Edição nº 559

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Jornal da Unicamp

Baixar versão em PDF Campinas, 28 de abril de 2013 a 04 de maio de 2013 – ANO 2013 – Nº 559

Em busca do clone ideal

Pesquisadores desenvolvem mapa genético-molecular
para seringueira, com vistas ao melhoramento da planta


Pela primeira vez no mundo, pesquisadores do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp desenvolveram um mapa genético-molecular para seringueira composto inteiramente por marcadores microssatélites, que permitem conhecer as diferenças genéticas entre os indivíduos de uma mesma espécie. Por meio de uma análise genética inovadora, foi possível localizar no mapa regiões do DNA que contêm genes responsáveis pelo crescimento da seringueira no inverno (frio e seco) e verão (quente e úmido). A pesquisa, que pode trazer significativas contribuições aos programas de melhoramento da planta, gerou um artigo que acaba de ser aceito para publicação pela revista científica PLOS ONE, uma das mais destacadas do seu segmento. “O objetivo do trabalho é gerar dados que levem ao desenvolvimento de clones que cresçam bem em regiões onde o verão seja quente e úmido e o inverno, frio e seco, clima característico de São Paulo e Mato Grosso do Sul. Nessas condições, o principal inimigo da seringueira, o fungo que causa a doença conhecida como ‘mal das folhas’, não consegue se proliferar”, explica a professora Anete Pereira de Souza, diretora do CBMEG e coordenadora do estudo.

A pesquisa em torno da seringueira teve início em 2007, com o trabalho de doutorado de Lívia Moura de Souza, hoje pós-doutoranda do CBMEG. As investigações contaram, ainda, com a colaboração dos pesquisadores Dominique Garcia e Vincent Le Guen, do La Centre internationale en recherche agronomique pour le développement (CIRAD, da França); Antonio Augusto Franco Garcia e Rodrigo Gazzafi, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq-USP); Paulo Gonçalves de Souza, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC); e Saulo Cardoso, da Michelin do Brasil. No Brasil, as bolsas de estudos e o auxílio financeiro foram concedidos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Sem a colaboração dessas instituições e sem uma abordagem multidisciplinar, nós não teríamos alcançado o nosso objetivo”, afirma a professora Anete.

Segundo a docente, as seringueiras utilizadas na pesquisa foram plantadas pela Michelin, que mantém uma fazenda localizada no sul de Mato Grosso. Os indivíduos pertenciam a uma população de mapeamento, que foi desenvolvida pelos pesquisadores do CIRAD na Tailândia, a partir de dois parentais. Um deles tinha como característica a alta produtividade e o outro, a boa tolerância ao frio. Desse modo, entre as plantas resultantes do cruzamento, algumas apresentam atributos que combinam qualidades próximas às dos pais: alta produção e tolerância ao frio.

A partir de folhas de seringueira obtidas do IAC, Lívia desenvolveu novos marcadores moleculares, visto que eles apareciam em pequeno número na literatura. “Nós construímos uma biblioteca enriquecida com os microssatélites. O passo seguinte foi fazer a genotipagem da população de plantas obtidas no cruzamento, que vem a ser a identificação dos marcadores moleculares desenvolvidos ao longo do DNA da seringueira. São essas marcas que permitem que façamos associações de regiões do DNA com as características fenotípicas de interesse das plantas, como altura e diâmetro do caule”, detalha a autora da tese.

Concluído o mapa genético-molecular, os cientistas identificaram as regiões que controlam o crescimento da seringueira nos períodos quentes e frios do ano. São esses dados, conforme a professora Anete, que podem contribuir com os programas de melhoramento da planta. O objetivo é desenvolver variedades que sejam altamente produtivas e que cresçam bem tanto em condições de inverno quanto de verão. “Embora uma corrente da ciência acredite que a melhor alternativa seja a busca por variedades resistentes ao ‘mal das folhas’, outra, na qual nós nos inserimos, pensa que a saída está em desenvolver variedades que possam ser cultivadas em áreas de escape, ou seja, em regiões cujo clima seja desfavorável à proliferação do fungo causador da doença”, destaca a docente. No Brasil, prossegue a diretora do CBMEG, o Estado de São Paulo apresenta características climáticas que o recomendam como uma área de escape. Ela lembra que o fungo causador do “mal das folhas” surgiu na Amazônia praticamente junto com as seringueiras. Na floresta, o organismo não causava grandes problemas, pois as árvores ficavam separadas umas das outras por outras espécies. Assim, o fungo permanecia em equilíbrio com a natureza. Com a descoberta da importância da borracha natural, entretanto, o extrativismo deu lugar à monocultura da seringueira, modelo no qual as árvores são plantadas lado a lado, em milhares de hectares. Isso facilitou a proliferação do fitopatógeno, que dizimou inúmeras plantações no país, sobretudo na região Norte.

