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A práxis do poder
e a lógica financista

ÁLVARO KASSAB

O professor e sociólogo Ricardo Antunes: “O desafio maior será reinventar uma esquerda social”

 

A reforma da previdência vai destruir a carreira universitária, afetará diretamente a população assalariada que depende dos serviços públicos e demonstra que o governo sofreu uma “mutação visceral”, abandonando seu vínculo com as causas sociais para obedecer a uma “lógica financista e especulativa”. A avaliação é do sociólogo e professor Ricardo Antunes, titular do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp e autor de O Sentido do Trabalho (Boitempo), Adeus ao Trabalho? (Cortez/Unicamp) e O que é sindicalismo (Brasiliense), entre outros livros.
“Não é uma completa surpresa essa conversão. O que surpreende é a virulência, a intensidade e a rapidez com que isso de deu”, critica Antunes, que é filiado ao PT desde 1983. Coordenando atualmente a pesquisa “Para onde vai o mundo trabalho”, um diagnóstico da reestruturação produtiva do Brasil, o professor não poupa a atuação da CUT nos debates que cercaram a reforma da previdência. Para o sociólogo, setores da central sindical agiram como “apêndice do governo”, cujo propósito seria implementar uma espécie de “capitalismo sindical”. “A CUT daria um ‘salto de qualidade’, tornando-se sócia, partícipe dos fundos de pensão, um agente interessado na especulação financeira”.

JU - Apesar de nova, a universidade brasileira desempenhou um papel fundamental na implantação de políticas públicas e na qualificação do quadro político do país. O que representa, para o senhor, a reforma da previdência para a universidade?
Ricardo Antunes – Vou começar com uma consideração mais geral. Vejo com muita reserva o futuro do país, se essa política continuar a ser seguida. Meu comentário é comparativo. Quando Fernando Henrique tomou posse no seu primeiro mandato, ele enfrentou a greve dos petroleiros. Aquela greve estampou a fisionomia do governo FHC. Para aqueles que não tinham até aquele momento uma intelecção plena, aquela greve foi esclarecedora.

JU – Quais são as semelhanças com o cenário atual?
Ricardo Antunes – É triste, mas a greve do funcionalismo e o embate que o governo Lula está travando contra o estado em sua dimensão pública, contra a “res pública” [coisa pública], vai dar a fisionomia do governo. E esta reforma não está na história passada ou recente do PT e nem no seu programa. É triste constatar que a primeira reforma do governo Lula é em verdade uma “contra-reforma da imprevidência”. Destrói direitos sociais de um segmento da classe trabalhadora organizada, mas que não é privilegiada. É evidente que uma minoria tem altos salários. Mas isso decorre de um traço deformado do Estado brasileiro, que poderia ser claramente controlado, bastando que se implementasse a legislação coibidora existente. É triste também por satanizar o funcionalismo público, criando um aparente inimigo. Mas os inimigos reais são outros e, quando o governo age desse modo, deixa de enfrentar os verdadeiros inimigos.

JU – Quais seriam esses inimigos?
Ricardo Antunes – Via recentemente manifestações da imprensa que diziam que agora sim o mercado, em especial o sistema financeiro internacional, está mais satisfeito porque todo o serviço da dívida será pago com essa reforma da previdência. Essa é a questão essencial. O governo Lula, na sua primeira reforma, subordinou-se servilmente a uma contra-reforma que é da alma, do ideário e da pragmática neoliberais. Nós poderíamos esperar do governo do PT até quatro anos, ninguém está exigindo mudanças de uma vez só, mas os sinais teriam que ser outros. Por exemplo: nós vamos enfrentar corajosamente a questão da dívida interna e externa e dos juros; vamos enfrentar a questão da concentração da estrutura agrária, a explosão urbana e a falta de habitação, a questão do arrocho salarial, a financeirização da economia, a oposição à Alca, à autonomia do Banco Central, dentre tantas outras questões. O problema é que já estamos entrando no nono mês de governo e os sinais são de que o capital financeiro está feliz, o FMI está satisfeito e os movimentos sociais sentindo-se órfãos e em boa medida incrédulos.

