Leia nessa edição
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Nano-robô
Empresa-júnior premiada
Seqüênciamento dos citros
Impactos ambientais
Gilberto Freire
As conexões do viajante
Carta ao pai
Inova: exporta modelo
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Unicamp na mídia
Crimes de honra
Festa para 35 mil
 

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Foto: Acervo da Fundação Gilberto FreyreGilberto Freyre,104,
acima do bem e do mal


ÁLVARO KASSAB



Gilberto Freyre e seus livros em sua casa de Apipucos, observado pela mulher, Magdalena, e pelos filhos Sonia e Fernando, em foto da década de 1940 (Foto: Acervo da Fundação Gilberto Freyre)Não deu tempo de a poeira baixar. Passada a ressaca da efeméride, no caso o centenário de nascimento comemorado em 2000, a obra e a vida do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) voltam ao centro do debate. Nos últimos dois anos, público e pesquisadores passaram a ter acesso a pelo menos uma dezena de publicações, entre inéditas e consagradas. Retomada? As opiniões se dividem (leia texto na página 6), o que está longe de ser novidade em se tratando de Gilberto Freyre. "Os preconceitos caíram por terra", avalia o pesquisador Edson Nery da Fonseca, professor emérito da UnB, tido como o maior especialista da obra do cientista social pernambucano, com quem conviveu por mais de 40 anos.

Os preconceitos mencionados por Edson Nery da Fonseca, é sabido, dizem respeito às posições políticas assumidas por Freyre, entre as quais a má vontade com o Modernismo, a ligação estreita com o salazarismo e seu apoio à ditadura militar – mais tarde objeto de mea-culpa. No universo das idéias, também não foram poucas as resistências de parte dos seus pares, que contestavam muitas de suas teorias formuladas acerca dos conceitos de raça e de cultura. O certo é que sua obra permaneceu e continua atual. "Gilberto era o antidefinitivo, o antitratadista, o anticonclusivo. Tinha uma visão de mundo abrangente, sem sectarismos", diz Edson Nery da Fonseca. "Um dos valores supremos, para Gilberto Freyre, era a verdade contida nos paradoxos".

Professor e pesquisador Edson Nery da Fonseca, especialista em Gilberto Freyre: "Os preconceitos caíram por terra"Freyre era quase infenso a polêmicas, chegando não raro a cultivá-las, mas detestava a pecha de reacionário. "Ele sempre se achava um revolucionário", revela Edson Nery da Fonseca, assumindo a condição de confidente do mestre de Apipucos. Revolucionário, de resto, foi o adjetivo usado por admiradores e até mesmo por críticos para qualificar o estilo do autor de Casa-grande & senzala. A obra, divisor da historiografia e da sociologia, atraiu a esquerda e a direita. "Na minha opinião, Freyre não era antropólogo, sociólogo, historiador, nem mesmo escritor, como gostava de ser chamado. Defino-o como um grande sedutor. Primeiro, por sua originalidade em demonstrar que o Brasil não foi feito pela Coroa e pela Igreja, como nos países de colonização hispânica, mas sim pela família patriarcal. Outra contribuição sua foi a desmistificação do arianismo", opina Nery, para quem o estilo "imagista e enumerativo" de Freyre era outro fator de sedução.

O historiador Gustavo Henrique Tuna, com os professores Elide Rugai Bastos e Ricardo Benzaquen de AraújoO Grande sedutor, aliás, é o nome do livro que Edson Nery da Fonseca prepara. A obra vai reunir uma coletânea de textos escritos por ele, entre 1943-2003, sobre Freyre. Edson Nery da Fonseca, de resto, esteve à frente de praticamente todas os lançamentos editoriais envolvendo seu conterrâneo. Organizou a coleção Obras Póstumas (Editora da UnB), que reuniu quatro livros com textos de Freyre, todos recém-lançados: Palavras repatriadas, China Tropical, Três histórias mais ou menos inventadas e Americanidade e Latinidade da América Latina. No ano passado, coordenou, juntamente com Guillermo Giucci e Enrique Larreta, a edição crítica de Casa-grande & senzala, lançada pela Unesco. Giucci e Larreta lançam, em breve, pela Editora Planeta, aquela que promete ser a mais rica biografia de Freyre.

