Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 267 - de 27 de setembro a 3 de outubro de 2004
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Para medir o
desenvolvimento humano

Pesquisadores do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas elaboram o Índice DNA Brasil, que vai levar em conta as peculiaridades do país em várias áreas, além de servir de ferramenta para a formulação de políticas públicas



CLAYTON LEVY


 Pedro Luiz Barros Silva: "O DNA Brasil não é sintético e incorpora sete dimensões que somam vinte e quatro indicadores" (Fotos: Antoninho Perri)Medir o nível de desenvolvimento econômico e social do Brasil nunca foi tarefa fácil. A extensão territorial, a complexidade cultural e as diferenças regionais sempre dificultaram o trabalho. O próprio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), criado pelas Nações Unidas e amplamente utilizado como principal instrumento de medida em vários países, é visto com reservas pelos especialistas. Limitando sua abordagem a apenas três variáveis (educação, longevidade e PIB per capita), o IDH, segundo os estudiosos, sempre se limitou a uma avaliação sintética do desenvolvimento do país. Além disso, sua utilização indiscriminada fez com que o IDH se transformasse, o ponto de vista da opinião pública, num mero instrumento de classificação dos países e não uma medida de orientação de políticas públicas.

Pensando em preencher essa lacuna, o Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP), centro de pesquisa pioneiro na Unicamp no trabalho coletivo e multidisciplinar, já vinha há algum tempo alimentando a intenção de elaborar um novo índice, mais abrangente e completo, e que levasse em conta um maior número de dimensões estratégicas da vida brasileira. A idéia, que antes era apenas uma cogitação, acaba de se tornar realidade através de uma parceria com o Instituto DNA Brasil. No último dia 18, em Campos do Jordão, as duas entidades lançaram o Índice DNA Brasil que, pela primeira vez, procura fazer um retrato de corpo inteiro do Brasil.

“Nossa reflexão sobre o desenvolvimento brasileiro indicou a necessidade de se criarJosé Norberto Walter Dachs: "O que pretendemos não é bem um índice mas uma coisa mais ampla, um sistema de indicadores" um instrumento de medida que, além de incorporar outras dimensões da vida econômica, cultural e da sociabilidade em nosso país, permita contemplá-las individualmente e em conjunto, sem combiná-las em um indicador sintético”, diz o cientista político e coordenador do NEPP, Pedro Luiz Barros Silva. Além disso, segundo o sociólogo Geraldo Di Giovanni, o estatístico Norberto Dachs e o economista Geraldo Biasoto Jr, que também participaram da concepção inicial e elaboração do índice, o instrumento pode e deve contribuir para o planejamento de políticas públicas mais integradas e efetivas, bem como para sua avaliação.

O índice elaborado pelo NEEP, cuja realização contou com colaboração de pesquisadores do Instituto de Economia e do Núcleo de Estudos de População (Nepo), apresenta várias diferenças em relação aos demais. A primeira delas refere-se à abrangência. O trabalho traz indicadores de sete dimensões: bem-estar econômico; competitividade econômica; condições sócio-ambientais; educação; saúde; proteção social básica; e coesão social. “É uma cesta de indicadores que reúne não apenas as medições convencionais de riqueza e pobreza de um povo, mas também dimensões ligadas à sua qualidade de vida e condições de competitividade de sua economia”, explica Barros Silva. A intenção, segundo ele, é que o índice tenha periodicidade anual.
Biasoto Jr.: "É impossível desenhar uma estratégia de desenvolvimento econômico sem compreender a complexidade social"

Na dimensão bem-estar econômico, por exemplo, os indicadores não se limitam à renda per capita e sua distribuição inter-regional. Vais mais além, incluindo outros três itens: relação entre as remunerações médias das mulheres e dos homens; relação entre as remunerações médias de negros e brancos; e taxa de ocupação formal. Outra novidade significativa é a inclusão de indicadores sobre justiça tributária, relacionados na dimensão coesão social. Os números mostram que a carga tributária sobre bens e serviços é três vezes maior do que aquela que incide sobre renda, lucros e patrimônio.

A variável educacional, por sua vez, não parte dos indicadores mais tradicionais de acesso ao ensino fundamental, mas de indicadores de eficiência e qualidade do ensino médio. Foram selecionados indicadores de escolarização no ensino médio; concluintes do ensino médio na idade esperada e desempenho do aluno no Programa Internacional de Avaliação do Estudante (PISA), especificamente para a língua portuguesa. “O ensino médio é o grande gargalo de hoje e esses indicadores podem ajudar a avaliar o sistema educacional como um todo”, diz Barros Silva.