JU – Qual será, na sua opinião, o resultado dessa política?
Ricardo Antunes – A “res pública”, a previdência pública, a saúde e a educação públicas vão perder. Não só perderão os trabalhadores dessas respectivas atividades, como a população assalariada pobre vai perder. Quem procura a previdência, a escola e o hospital públicos? É a população trabalhadora. É triste imaginar que o papel a que essa esquerda se prestou é de criar um sistema que vai gerar um manancial de recursos que alguns economistas dizem ser superior a todo o volume de privatizações do governo FHC. Esse volume de dinheiro vai para os fundos de pensão, para uma lógica financista e especulativa. O governo vai transferir um enorme volume de recursos para os fundos privados de pensão.

JU - O senhor acha que a reforma vai afastar os docentes da universidade pública? E para as futuras gerações, quais seriam os efeitos?
Ricardo Antunes - A universidade obviamente vai sofrer com isso. Por que muitos de nós nos dedicamos integralmente à universidade pública? Pelo ideal de que no espaço público a reflexão científica é livre, menos permeada pelas injunções de mercado. Se sabíamos que nossa remuneração era limitada quando comparada à remuneração do mercado, era porque tínhamos certeza de que, depois de uma vida dedicada ao ensino público e à pesquisa, teríamos compensações por meio de um sistema de previdência pública que você pagou durante décadas de ativa. Tudo isso cai por terra. Além disso, a carreira universitária (o nosso RDIDP) vai ser destruída. A carreira pública será duramente afetada. É evidente que as novas gerações, quando olharem uma carreira pública desmontada, arrebentada, precarizada e sem perspectiva de uma aposentadoria pública, vão buscar sua alternativa no “admirável mundo do mercado”. As conseqüências para as universidades serão grandes. Minha expectativa é de que esse movimento do funcionalismo público consiga pelo menos atenuar, diminuir essas conseqüências nefastas, mesmo que a alternativa hoje mais plausível seja de vitória do governo no Senado, órgão que é muito mais suscetível às pressões do capital financeiro, do mundo produtivo e dos latifúndios, do que do mundo do trabalho. O governo Lula, em nenhum momento da campanha, disse que viria a ser o paladino do neoliberalismo, contra a “res publica” e em particular, contra a universidade pública.

JU - O senhor acha que ele traiu as diretrizes do partido? A campanha política já não sinalizava que o PT assumiria posições mais conciliatórias?
Ricardo Antunes – Sim, houve uma mutação visceral, profunda no PT, antes e depois das eleições. Trata-se de uma questão muito complexa que aqui vamos apenas indicar. Em primeiro lugar, na década de 90 houve uma verdadeira tempestade mundial, com fortes conseqüências para a América Latina e para o Brasil: neoliberalismo, reestruturação produtiva em escala intensificada, fim do Leste europeu, social-democratização da esquerda, neoliberalização da social-democracia. Foram de tal intensidade que o PT não passou ao largo delas. Sofreu essa mutação e chegou, ao final dos anos 90, como um partido cada vez mais distante dos movimentos sociais do campo e da cidade, de onde ele se originou. Cada vez mais se tornou um partido institucionalizado, um Partido da Ordem. Nesse sentido não é uma completa surpresa essa conversão do PT. Mas é uma surpresa a virulência, a intensidade e a rapidez com que isso se deu. Ao invés de resistir, age como um paladino dessa ordem.
Em segundo lugar, o PT integrava uma esquerda que tinha como maior força seu vínculo com as lutas sociais. Mas sempre foi enormemente lacunar no plano da formulação teórica. Em seu ideário, sempre oscilou entre um socialismo muito vago, uma social-democracia de espectro variado e um republicanismo radical.

