo de que é possível transformar as coisas sem exatamente estar no lugar adequado para fazer o que gosta. “Não preciso estar no Instituto de Artes (IA) para desenvolver atividades nesta área”. Pelo contrário, não teve preconceito com nenhuma de suas áreas e uniu as duas em prol de uma comunidade. Até porque, segundo ele, a arte se move e permite desenvolver-se onde quer que seja.

Os momentos mais íntimos com a arte acontecem em seu ateliê. Hoje, sua poética de criação transformou-se, pois o contato com a arte contemporânea fez com que substituísse pincéis e tintas por câmeras, vídeos e instalações. O interesse foi despertado em 2009, durante curso de especialização em artes visuais do IA.

Arte conceitual

Dentre outros trabalhos, destaca-se um “site specific”, modalidade de arte conceitual, intitulado “vídeOcupação 1”, realizado em agosto de 2012. Este trabalho fez parte de um coletivo organizado pela artista campineira Cecília Stellini e outros artistas, intitulada “Movimentos Convergentes”. A ocupação foi feita em uma sala de aula no antigo colégio Einstein, na cidade de Limeira. O evento aconteceu em homenagem aos 15 anos da Oficina Cultural Carlos Gomes. A experiência se repetirá este ano no Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), em Salto, SP, com a mostra “Caminho Líquido”. “Filmo o meu percurso por caminhos paralelos ao Salto Grande, cachoeira que fica ao lado da faculdade, que era uma antiga fábrica. O vídeo é projetado em telas no chão. A ideia é que a pessoa caminhe por essa sala enorme com a projeção em cinco TV de LED de 42 polegadas”, detalha. Na área de arte contemporânea, em 2011, “Ba” fez também uma instalação no ateliê AT|AL 609, especializado em pesquisa em arte contemporânea. Dessa vez, a ocupação foi numa árvore em sua fachada. Atualmente, “Ba” dedica-se também à pesquisa “Arthur Bispo do Rosário, o Senhor do Labirinto e sua aproximação com objetos do cotidiano”.

Dentro da Unicamp, “Ba” também pôde beber da fonte de outra manifestação artística: a música. Participou durante muito tempo do coro da Faculdade de Ciências Médicas, uma iniciativa que nasceu do desejo de muitas pessoas da unidade, na década de 1990. Para ele, a música em empresas também ajuda a trabalhar a questão da arte. “O funcionário sai, no horário de almoço, para cantar e volta renovado”, acrescenta.

Na década de 1980, havia um movimento de canto coral intenso em Campinas ao qual Ba também se rendeu participando do Coral da PUC e do grupo Ars Viva. Mas Ba revela que a dedicação à música limitou-se à participação como coralista. “Tenho vontade de voltar a cantar, mas precisava focar meus objetivos, e já não dava conta de tantos compromissos. A música exige dedicação”, avalia. “Ba” desembarcou no bairro Jardim Proença, com a mãe e seis irmãos. Ao completar 18 anos, dedicou-se à preparação para concursos públicos. Em um deles, em 1978, seria aprovado e ocuparia um cargo administrativo pelo resto da vida, ainda que insistisse em viver de arte. Precisava da estabilidade até mesmo para investir na formação e nas produções artísticas. Mas a Unicamp precisava do “Ba” e ele, da arte. Tudo o que aconteceu depois dessa constatação está relacionado a sua trajetória na Unicamp, seja a vida, seja a arte, seja o reencontro com o mestre Bernardo Caro.

 

Comentários

Comentário: 

Parabéns Ba por ter conseguido unir a arte com o seu trabalho rotineiro, de forma tão sensivel. Você transforma em belo não somente os ambientes e trabalhos da FCM, mas também pessoas, quando as desperta para a arte em si, bem como para habilidades artisticas, as vezes escondidas. Fiquei tocada e com vontade de fazer arte.
Merecida homenagem!
Neire

Comentário: 

Bá, uma pessoa especialíssima dentro da Unicamp, mto querido e polivalente, todos o procuram pois seu trabalho sempre foi perfeito, uma pena não participar mais do coral pois sua voz dava vida ao coral da FCM, suas obras, divinas. Justa essa reportagem, embora muitos o conheçam, sua atividade deve ser divulgada. Bá , um artista completo, um funcionário querido e exemplar. Parabens ao jornal da Unicamp pela matéria!

Comentário: 

Bá, você é muito especial. Competente e profundamente criativo. Merecido registro da Unicamp.

Comentário: 

Juntando tudo o que já foi mencionado na matéria e no comentário, acrescento ainda a alegria e o bom humor que sempre esteve presente na vida dele, de tal forma que, quem estivesse ao seu lado recebia esta energia tão boa. Um grande abraço e parabéns.

Comentário: 

parabéns, Bá, que bacana o seu trabalho! V. é uma pessoa muito especial, que com a simplicidade dos sábios, vai espalhando pelo mundo sua riqueza.

Comentário: 

parabéns, Bá, que bacana o seu trabalho! V. é uma pessoa muito especial, que com a simplicidade dos sábios, vai espalhando pelo mundo sua riqueza.

Comentário: 

"Ba'' poucos possuem a sua sabedoria! "ganhar o pão com o suor do rosto" e a estética da vida com a sua própria arte! Parabéns e muito obrigada por sua sempre prestimosa atenção no Departamento de áudio visual da FCM, uma das suas criações e que você carinhosamente sabe preservar.