Na dimensão competitividade econômica, os indicadores incluem não apenas a participação do país nas exportações mundiais, mas também a participação dos produtos de média e alta intensidade tecnológica na pauta de exportações brasileira. Os indicadores agregados sob a dimensão saúde trazem dados sobre anos potencias de vida perdidos (APVP); mortalidade infantil; e coeficientes de mortalidade por acidentes cardiovasculares e acidentes vasculares cerebrais. As condições sócio-ambientais são medidas tanto pela existência de instalações adequadas de esgoto sanitário quanto por indicadores de seu tratamento, além do indicador de destino ambientalmente correto do lixo urbano.

O novo índice, segundo seus idealizadores, é um produto das indagações internas do NEPP sobre a eficiência dos índices sintéticos para realidades tão complexas como a brasileira. “É também uma ferramenta que se propõe a colaborar para a avaliação permanente de políticas públicas no âmbito do estado e não apenas dos governos”.


Quando a heterogeneidade
baliza ações específicas

Ao conceber o Índice DNA Brasil os pesquisadores do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) tinham em mente mais do que apresentar um apanhado de indicadores. Segundo eles, a idéia de níveis de desenvolvimento não significa somente um certo estágio a ser medido e comparado com outros países. Para os coordenadores do trabalho, a heterogeneidade da sociedade brasileira exige políticas públicas específicas e eficientes. Balizar a formulação dessas ações é uma das contribuições propostas pelo projeto. Para detalhar essa proposta, o Jornal da Unicamp ouviu três integrantes do NEPP: o cientista político e coordenador do Núcleo, Pedro Luiz Barros Silva; o especialista em estatística, José Norberto Walter Dachs; e o economista Geraldo Biasoto Júnior.

Jornal da Unicamp – Por que um novo índice para medir o desenvolvimento social e econômico do Brasil?

Pedro Luiz Barros Silva – Porque em minha opinião, os que estão aí não conseguem fazer isso de maneira adequada.

José Norberto Walter Dachs – Essa inadequação ocorre principalmente porque os índices disponíveis não permitem pensar políticas públicas. Pensar em melhorar políticas públicas em cima do IDH não é possível porque ele é muito limitado.

Geraldo Biasoto Junior – A idéia do IDH é boa mas tem problemas. É preciso saber o que se pretende de um índice como esse. Medir só uma realidade, usá-lo como instrumento de desenvolvimento, medir as políticas públicas ou a gestão das políticas públicas? O índice do NEEP é um instrumento de longo prazo, visando colocar uma meta em perspectiva e estruturar ações para alcançá-la.


JU – Quais as principais diferenças entre o DNA-Brasil e o IDH?

Pedro Luiz – O DNA Brasil não é sintético e incorpora sete dimensões que somam vinte e quatro indicadores. Isso dá uma riqueza de análise maior que a proporcionada pelo IDH.

José Norberto – Outra facilidade importante é que se eventualmente faltaram alguns indicadores eles podem ser incorporados ao levantamento. Na verdade o que pretendemos não é bem um índice mas uma coisa mais ampla, como um sistema de indicadores.

Geraldo Biasoto – O indicador do NEEP está querendo dar uma dimensão de qualidade de vida, sociabilidade, cultura, cuidados ambientais, sem criar um número de difícil interpretação. Certamente não estamos esgotando o assunto.

JU – Há dificuldades para elaboração de índices confiáveis no Brasil?

Pedro Luiz – Acredito que não. Já dispomos de um volume importante de informações. O esforço que estamos fazendo deverá valorizar ainda mais o trabalho das instituições que levantam esses dados, como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados). O trabalho indicará para quem faz a pesquisa primária por onde é possível aperfeiçoar.

José Norberto – Não há propriamente um impedimento, mas às vezes o processo fica mais difícil. O caso dos índices de mortalidade infantil é um exemplo típico. Há evidência de sub-registro e da qualidade da certificação. Mas é possível corrigir, desde que haja investimentos no processo de construção e análise dos índices.

Geraldo Biasoto – De fato há um esforço expressivo nessa área no Brasil. O grande problema é a heterogeneidade. As diferenças regionais complicam muito a análise. Os dados globais do Brasil são confiáveis, mas quando se desagrega o indicador para aspectos regionais, as dificuldades aparecem. O único jeito de melhorar a qualidade das estatísticas é revelando os problemas que elas ainda apresentam. O uso da estatística como instrumento para políticas públicas exigirá mais recursos nessa área. Se melhorarmos a qualidade dos indicadores, também melhoraremos o direcionamento das políticas.