JU - O senhor quer dizer com isso que essas mudanças seriam previsíveis?
Ricardo Antunes – Costumo dizer que a vitória eleitoral em 2002 foi tardia. A vitória que não veio em 1989, ano que condensou uma década que se costuma equivocadamente chamar de “década perdida”. Talvez para o capital, mas para a classe trabalhadora e para as lutas sociais foi uma das décadas mais ricas da história social e política do país. Bastaria dizer que PT nasceu em 1980, a CUT em 1983 e o MST, em 1985/6, houve a campanha das Diretas, a Assembléia Constituinte etc. Os três primeiros exemplos são as melhores expressões orgânicas do mundo do trabalho. A disputa Collor X Lula era a condensação política dessa impulsão social. A vitória veio uma década e meia depois, 2002, num momento de refluxo. O PT fez concessões de toda a ordem para chegar ao poder. A campanha eleitoral parecia uma campanha americanizada – era a prevalência do marketing em relação às propostas políticas concretas. E o resultado foi a vitória do PT com um programa bastante alterado e sem aquela ênfase em mudanças profundas que o país necessitava. Ainda assim o eleitorado acreditava em Lula e no PT, por serem ambos herdeiros dessas lutas sociais nos anos 80 e da resistência ao neoliberalismo. Mesmo o PT e a CUT, passando pela mutação nos anos 90, cada um a seu modo resistiu ao neoliberalismo. Ambos tentaram, por exemplo, dificultar as privatizações e o desmonte da universidade. Quando o PT chegou ao poder em 2002, esse quadro se altera. Essa tendência de direitização se acentuou intensamente e isso criou uma situação muito difícil para a esquerda.

JU - Quais seriam as conseqüências para a esquerda, que invariavelmente já carrega a pecha de historicamente cindida?
Ricardo Antunes - Como podemos explicar para o eleitorado que, em pouco mais de seis meses, o PT está fazendo as (contra)reformas do governo Fernando Henrique com mais virulência? As conseqüências disso para a esquerda são grandes e negativas.

JU - E para o governo?
Ricardo Antunes – É evidente que, se mantido esse curso, o governo Lula estará cavando sua própria derrota, pois daqui a quatro anos voltará uma direita que se elegerá em cima dos cacos que terão restado.

JU - O senhor não acha prematuro o vaticínio? Não existe a possibilidade de ocorrer uma reviravolta ou até mesmo uma espécie de depuração?
Ricardo Antunes –A América Latina não suporta mais neoliberalismo, venha de Menem, de FHC, de Gutierrez, de Lula, venha de onde vier. Por isso, na Argentina, é possível perceber que o governo Kirchner, mesmo não tendo um passado de lutas sociais como o de Lula, vem tomando medidas que mostram que outras alternativas são possíveis. Claro que o quadro argentino não é igual ao do Brasil. Mas, atenção: fazendo como o Lula está fazendo, na primeira crise internacional cujo epicentro seja no Brasil, vamos perceber a enorme vulnerabilidade dessa política.

JU - O que o faz antever um cenário convulsionado?
Ricardo Antunes – É ilusão imaginar que, sendo dócil, você conquista os capitais financeiros globais. Quando mais servil é a política econômica, mais os capitais globais exigem e claramente vão pressionar o governo Lula num momento de maior tensão social. E o governo parece não perceber a erosão de parte da sua base social, que já começou com os assalariados do setor público. E é risível imaginar que ele será sustentado pelos capitais financeiros transnacionais. Como você vai segurar um país com o desemprego aumentando? O sistema produtivo está parado, e a violência toma conta das grandes cidades e do estado brasileiro. Nesse quadro, a falácia “espetáculo do crescimento” é quase risível. Sabemos que, com as enormes mutações no mundo do trabalho, o crescimento não é sinônimo direto de aumento expressivo de emprego. Claro que crescendo tende a haver um aumento do emprego, mas o nível de desemprego no Brasil é de tal brutalidade, que é preciso uma política de desenvolvimento ancorada nos interesses da maioria da população assalariada, completamente contrária à que vem sendo levada a cabo pelo Palocci.

JU - No caso do surgimento de uma nova esquerda, qual seria o seu papel e em que campo atuaria?
Ricardo Antunes – Ela será herdeira dos anos 80, dessas lutas sociais, recusando esse movimento de institucionalização à la Terceira Via, à la Tony Blair, à la New Labor. Sabemos que a clássica social-democracia foi completamente dizimada na Europa, que foi seu berço. E torna-se uma idéia fora de lugar imaginar que a social-democracia possa encontrar seu leito natural na América Latina desertificada. O desafio maior será reinventar uma esquerda social que seja capaz de articular com vivacidade a luta social e a luta política, neste início do século 21. Há sinais disso em várias partes do mundo – desde Seatlle, Nice, Genova, Florença, Praga – e que expressam essa rebeldia frente à destrutividade atual, quer representando forças sociais do trabalho, quer representando forças sociais que foram de algum modo expulsas do trabalho, mas que têm vínculos com as classes trabalhadoras. E esse é também o desafio que vai se colocar para o sindicalismo brasileiro.

