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A difícil jornada
do estudante trabalhador

Em meio ao estigma da delinqüência que cerca a juventude, uma legião de jovens tem o trabalho como valor central

LUIZ SUGIMOTO

Alunos de curso noturno de escola estadual na região central de Campinas: jornada exaustiva começa muitas vezes antes do amanhecerPrevalece no Brasil o senso comum de que a juventude significa problemas para a sociedade. Como vítimas ou protagonistas, os jovens são associados primeiramente à transgressão e delinqüência e, quando escapam deste rótulo, recebem outros como os da apatia e do consumismo. "A verdade é que o país possui várias juventudes e, antes de abordar o tema, deve-se saber de qual juventude estamos falando", afirma a assistente social Miriam de Souza Leão Albuquerque. Ela, pessoalmente, achou por bem falar de uma legião de filhos de famílias de baixa renda, entre 16 e 18 anos de idade, submetidos a uma jornada diária exaustiva que começa por volta das 5 horas da manhã e termina perto da meia-noite, compatibilizando trabalho, estudo e energia esvaída em idas e vindas da periferia, sem a contrapartida do entretenimento.

"Esses jovens vêm de famílias que dão ao trabalho um valor central: ele "enobrece o homem", evita a criminalidade. O trabalho, tanto dos pais como dos filhos, faz parte de uma missão, independente da precariedade das condições impostas pela vida, do desgaste, do cansaço", afirma a pesquisadora, que por dez anos atuou no Centro de Orientação ao Adolescente de Campinas (Comec), dentro do Programa de Educação para e pelo Trabalho. Ela adotou trabalhadores juvenis assistidos no Comec como objeto da dissertação de mestrado A inserção do jovem no mercado formal de trabalho, que apresentou em agosto na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, orientada pela professora Liliana Segnini.

Miriam Albuquerque reservou um capítulo da dissertação para avaliar o que é ser jovem nos dias de hoje, lembrando que na última década o Brasil passou por transformações econômicas e sociais que acarretaram mudanças no comportamento das pessoas. "Vemos na juventude brasileira, de maneira geral, traços do individualismo resultante de uma cultura que incita ao hedonismo, onde o prazer individual e imediato é o único bem possível. Muitas vezes este prazer se encontra vinculado ao consumo de bens materiais", explica.

A pesquisadora prossegue, observando que as transformações geraram uma crise de valores sociais, humanitários, morais e a falência das instituições socializadoras, imperando a lógica econômico-social da desigualdade entre os indivíduos. "O jovem de hoje é considerado vítima e, às vezes, protagonista de problemas sociais relevantes, como drogas, tráfico, violência, prostituição e outros mais. Enfocar a juventude como caso de política é não reconhecer nem perceber o jovem como sujeito de direitos e deveres sociais. Os jovens brasileiros são heterogêneos, possuem diferenças quanto às condições de vida e acessos também diferenciados ao consumo material e cultural, à inserção no trabalho e na escola", pondera.

Contrariando o estigma da delinqüência, o perfil do estudante trabalhador abordado na pesquisa é marcado por preceitos de moralidade que norteiam toda a família. “Ao contrário do trabalho infantil, este trabalho juvenil traz um valor moral, serve como "educador", dignifica o ser humano. O fato de assumir responsabilidades mesmo sem estar preparado para tal, e ainda entrar nesse mundo do trabalho caracterizado pela instabilidade, precariedade e incertezas, é encarado pelo estudante trabalhador como parte fundamental de suas obrigações familiares", acrescenta Miriam Albuquerque.

Traumas - Quanto menor a renda familiar, mais rápida é a inserção do jovem no trabalho, segundo atesta a assistente social. Até recentemente, a idade mínima para obter a carteira profissional era de 14 anos. "A elevação da idade para 16 anos causou indignação entre os familiares pesquisados. Alguns jovens trazem experiências anteriores no mercado informal, sozinhos ou juntamente com as famílias. Percebe-se, contudo, que a questão principal não é a idade mínima, mas a inserção social que esse trabalho proporciona, além da "vantagem" que os jovens reconhecem em vivenciar sua experiência no mercado formal", afirma.

Os jovens não vivenciam esta experiência sem traumas. Moradores de bairros periféricos, eles têm na locomoção diária mais um fator desgastante, o que dificulta a conciliação do trabalho com os estudos. "Muitos alegam falta de estímulo para apreensão do conhecimento e algumas vezes dormem em sala de aula. Nos finais de semana, o lazer também fica prejudicado devido ao cansaço físico e à longa distância até os pontos de diversão. Observamos, também, que parte do tempo livre dos entrevistados é reservada para "auto-investimento", ou seja, para cursos de qualificação que tragam maior empregabilidade", informa Miriam Albuquerque.

