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Professor de design apresenta dissertação
sobre a máquina que virou símbolo cultural no século 20

O Culto à motocicleta

MANUEL ALVES FILHO

O professor de design Fábio Pligher e sua Suzuki DR 650: novo desejo é customizar uma Honda CB 400Mais do que uma máquina ou um veículo de transporte, a motocicleta transformou-se em um forte símbolo cultural do século 20. A afirmação é do professor de design Fábio de Andrade Pligher, que acaba de defender dissertação de mestrado no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob o título: Arte, Mito e Tecnologia: A motocicleta como fenômeno cultural do Século XX. De acordo com ele, além de incorporar elementos artísticos à sua composição, que podem ser facilmente constatados em diversos modelos, notadamente os customizados, a moto ajuda a contar a história da humanidade, visto que é representativa tanto do avanço tecnológico quanto das transformações sofridas pela sociedade.

Moto marca
presença na história
e no campo das artes

Fábio apresenta a sua pesquisa como uma das primeiras no Brasil a tratar do fenômeno da motocicleta. A idéia de abraçar o tema surgiu, obviamente, da paixão do autor pelo veículo. “Sou motociclista desde a adolescência e adoro comprar motos antigas e restaurá-las”, conta. Atualmente, é o feliz proprietário de uma Suzuki DR 650, ano 94. “Mas meu desejo, agora, é comprar uma Honda CB 400 e customizá-la, conferindo-lhe um visual retrô inspirado na década de 50”, adianta. Para desenvolver o estudo, o pesquisador bebeu em diversas fontes. Além de recorrer à literatura disponível sobre o assunto, ele investigou a presença da motocicleta em diversos campos da vida humana, como cinema, publicidade, artes plásticas etc.

Marlon Brando em "O Selvagem", Peter Fonda e Denis Hopper em "Easy Rider": cinema transforma a motocicleta no veículo da juventude rebeldeO autor defende na dissertação que não existe oposição entre arte e tecnologia. Ao contrário, diz, um campo pode ser complementar ao outro. “Muitos artistas produziram suas obras harmonizando incrivelmente essas áreas do conhecimento”, justifica. Não por acaso, prossegue Fábio, inúmeras pessoas costumam se manifestar da seguinte forma diante de uma Spectacula, moto de 1.450 cilindradas que ganhou o campeonato europeu de customização e que exigiu investimentos da ordem R$ 360 mil: “Uau, isso é uma obra de arte!”.

Para entender melhor como a motocicleta alcançou o status de símbolo cultural, é conveniente resgatar a sua origem e evolução. A invenção do veículo ocorreu no final do século 19. À época, ele não foi bem recebido em razão da sua falta de conforto. Tal resistência, entretanto, foi progressivamente superada com o passar do tempo. Fábio Pligher acredita que essa mudança se deu principalmente por causa de um desejo atávico do homem. “Penso que isso tem a ver com a idéia do cavaleiro medieval, com a imagem do herói solitário”, compara. Com a chegada do século 20, considerado o “período das máquinas”, outros dados foram incorporados a essa simbologia.

Foto do encontro de motociclistas na cidade de Hollister em 1947: má fama criada com certa dose de sensacionalismo da imprensaCom o surgimento das escolas de design, praticamente tudo se tornou possível. As motos passaram a apresentar, por exemplo, elementos artísticos. Ato contínuo, assumiram a condição de objeto de desejo de um número crescente de pessoas, sobretudo os homens, que as viam como insígnias de status e de reafirmação de sua masculinidade. Essa euforia, porém, deu lugar à ressaca, em razão da Segunda Guerra Mundial. “Nessa fase, o mundo todo deu uma encaretada”, recorda o professor de design. Terminado o conflito, as motocicletas tornaram-se um ícone da rebeldia juvenil, principalmente nos Estados Unidos. Tal associação, de acordo com o autor da dissertação, não ocorreu naturalmente.

É que em 1947 houve um encontro de motociclistas na cidade de Hollister, no estado da Califórnia. Na ocasião, o evento contou com cerca de 3 mil participantes. Como era de se esperar, alguns deles se meteram em pequenas confusões e acabaram fichados na chefatura de polícia local. “Para tentar resgatar o episódio e valendo-se de uma dose de sensacionalismo, a imprensa local produziu uma fotografia em que algumas pessoas apareciam sobre motos, que por sua vez estavam rodeadas de garrafas de cerveja vazias. Pronto, isso bastou para que os norte-americanos considerassem, de forma generalizada, a moto como um sinônimo da juventude rebelde”, relata Fábio.