JU - Como o senhor avalia o papel desempenhado pela CUT nos recentes acontecimentos envolvendo a reforma da previdência?
Ricardo Antunes – Ela parece, em sua cúpula, como um apêndice do governo. A CUT só começou a dizer que era parcialmente contra a reforma da previdência quando muita água já tinha rolado. Ela não teve participação efetiva em nenhuma nas manifestações contra a previdência. E qual é grande “arma” do governo Lula para os sindicatos? É implementar aquilo que podermos chamar de capitalismo sindical. A CUT daria um “salto de qualidade”, tornando-se sócia, partícipe dos fundos de pensão, um agente interessado na especulação financeira. É elucidativo ver o exemplo de parte importante do sindicalismo norte-americano e europeu. Configura-se como um “sindicalismo de negócios financeiros”, que está preocupado não mais com o salário e os direitos da classe trabalhadora, mas com as ações da bolsa. Seria, é bom antecipar, a perversão completa do sindicalismo brasileiro.

JU - O senhor acha que a CUT caminha para isso?
Ricardo Antunes – Não tenho dúvidas de que os setores hoje dominantes da CUT caminham para essa direção. Por que a CUT não foi visceralmente contra essa reforma da previdência? Porque muitos segmentos estão preparando-se para entrar nessa grande simbiose financeiro-sindical.

JU - Mas dá para generalizar?
Ricardo Antunes – Não, a CUT abriga uma esquerda importante e conseqüente. São vários sindicatos comprometidos com lutas sociais. É engano imaginar, por exemplo, que os sindicatos do funcionalismo público vão desaparecer. Eles vão passar por uma nova fase: haverá um embate com o governo, que no passado recente era seu principal aliado.

JU - Nessa linha de raciocínio, a depuração não vai se dar apenas no nível da esfera política, mas também no campo ideológico?
Ricardo Antunes – Seguramente. A era taylorista e fordista que dominou o Brasil dos anos 30 até recentemente – e em certo sentido ela ainda se mantém – era dominada por empresas verticalizadas, às quais desenharam-se sindicatos verticais. O sindicato social-democrático é vertical. O sindicalismo brasileiro tem, também, historicamente, uma estrutura verticalizada. O mundo do capital dos nossos dias horizontalizou-se, na medida em que terceirizou-se enormemente. O capital se esparrama pelas suas redes. O sindicato que deve nascer deve ser profundamente horizontalizado e desverticalizado.

JU - O que o moveria?
Ricardo Antunes – O caráter polissêmico de sua representação. Ao mesmo tempo vai ter que representar o trabalhador e a trabalhadora; os trabalhadores/as estáveis, os trabalhadores semi-precarizados, precarizados (terceirizados) até chegar nos desempregados, que também devem ser objeto da ação organizativa do sindicato. O sindicato deve ser hoje, por isso, contemporaneamente de classe. Precisa ser capaz de atar as diversas pontas que compõem a heterogênea classe trabalhadora brasileira. Isso vai permitir a reaparição de um (novo) tipo de sindicato que faz, ao mesmo tempo, luta social e luta política, é menos institucionalizado e menos verticalizado.

JU - O senhor acha que há espaço no Brasil para vertentes de atuação tão distintas?
Ricardo Antunes – Sem dúvida. Um, seria o sindicalismo negocial, o capitalismo sindical dos fundos de pensão. O outro, um sindicalismo mais comprometido com o cotidiano das lutas sociais que emergem da classe trabalhadora. E, no meio disso tudo, uma burocracia sindical nefasta que vai ficar oscilando entre a direita sindical e as benesses do Estado.

JU - Na Europa, existia uma expectativa de que a vitória de Lula pudesse resgatar alguns dos paradigmas da esquerda...
Ricardo Antunes – No momento em que a social-democracia vive sua situação mais crítica, derrotada na Áustria, na Itália, em Portugal, a vitória de Lula foi saudada como a vitória da esquerda. Mas as primeiras medidas do governo Lula estão mais para Tony Blair e para o neoliberalismo do que para aquilo que poderíamos chamar de uma política de esquerda.