Precariedade - A pesquisadora acrescenta que, nos últimos vinte anos, cresceu o número de jovens que desejam trabalhar. O contexto brasileiro tem penalizado todos os trabalhadores, mas estudos mostram que os segmentos de jovens, mulheres, negros e idosos são os que mais sofrem com as transformações no mundo do trabalho. A remuneração das mulheres e dos jovens é quase sempre inferior à dos homens adultos e o mesmo acontece em relação aos direitos e condições de trabalho.

Normalmente, a inserção destes segmentos ocorre no universo de trabalho desregulamentado. Aos jovens restam alternativas ocupacionais que não exigem tanta qualificação, como a de vendedores ambulantes, a construção civil, os serviços de limpeza, de garçons. Nesse ponto, Miriam Albuquerque cita o economista Marcio Pochmann, professor da Unicamp: "As ocupações que mais absorveram os jovens na década de 1990 foram os postos de trabalho por conta própria (autônomos), sem vínculos empregatícios, com alta rotatividade e elevada precariedade".

Desemprego juvenil quase triplica em uma década
No âmbito universitário, muito se tem falado da dificuldade em conseguir o primeiro emprego. Embora relacionado aos recém-formados que perseguem postos qualificados, a assistente social Miriam Albuquerque não acredita que o problema seja menor para quem está na faixa etária de 16 a 18 anos e busca uma vaga na base da pirâmide. "Segundo Pochmann, nos anos 1990, a taxa oficial de desemprego juvenil no país apresentou uma tendência de elevação sistemática, pois passou do patamar inferior aos 6% em 1989, para próximo de 16% da PEA [população economicamente ativa] juvenil em 1998. Em relação a 1980, a taxa nacional de desemprego juvenil era de 4,6%, o que significava 3,5 vezes menos do que a de 1998".

Quanto à dificuldade dos universitários, a pesquisadora observa que o desemprego de trabalhadores escolarizados tem sido crescente nos últimos anos, ilustrando este fato com uma afirmação da orientadora Liliana Segnini: "O que se expressa é que a educação deve ser capaz de garantir o emprego. O desemprego dos escolarizados relativiza essa perspectiva. Os jovens no Brasil constituem o grupo social mais escolarizado e mais desempregado, sem falar na sua inserção em trabalhos precários. Vemos ainda a proliferação do subemprego com a denominação de "estágio".

Em seu trabalho, Miriam Albuquerque procura compreender as conseqüências desastrosas do desemprego juvenil, a partir das mudanças iniciadas nos anos 1980 e que levaram à atual precarização das condições de trabalho, com a ampliação do trabalho assalariado sem carteira assinada. "O novo modelo econômico fez regredir as formas de contratação e aumentou consideravelmente o desemprego. Do total de pessoas desempregadas no país, 44% são jovens entre 16 e 24 anos. A taxa de desemprego subiu, segundo dados do PNAD [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio], de 6,1% em 1995 para 9,3% em 2001. Para a população jovem de 16 a 24 anos, essa taxa passou de 11,3% para 17,8%. O número de jovens desocupados, em 2001, chegou a 34 milhões de pessoas", enumera.

Informalidade - Recorrendo a Mattoso, Miriam Albuquerque informa que, ao longo da última década, a redução nos postos de trabalho com carteira assinada acarretou na destruição de 3 milhões de empregos. Segundo as pesquisas do IBGE ou do Dieese-Seade, mais de 50% dos ocupados brasileiros das grandes cidades se encontram em algum tipo de informalidade, grande parte sem registro e garantias mínimas de saúde, aposentadoria, seguro desemprego, FGTS. De acordo com o Instituto Datafolha, seriam 24 milhões de brasileiros nessas condições, dos quais mais de 2 milhões trabalhariam sem registro em carteira porque se encontram desempregados ou não conseguem outro tipo de trabalho.

"O contexto do atual mercado de trabalho faz com que os jovens levem desvantagens na concorrência com os adultos em busca de um posto de trabalho com carteira assinada. Uma das desvantagens é o fato de não possuírem experiências anteriores atrelado ao grande excedente de mão-de-obra adulta. Citando Pochmann: "No fim do século 20, o total de ocupados com idade entre 15 a 24 anos possui, a cada 10 jovens, quatro autônomos e seis assalariados, sendo quatro sem carteira e dois com carteira", finaliza Miriam Albuquerque.

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