JU – Em que medida o Índice DNA poderá facilitar o desenvolvimento de políticas públicas?

Pedro Luiz – Quando se tem um bom diagnóstico também é possível contar com um bom sistema de monitoramento e avaliação. Tanto avaliação de processo como de impacto. O Brasil tem de fazer esse trabalho de maneira integrada. É preciso um esforço a fim de constituir um sistema nacional de avaliação, o que já existe em vários outros países da América Latina. Acho que um indicador como esse que está sendo apresentado deverá chamar atenção para esse aspecto. Isso favorece a discussão sobre as políticas necessárias para conduzir o país no rumo do desenvolvimento.

Geraldo Biasoto – O conjunto das políticas públicas brasileiras hoje tem baixo nível de diagnóstico. Em geral são implantadas idéias que não estão bem ancoradas na realidade. Por exemplo, a questão da fome. Nosso grande problema não é a fome e sim de ordem nutricional e educação alimentar. Claro que devemos ter um programa emergencial para combater a fome. Mas se fosse feito um diagnóstico correto, se perceberia que o problema está muito mais no âmbito nutricional.

José Norberto – Concordo com tudo isso, mas há um ponto adicional. Esse tipo de trabalho impede o ambiente de falso ufanismo no sentido de que, ou somos os melhores do mundo nisso ou naquilo, ou somos os piores nisso ou naquilo. O projeto traz a discussão ao nível da realidade no que está acontecendo nas sete dimensões que foram examinadas.

JU – O Brasil visto pelo Índice DNA é muito diferente do Brasil visto pelo IDH?

Pedro Luiz – Acho que os dois sistemas olham o Brasil sob ângulos diferentes. O IDH fez um esforço para olhar o Brasil, mas o fato é que vivemos numa realidade tão dinâmica, multifacetada e heterogênea do ponto de vista socioeconômico, que esse esforço não foi suficiente. Ao fazer esta cesta de indicadores estamos tentando mostrar que há outros filtros igualmente importantes para olhar a realidade. Mais do que isso, mostrar as condições necessárias para alcançar as metas desejáveis. Se não houver um esforço organizado no sentido de olhar tudo isso simultaneamente, corre-se o risco de errar o alvo ou a medida, em termos de políticas públicas e de sua implementação.

José Norberto – É diferente. O IDH mostra apenas três dimensões, que são expectativa de vida, renda per capita e educação. O objetivo é não ter apenas um indicador sintético, mas sim um elenco de indicadores para formulação de políticas públicas. Os índices disponíveis, por exemplo, também mostram que a expectativa de vida no Brasil é baixa mas não mostram os outros fatores que contribuem para isso.

Geraldo Biasoto – Também acho que há diferenças. Tomemos, por exemplo, a questão da renda. Se olharmos simplesmente que um cidadão obteve uma certa quantia em reais, temos uma dimensão de sua situação. Mas se além de informar a renda, também mostramos que ele teve acesso a políticas públicas de saúde e educação, a situação já é outra.

JU – Que tipo de contribuição adicional uma experiência como a promovida pelo Instituto DNA Brasil, ao reunir 50 notáveis para pensar o futuro do país, pode oferecer na formulação de políticas públicas mais eficientes?

Pedro Luiz – Tem validade porque força pessoas, com atuação destacada em várias áreas, a se preocuparem com os problemas da nação, que também são problemas de sua vida cotidiana. Essa diversidade, de alguma maneira, provoca duas atitudes importantes: olhar um conjunto de problemas que são relevantes e chegar a algum tipo de conclusão independente da própria especialidade; e levantar alternativas para tentar resolver esses problemas. Essa já é uma prática recorrente e sistemática em países do centro do capitalismo.

José Norberto – O fato dessa discussão ganhar espaço na mídia de uma maneira mais intensa é importante porque muitas vezes temos uma tendência a esconder problemas. Essa experiência nos obrigou a expor os problemas.