Embora seja uma espécie tropical, a seringueira é caducifólia. Isso significa que ela perde as folhas em um período do ano. No Brasil, isso ocorre em julho, mês no qual chove muito e faz calor na região Norte, condições que estimulam a proliferação do fungo. “Em São Paulo, as características climáticas são diferentes. Aqui, nós temos um verão quente e úmido e um inverno frio e seco. Nessas circunstâncias, o fungo não consegue se desenvolver. É por isso que consideramos que o Estado pode vir a ser uma área propícia à exploração mais intensa da heveicultura”, diz a professora Anete. De acordo com ela, há décadas que a ciência vem tentando descobrir variedades resistentes ao fitopatógeno. Ocorre, no entanto, que o fungo sofre mutações contínuas. Toda vez que um clone mais resistente é desenvolvido, em pouco tempo ele também é atacado pelo “mal das folhas”. “É justamente por isso que consideramos que temos que percorrer um caminho diferente daquele que busca somente a maior resistência da seringueira”, reforça a docente. Caso as pesquisas resultem de fato na geração de clones capazes de crescer e produzir bem em São Paulo, isso trará ganhos importantes tanto para o Estado quanto para o país, como observa a diretora do CBMEG.

A avaliação da professora Anete está baseada no fato de o Brasil, que foi o maior produtor e exportador de borracha do mundo, ser atualmente um grande importador dessa matéria-prima. Dados divulgados em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) davam conta de que o país produziu no ano anterior 142,7 mil toneladas de borracha natural, contra um consumo de 427,2 366 mil toneladas. A diferença foi comprada de outros países, contribuindo assim para ampliar o déficit da balança comercial. Dito de outro modo, o Brasil gera atualmente apenas um terço da borracha de que necessita.

O consumo de borracha natural, assinala a professora Anete, funciona como um indicador do grau de desenvolvimento de um país – quanto mais industrializado, mais borracha natural ele usa. “O desafio que nós temos é de contribuir para que o Brasil volte a ser um grande produtor dessa matéria-prima. Ainda que o país não retome a condição de exportador, é importante que ele seja pelo menos autossuficiente. Nesse contexto, haveria um estímulo à indústria, com a consequente geração de emprego e riquezas”, afirma.

O uso de recursos da genética genômica e da biotecnologia, conforme Lívia, a autora da tese, é fundamental para que esse objetivo possa ser alcançado, pois eles criam atalhos importantes ao processo de obtenção de novos clones produtivos de seringueira. “Não custa lembrar que o desenvolvimento de um clone demora cerca de 30 anos para ser concluído. Ainda estamos longe de conseguir fazer uma seleção assistida por marcadores celulares, mas já demos o primeiro passo nesse sentido”, conclui. Também participaram das pesquisas sobre a seringueira os seguintes estudantes de pós-graduação: Carla Cristina da Silva, Camila Campos Mantello e André Ricardo Conson.

Tão importante quanto contribuir para solucionar um problema brasileiro, estudos como os desenvolvidos pelo CBMEG ajudam também na formação de recursos humanos qualificados. A professora Anete faz questão de enfatizar que o mérito pelos resultados alcançados na pesquisa com a seringueira é em grande parte de seus os alunos, que têm demonstrando não somente capacidade, mas também comprometimento com o projeto. “Além de muito preparados, eles revelam um entusiasmo incrível, que me contamina também. Eu sempre desejei trabalhar com a seringueira, mas nunca tinha conseguido. O projeto somente deu certo por causa da colaboração das outras instituições, mas fundamentalmente por causa da chegada da Lívia ao grupo de pesquisa. Posteriormente, vieram também outros pós-graduandos. Eles trabalham tanto para gerar novos conhecimentos quanto para compartilhá-los com quem esteja interessado”, pontua.