Ex-aluno da Unicamp faz
índices
e revisão de notas

Foi uma tarefa e tanto. De maio de 2003 a fevereiro de 2004, o historiador Gustavo Henrique Tuna ocupou-se da revisão das notas bibliográficas e da elaboração dos índices remissivo e onomástico de quatro livros de Gilberto Freyre, recém-lançados pela Editora Global, mais precisamente aqueles que os críticos e estudiosos denominam de eixo central da obra do antropólogo, sociólogo e escritor pernambucano: Casa-grande & senzala (1933), Sobrados e mucambos (1936), Nordeste (1937) e Ordem e progresso (1959). É de se supor que não se tratava de empreitada para um neófito, muito embora não deixe de ser intrigante o fato de Gustavo ter apenas 27 anos. Quem lhe teria dado a régua e o compasso? "A Unicamp foi fundamental", revela.

O interesse de Tuna pela obra de Gilberto Freyre remonta a 1996, quando cursava o segundo ano de História no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (IFCH). Sob a coordenação da professora Margareth Rago, ele e um grupo de amigos dedicaram-se, na iniciação científica, ao estudo de autores vinculados à identidade nacional brasileira, entre os quais o próprio Freyre, Caio Prado Júnior e Sergio Buarque. Mais tarde, um trabalho de Tuna, Gilberto Freyre entre tradição e ruptura, sua monografia de conclusão de curso, foi premiado em 1999 no 3o Festival Universitário de Literatura, promovido pela Xerox e pela revista Livro Aberto, na categoria ensaio. Como prêmio, o estudante teve seu trabalho transformado em livro.

No ano passado, depois de pesquisar em bibliotecas norte-americanas, com o apoio do Fundo de Apoio ao Ensino e à Pesquisa (FAEP) da Unicamp, Tuna apresentou, no IFCH, a dissertação de mestrado Viagens e viajantes em Gilberto Freyre. O trabalho, orientado pela professora Célia Marinho de Azevedo, lhe abriu as portas para o mercado editorial. Foi por intermédio de sua pesquisa que conheceu o pesquisador Edson Nery da Fonseca, a quem entrevistou em Olinda. "Ele declinou do convite da editora e me indicou", revela Tuna.

Na dissertação, como indica o título, Tuna dimensiona a importância dos relatos de viajantes na construção do pensamento freyriano, sobretudo no que diz respeito à sua concepção de formação da sociedade brasileira, na qual o português, o índio e o escravo negro figuram como protagonistas. Para tanto, Tuna concentrou-se na dissertação de mestrado de Freyre, Vida Social no Brasil em meados do século 19, e nos livros Casa-grande & senzala e Sobrados e Mucambos. "Durante a pesquisa, constatei que, para entender como ele interpretava os relatos de viagem, eu precisava vê-lo também como um viajante. Pode parecer frase de efeito, mas não é", diz Tuna, que considerou fundamentais, para a confecção da dissertação, as pesquisas realizadas na biblioteca particular de Freyre, em sua casa, no Recife.

Sem perder de vista o paralelismo com os tempos atuais, marcados segundo ele pela institucionalização da pesquisa e pela delimitação dos trabalhos acadêmicos, Tuna relaciona as virtudes de Gilberto Freyre: prosa inventiva, originalidade, diversidade das fontes e abrangência das abordagens. Ao fazer a revisão das notas dos quatro livros recém-lançados, o historiador teve a oportunidade de reencontrar elementos que antes o impressionara. Uma tarefa, diz, que deu bastante trabalho. E, mais ainda, prazer.

Continua nas páginas 6,7 e 8

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