Geraldo Biasoto – O processo de desenvolvimento econômico está cada vez mais complexo. Isso repercute em vários aspectos, como questões culturais, ambientais, religiosas, etc. Hoje é impossível desenhar uma estratégia de desenvolvimento econômico sem compreender a complexidade social. A maneira como o Índice DNA foi construído reflete a preocupação de trazer para o debate os temas que expressam nossa sociedade.
(Clayton Levy)

Não chegamos ainda na metade do caminho

O índice DNA Brasil já produziu dois exercícios concretos. No primeiro deles, os pesquisadores do NEEP compararam a situação brasileira atual com o nível de desenvolvimento da Espanha. No segundo, os dados levantados pela Unicamp foram submetidos ao encontro “50 Brasileiros Param para Pensar o País”, realizado de 16 a 18 de setembro em Campos do Jordão. Com base nos indicadores apresentados, os participantes, considerados personalidades representativas em suas áreas de atuação, tiveram de estabelecer um quadro desejável e realista de desenvolvimento para ser alcançado nos próximos 25 anos. Nos dois levantamentos constatou-se que o Brasil andou menos da metade do caminho para se tornar um país menos injusto, mais próspero e com maior qualidade de vida.

O primeiro exercício, realizado pelo NEEP, mostrou que, tomando como parâmetro as condições de desenvolvimento social e econômico atuais da Espanha, o Brasil percorreu apenas 49,2% do caminho. Segundo o coordenador do NEPP, Pedro Luiz Barros Silva, a escolha da Espanha como modelo levou em conta a disponibilidade de informação para a maioria dos indicadores e a percepção de que aquele país alcançou, em curto período, altos níveis de desenvolvimento. “O objetivo é, também exemplificar a possibilidade de comparabilidade de situações propiciada pelo índice”, explica.

Já no trabalho efetuado pelos participantes do encontro em Campos do Jordão, a distância entre o real e o desejável e possível ficou ainda maior. O trecho percorrido não passa de 46,8%. Ou seja: para alcançar o desenvolvimento econômico, social, cultural e ambiental esperado nos próximos 25 anos, ainda falta ao país percorrer 53,2% do caminho. Nesse contexto, os participantes do evento destacaram três índices considerados prioritários: desigualdade da renda, renda per capita e mortalidade infantil.

A média das metas apontadas revela que o índice de mortalidade infantil, que mede a probabilidade de morte no primeiro ano de vida, deveria cair de 34 para 7,9 em mil nascidos vivos até 2030. Em relação à renda per capita, o país teria de perseguir um patamar na casa dos US$ 22.500 (PPC) anuais contra os atuais US$ 7.770 (PPC), o que significa triplicar o valor em um quarto de século. Já a desigualdade de renda deveria ser reduzida pela metade no mesmo período. “São expectativas realistas e não ufanistas, se perseguidas com persistência, obstinação e coragem”, observa Barros Silva.

Outros indicadores também mereceram destaque dos participantes do encontro. A capacidade de entendimento dos alunos do ensino médio de conteúdos de língua portuguesa, por exemplo, deveria saltar de 16,6% para 57,4% de estudantes que conseguem atingir um nível razoável de capacidade de compreensão das leituras realizadas. Os homicídios de homens jovens deveriam decrescer dos atuais 385,1 para 62,3 em 100 mil habitantes. E a participação do Brasil nas exportações mundiais deveria saltar dos atuais 0,89% para pelo menos 3,6%.

Para expressar a situação e a comparação dos indicadores selecionados nas dimensões, os pesquisadores do NEEP definiram uma forma geométrica. Para efeito de comparabilidade, foi atribuído o valor um para cada indicador na situação desejável, cabendo aos participantes do encontro definir os valores atuais na escala de zero a um. O intervalo entre os dois pontos equivale à distância que o país ainda tem de percorrer para alcançar as metas desejáveis e realistas.

O próximo passo do NEEP será refinar os índices, levando em conta as diferenças em cada região. “Queremos estabelecer várias comparações para apresentar um retrato do Brasil, o mais fiel possível”, diz o coordenador. Para iniciar essa nova fase, a equipe se reuniu na última sexta-feira, no auditório do Núcleo, em Campinas. Na mesma data, foi realizado o mesmo exercício do encontro de Campos de Jordão, agora com os membros integrantes da coordenação dos movimentos sociais, na sede da CUT em São Paulo.Também está prevista a realização de seminários para divulgar o trabalho na comunidade acadêmica. Um dos trabalhos em vista é estabelecer comparações entre estados brasileiros com outros países. “O objetivo final é estabelecer uma agenda de discussão que contribua para a formulação de políticas públicas de médio e longo prazos, tendo em vista um projeto de transformação real do país”, conclui Barros Silva. (CL)


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