Pouco tempo depois, em 1954, o filme “O Selvagem”, estrelado por Marlon Brando, reforçou essa visão ao mostrar as estripulias praticadas por duas gangues de motociclistas. Na produção, Brando pilotava uma Triumph, de fabricação inglesa. Não confundir com outro longa-metragem norte-americano, “O Selvagem da Motocicleta”, este protagonizado por Mickey Rourke e dirigido por Francis Ford Copolla na década de 80. Antes deste, a moto também foi consagrada no clássico “Easy Rider” (“Sem Destino”, título em português), de 1969, que teve direção de Dennis Hopper.

Escultura chamada "Zodiac Taurus", de H.R. Giger, artista plástico que criou para o cinema o monstro AlienCustomização – Acompanhando o transcurso da história, o veículo também serviu de ícone para os beatniks e hippies, traduzindo o comportamento e a atitude de gerações que buscavam a liberdade e pregavam a paz e o amor. Atualmente, conforme Fábio Pligher, as motocicletas estão inseridas na era da customização, definida por ele como paroxísmica. Algumas empresas especializadas em transformar essas máquinas chegam a cobrar 150 mil euros por um único projeto, algo como R$ 415 mil, dinheiro suficiente para comprar 20 Fiat Uno zero quilômetro. “O mais interessante é que alguns modelos são impossíveis de serem dirigidos, simplesmente porque não têm banco ou mesmo lanternas traseiras. Ou seja, estão mais próximos de uma obra de arte do que de um meio de transporte”.

Essa tendência, considera o pesquisador, que foi orientado pelo professor Ernesto Giovanni Boccara, vai além do que propõe o segmento automobilístico com os seus carros-conceito. Estes, diz Fábio, são funcionais e antecedem os modelos que serão colocados no mercado futuramente. “No caso de algumas motos customizadas, elas só servem para ser admiradas”, reforça. Nos dias que correm, acrescenta, não há limite para a criatividade em torno do aperfeiçoamento mecânico, eletrônico e estético dessas máquinas. “No meu entender, isso tem ligação com o mundo evanescente em que vivemos. A pertinência dos conceitos está simplesmente desaparecendo”.

A Megola de 1922: a resistência ao veículo criado no final do século 19, por causa do desconforto, foi progressivamente superadaTal comportamento também tem a ver, observa o pesquisador, com o que poderia ser considerada uma “tentativa de retorno ao coração selvagem”, em referência ao livro “Perto do Coração Selvagem”, romance de estréia de Clarice Lispector, editado em 1943. Na obra, a autora conta a história da personagem Joana, que relata por meio de flashes de consciência sua vida interior, contrapondo suas experiências de menina às de adulta, mergulhando ora no passado, ora no presente, segundo suas lembranças.

Vespa e Harley – Ao reforçar a condição da motocicleta como fenômeno cultural, Fabio Pligher lembra de duas marcas importantes, que são representativas de sociedades completamente diferentes. A primeira é a Vespa, de origem italiana. A segunda é a Harley-Davidson, de fabricação norte-americana. “Ambas participaram e continuam participando do cenário de seus respectivos países. Não dá para pensar na reconstrução da Itália depois da Segunda Guerra, por exemplo, sem lembrar da Vespa. Seu inventor, que se valeu de algumas chapas de metal, de duas rodas de avião e de um motor de roçadeira, queria justamente fabricar um veículo econômico e que pudesse trafegar em meio às cidades devastadas. Ainda hoje, a Vespa é um elemento comum nas ruas italianas, servindo como meio de transporte tanto para jovens quanto para idosos” explica.

A Spectacula, moto de 1.450 cilindradas campeã de customização na Europa: arte de R$ 360 mil, feita para não se pilotarA Harley-Davidson, segundo o autor da dissertação, alcançou a categoria de ícone da sociedade norte-americana graças à identificação das pessoas com a marca. A fábrica, porém, nunca foi muito afeita a inovações. Segundo Fábio, seus modelos normalmente eram desconfortáveis e tinham problemas de dirigibilidade. “Historicamente, a Harley tem uma característica conservadora. Quem compra uma Harley está na verdade adquirindo um significado”, diz. Somente a partir da década de 90, explica, é que a montadora se preocupou em tornar suas motos mais eficientes.

Embora considere a motocicleta como a grande solução para o caótico trânsito das grandes cidades do país, o pesquisador afirma que os brasileiros ainda não aprenderam a conviver pacificamente com esse tipo de veículo. Muita gente, segundo ele, ainda receia assumir o comando de uma moto ou tem medo das loucuras que os motoqueiros, termo pejorativo aplicado àqueles que dirigem de forma irresponsável, cometem nas ruas e avenidas. “A despeito disso, ainda considero que, no futuro, a motocicleta será a grande alternativa para superar os congestionamentos. Já que a maioria dos automóveis trafega ocupada por apenas uma pessoa, esta pode muito bem trocar o carro pela moto, o que garantirá mais espaço para todos nas vias”.

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