JU - Não seria ingênuo imaginar que o governo Lula mudaria as coisas da noite para o dia?
Ricardo Antunes – Não tinha nenhuma ilusão de que o governo Lula fosse revolucionar o estado brasileiro, mudar tudo da noite para o dia. Lula não é um líder de um movimento revolucionário. Lula foi vitorioso no processo eleitoral. O que os movimentos sociais e parte importante do eleitorado esperavam é que o PT iniciasse a desconstrução, a descontinuidade do neoliberalismo no Brasil, iniciando algumas reformas importantes para resgatar a dignidade do povo brasileiro.

JU - Quais seriam?
Ricardo Antunes – Vamos sinteticamente enumerá-las. 1) É inaceitável, por exemplo, que a mais importante economia da América Latina tenha um dos salários mínimos mais baixos do continente. 2) Se nós temos um contingente de quase 60% no mercado de trabalho informal, quase 20% de desemprego em várias capitais, o que esperávamos do governo Lula, desde o primeiro dia, é que se iniciasse um processo de diminuição dessa barbárie. Uma das maiores tragédias que assolam o trabalhador brasileiro é o flagelo do desemprego. É imprescindível uma política de emprego, criando novos direitos que incluíssem pessoas no mercado, como, por exemplo, a redução da jornada de trabalho, que reduziria o desemprego. Combater a flexibilização da legislação trabalhista, que os capitais estão fazendo na prática, burlando as leis. 3) Esperava-se do governo Lula uma política econômica que tivesse como ancoragem a produção de bens de consumo assalariado, de tal modo que você reativasse a economia incorporando trabalhadores. 4) Não é possível arcar com todo o serviço e o endividamento que decorrem dos juros da dívida interna e externa, enquanto o país está completamente paralisado e socialmente desertificado. Nenhuma dessas medidas foi sequer esboçada.

JU - Numa projeção hipotética, vamos imaginar que o governo assumisse de vez posições à direita. Quais seriam as conseqüências?
Ricardo Antunes – Se o PT imaginar que vai ser a variante brasileira do New Labor, talvez esteja selando seu fim enquanto partido de esquerda. Estará desencadeando uma enorme crise de identidade cuja dimensão nós vamos sentir daqui a quatro anos. Claro que seu eleitor mais despolitizado vai recorrer a uma concepção anti-política do tipo “não adianta votar porque são todos iguais”. E o PT estará dando, aliás, muitos elementos para que esse preconceito anti-político se mostre como tal. Espero que nesse campo polimórfico, heterogêneo e multifacetado da esquerda social surja algo novo.

JU - Na votação da reforma, o governo fez alianças com a direita e com setores historicamente ligados ao fisiologismo. Como senhor vê essa prática?
Ricardo Antunes – Se a esquerda precisa assumir a fisionomia da direita para governar, é melhor ela deixar a direita governar. O Jospin perdeu a eleição na França porque assumiu como um governo reformista e foi incapaz de levar seu projeto adiante. Entre a esquerda que age como direita e a direita clássica, os eleitores europeus ficaram, nas últimas eleições, com a direita. Foi constrangedor ver, no parlamento, o PT fazer concessões de todo o tipo. As conseqüências serão vistas nas próximas eleições. Não tenho dúvida de que, se não houver uma mudança profunda dessa política, o partido vai receber um fragoroso “não” de muitos de seus eleitores, os servidores públicos, formadores de opinião, à frente. O litígio é tão enorme que o fosso criado parece irrecuperável. Parece aquela separação que não tem mais retorno. Foi tão litigioso o processo de divórcio, que é praticamente impossível que ocorra uma retomada posterior. Rompeu-se o liame fundamental do tripé que sustentava o PT, formado pelo operariado privado, pelos trabalhadores do campo e pelos assalariados médios da esfera pública. Os outros desdobramentos nós veremos em breve, quando vierem as demais reformas, em especial a trabalhista. E seus ensaios já são bastante preocupantes.

 

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