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Pobreza dificulta
controle do trabalho infantil

Dissertação de mestrado analisa fatores que contribuem para
o ingresso de crianças e adolescentes no mercado

MANUEL ALVES FILHO

O advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o maior envolvimento da sociedade civil e a adoção de um conjunto de políticas públicas favoreceram a redução do trabalho infantil ao longo da década de 90 no Brasil, mas não foram suficientes para erradicá-lo. Em 2001, segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio (PNAD), instrumento do IBGE, 11,6% das crianças entre 10 e 14 anos ainda estavam ocupadas em todo o Brasil. Os fatores que contribuem para a persistência do trabalho precoce no País foram discutidos na dissertação de mestrado da antropóloga Carmen Siqueira Ribeiro dos Santos Nogueira, apresentada ao Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

Orientada pela professora Eugênia Troncoso Leone, a pesquisa concentrou-se no trabalho desenvolvido por crianças na faixa etária dos 10 aos 14 anos, moradoras nas áreas urbano-metropolitanas. O objetivo da investigação, afirma Carmen, foi entender melhor a natureza e a magnitude do trabalho infantil. "Em outras palavras, busquei saber quais são as características desses trabalhadores e suas famílias nos anos 90", explica. Organizadas a partir dos critérios de divisão do País em grandes regiões e por sua homogeneidade em termos de atividade econômica e características do mercado de trabalho, foram consideradas as seguintes regiões metropolitanas: Fortaleza, Recife e Salvador (Nordeste), Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Sudeste) e Curitiba e Porto Alegre (Sul). A Região Metropolitana de São Paulo também foi tomada para estudo, mas foi destacada das demais por sua importância demográfica e econômica.

A antropóloga Carmem dos Santos Nogueira: "caráter sinérgico"Conforme a autora da dissertação, foram excluídos da análise os trabalhadores na produção para o próprio consumo, os da construção para o próprio uso e os que realizavam alguma atividade não-remunerada por menos de 15 horas semanais. Depois de processar os dados da PNAD, a pesquisadora concluiu que diversos fatores concorrem para a persistência do trabalho precoce no Brasil, mesmo tendo-se registrado uma queda importante ao longo da década de 90.

Essa redução, diz Carmen, reflete em alguma medida as políticas públicas adotadas no período, como o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), Renda Mínima e Bolsa Escola. Está relacionada, ainda, com o advento do ECA, que conferiu uma mudança qualitativa no tratamento conferido à infância e adolescência, e com o maior envolvimento da sociedade civil. A antropóloga adverte, porém, que a diminuição da presença das crianças no mercado de trabalho coincide com a elevação das taxas de desemprego para esta faixa etária no período analisado. "Isso pode indicar que muitas crianças passaram para a inatividade, embora quisessem permanecer trabalhando", esclarece.

A despeito do efetivo encolhimento do número de trabalhadores mirins ao longo dos anos 90, um contingente formado por 165.700 crianças continuava ocupado nas regiões tomadas para estudo, conforme dados de 1999. Para a antropóloga, a persistência do trabalho precoce no Brasil certamente está relacionada ao nível de pobreza das famílias. Mas este aspecto não explica, por si só, o problema, no seu entender. O trabalho infantil, sustenta a pesquisadora, está associado a um leque de carências verificadas nos domicílios, como o maior número de pessoas para manter, maiores razões de dependência (pessoas abaixo dos 15 anos e acima dos 65), condições extremamente precárias de moradia e níveis educacionais muito baixos encontrados entre os chefes de família. "Tudo isso adquire um caráter sinérgico e positivo para o ingresso das crianças e adolescentes no trabalho precoce", afirma Carmen.

A autora da dissertação revela que alguns dados chamaram a sua atenção ao final da pesquisa. Em geral, diz, os domicílios chefiados por mulheres apresentaram maiores leques de carências do que os comandados pelos homens, o que faria com que dependessem com maior intensidade dos rendimentos de suas crianças. No entanto, afirma Carmen, não há indicações consistentes de que as mulheres utilizem, de forma mais intensiva, a mão de obra de seus filhos.

O estudo também identificou um incremento dos chefes de família que declararam ser empregadores ou trabalhar por conta própria. Embora de forma imperfeita, esse aumento acompanha a ampliação do número de crianças que exercem atividades não-remuneradas. "Há uma razoável chance de que um percentual delas esteja trabalhando em pequenos negócios familiares, os quais teriam poucas chances de sobrevivência sem esse reforço", cogita. A pesquisa apurou, adicionalmente, que quatro ocupações se destacam no universo do trabalho infantil.

Metade dos meninos trabalha como ambulante, balconista-atendente, copeiro-balconista e ajudante geral. Entre as meninas, embora o serviço doméstico ainda seja a ocupação mais relevante, elevaram-se os percentuais daquelas que exercem as mesmas funções dos garotos. Nas regiões metropolitanas do Sul, a ocupação de trabalhador rural agrega cerca de um quarto dos meninos, mesmo estes residindo nas áreas urbanas.

Mais do que levantar os motivos da persistência do trabalho infantil no Brasil, o estudo da antropóloga revelou dimensões que colocam em discussão alguns pressupostos que estão na base da proteção aos direitos das crianças e adolescentes. De acordo com Carmen, o ECA instituiu um caráter hegemônico de uma determinada concepção de infância que objetiva proteger os que ainda não podem se defender, incluindo-se a vedação ao trabalho. "Entretanto, há que se reconhecer que está na base dessa concepção um padrão individualizante que se institui como modelo cultural hegemônico, bastante difundido entre as camadas médias da população e compartilhado pelas agências de proteção à infância. Ocorre, porém, que esta realidade está muito distante da vivida no cotidiano pelas crianças trabalhadoras", avalia.

Ainda segundo a autora da dissertação, essa perspectiva transcende o suprimento dos rendimentos mínimos essenciais para a sobrevivência. "Essa situação requer, sobretudo, que os sujeitos sociais envolvidos (as crianças e suas famílias) sejam investidos dos equipamentos sociais - concretos e simbólicos - necessários ao desempenho dos papéis que deles se espera", afirma.

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