Edição 190
16 a 22 de setembro de 2002
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O professor Adriano Luiz Duarte: investigando a máquina clientelistaMemórias políticas
da velha Mooca

Tese mostra como adhemarismo e janismo mimetizaram práticas adotadas pelo PCB e desfiguraram um dos berços do sindicalismo paulista 

ANTONIO ROBERTO FAVA

Talvez uma alusão à histórica Praça Vermelha da antiga União Soviética, a capital de São Paulo também teve a sua Praça Vermelha, reduto do Partido Comunista Brasileiro, no bairro da Mooca, zona Leste da cidade. Berço do sindicalismo paulista da primeira metade do século 20, ali a força política e ideológica dos moradores era tão grande que nas eleições de 1947 o partido obteve 34% dos votos válidos, elegendo três dos quinze vereadores comunistas. No entanto, naquele mesmo ano, o partido começou a dar sinais de fragilidade e de não resistir às pressões externas e à ilegalidade, decretada em maio daquele ano. 

Vista parcial da Mooca, com o Cotonifício Crespi em primeiro plano, em foto do início do século 20: bairro passa por processo de "desindustrialização"  a partir de 1950  Se antes a Mooca era um dos bairros mais importantes da cidade, a partir dos anos 50 passa por um processo de "desindustrialização" com o conseqüente abandono e degradação. Antes, porém, a Mooca detinha a maior concentração industrial, principalmente indústrias têxteis e de alimentos. Era um bairro que concentrava grandes populações de imigrantes italianos (maioria), espanhóis, portugueses e "hungareses" - como são chamados, ainda hoje, os imigrantes oriundos da Europa centro-oriental, russos, lituanos, ucranianos, iugoslavos e húngaros. "Por conta dessa variedade de origens, a Mooca foi um dos bairros mais heterogêneos da cidade de São Paulo", diz o professor de história Adriano Luiz Duarte, da Universidade Federal de Santa Catarina.

Um exemplo disso deu-se com a criação, ainda em meados de 1945, dos Comitês Democráticos e Populares, sob inspiração do recém-legalizado Partido Comunista. O pesquisador explica que inicialmente esses comitês deveriam funcionar como núcleos para agregar simpatizantes e potenciais eleitores do partido. No entanto, com o envolvimento nas questões específicas dos bairros, rapidamente esses comitês se transformaram em referência tanto para os pedidos de moradores quanto eletricidade, pavimentação, escolas, postos de saúde, quanto de centros de atividade social, onde eram ministrados cursos de alfabetização de adultos, corte e costura e marcenaria. 

Seu imenso espólio organizacional era avidamente disputado por partidos e políticos locais. A Mooca, com quase 100 mil habitantes, era o bairro mais populoso da cidade de São Paulo, além de possuir o maior colégio eleitoral, com mais de 30 mil eleitores. Os maiores beneficiados com a "extinção" do PCB eram duas figuras conhecidas no cenário político nacional: Adhemar de Barros e Jânio Quadros.

"Adhemar havia montado com o seu PSP (Partido Social Progressista) uma sofisticada máquina partidária em cada bairro da cidade de São Paulo. Possuía um diretório distrital, nomeando um juiz de paz e um subdelegado de polícia. Estes nomeavam os então chamados inspetores-de-quarteirão, de modo que todo o bairro fosse esquadrinhado e conhecido em minúcias", explica Duarte, que acaba de defender tese no IFCH sobre Cultura popular e cultura política no após-guerra: redemocratização, populismo e desenvolvimento no bairro da Mooca, 1942-1973, sob orientação do professor Michael Hall.

Segundo explica, essa azeitada máquina era capaz de mobilizar todas as atividades onde pudesse manifestar a sua influência, assim como conhecer todas as demandas e todos os descontentamentos da população do bairro. Além disso, toda a máquina clientelista – dos pedidos de emprego às demandas por melhorias urbanas – devia passar pelas instâncias do partido. 

"O curioso é que, ao menos no bairro da Mooca, a máquina partidária do PSP foi criada a partir de uma série de organizações locais, como clubes de futebol, associações culturais, clubes de dança, entre outras atividades sociais. Quer dizer, o PSP se aproveitou da capilaridade dessas organizações e se constituiu como partido político operando de modo semelhante ao que já fizera, no recém-passado, o PCB", observa Duarte.

Jânio Quadro, por sua vez, iniciou sua carreira política como vereador em 1947. Iniciou sua trajetória política percorrendo os bairros mais distantes da cidade, colhendo seus problemas e suas carências e depois apresentando-as na tribuna da Câmara. De 1947 a 1952 Jânio foi construindo sua imagem como uma espécie de paladino da periferia e, em suas andanças, seus principais interlocutores eram as chamadas Sociedades Amigos de Bairro. Essas organizações, surgidas em cada vila da cidade, eram herdeiras diretas dos comitês democráticos e populares de inspiração comunista. "Ou seja, tanto o adhemarismo quanto o janismo cresceram no vácuo deixado pela ilegalidade do PCB, disputando e dando continuidade ao clamor de reivindicações da população", explica Duarte.

O janismo, por exemplo, consolidou suas bases operando por dentro das mesmas organizações já existentes do bairro – clubes de futebol, associações culturais das colônias e clubes de dança. A atuação de Jânio e Adhemar na Mooca revela que as condições específicas dos bairros da cidade eram decisivas para que se pudesse compreender o que se costuma denominar-se populismo. "Atribuir o sucesso eleitoral desses líderes populistas unicamente ao seu carisma pessoal, é, no mínimo, um equívoco", diz Duarte.

Ambos se sustentavam por meio de sofisticadas redes de contatos com organizações locais que mediavam o seu carisma junto aos eleitores. O contato direto, a partir dessas associações locais com moradores do bairro, segundo Duarte, foi inspirado, evidentemente, nas práticas dos comunistas, com os quais disputavam espaço.

Verifica-se ainda que Adhemar e Jânio, a União Democrática Nacional (UDN) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) também alcançaram expressiva organização no bairro da Mooca. Mas, de acordo com pesquisador, a UDN nunca conseguiu ser muito popular, uma vez que era identificada como o "partido do fraque e da cartola", como a denominavam. "De fato, não parece ser a composição social que diferencia a UDN do PSP ou o janismo; a diferença talvez estivesse num difuso sentimento de superioridade expresso pelos seus integrantes e, por conseqüência, na disposição de se envolver nas árduas disputas locais", avalia o professor.

Eram freqüentes as contendas, ainda que veladas, apenas na base da provocação. Nesse contexto, os opositores da UDN a rebatizaram de "Unidos Destruiremos a Nação", ao que respondiam acusando o PSP de "Picaretas Sempre Picaretas".

A relação desses políticos com moradores da Mooca foi reduzida a uma relação meramente clientelista em que a moeda de troca era o voto. "Essa interpretação é equivocada por dois aspectos: primeiro porque os moradores da Mooca jogavam com políticos negociando as suas solicitações, como melhorias para o bairro. A relação era uma via de mão dupla. Parte do sucesso de políticos como Jânio e Adhemar estava na negociação direta entre os políticos e as classes populares de bairros periféricos.