Edição 190
16 a 22 de setembro de 2002
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Um ano sem Alcir

Unicamp rende homenagem a um de seus pesquisadores mais brilhantes
no aniversário de sua morte

JOSÉ PEDRO MARTINS

O Conselho Universitário (Consu) da Unicamp realizou sessão especial no último dia 10 de setembro, para a concessão do título de Professor Emérito Post-Mortem ao professor doutor Alcir José Monticelli. Ele faleceu de complicações renais no dia 5 de agosto de 2001, no Hospital de Clínicas da Unicamp, aos 54 anos.

Os amigos, ex-alunos e colegas de academia destacaram a importância do professor Monticelli para a Ciência & Tecnologia brasileira, e acima de tudo o seu caráter e seu interesse inesgotável por todas as esferas da vida. "Ele era um dos mais brilhantes professores e pesquisadores do Brasil, com reconhecimento mundial", resumiu o professor Evandro Conforti, colega de Monticelli na turma de 1970 do Instituto de Tecnologia da Aeronáutica (ITA), de São José dos Campos.

O reitor Brito Cruz entrega o diploma a Maria Stella, mulher de Alcir MonticelliOs dois foram juntos para cursar o mestrado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) no ano seguinte. Regressando a São Paulo instalou-se em Campinas, onde cursou o doutoramento em computação na Unicamp em 1975. Os vínculos com a Universidade foram se consolidando a partir daí e em 1982 ele se tornou professor titular da Faculdade de Engenharia Elétrica.

No mesmo ano o professor Monticelli iniciou um período de estudos em pós-doutoramento na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Ele morou nos Estados Unidos com a mulher Maria Stella e as filhas Viridiana, Isadora e Leonora, então recém-nascida. Em outro período ele participou, no Japão, do grupo de inteligência artificial e computação paralela da Mitsubishi Electric Corporation.

É enorme o legado do professor Alcir Monticelli para o Brasil e para a Ciência. Uma delas foram os seus estudos em estimação de estado em sistemas de potência elétrica, campo em que ele se tornou o maior especialista em todo mundo. A estimação de estado é fundamental para a montagem de modelos de monitoramento e controle de segurança das redes de energia elétrica. Por suas contribuições no setor, ele recebeu em 1996 um Fellow, a mais alta distinção concedida pelo IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers).

Os primeiros papers produzidos no Brasil sobre estado de potência, e publicados em importantes revistas internacionais, foram de autoria do professor Monticelli. Ele manteve uma sistemática e consistente produção de artigos e livros ao longo de toda a sua trajetória profissional.

Lançado em 1999, pela Editora Kluwer, o seu "Electric Power System Generalized State Estimation" é considerado a "bíblia" da estimação de estado de potência. O livro foi adotado por vários cursos de pós-graduação em engenharia elétrica nos Estados Unidos. "É o texto definitivo para essa área", acentuou o professor Bruce S. Wollenberg, do Departamento de Energia Elétrica da Universidade de Minnesota, em carta endereçada à mulher de Monticelli, Maria Stella.

Outros nomes de destaque no universo da engenharia elétrica também enfatizaram o papel de Monticelli para a Ciência e para a Tecnologia. "A Música teve Schubert. A Matemática teve Fermat. A Engenharia Elétrica teve Monticelli" resumiu Felix Wu, professor titular da Universidade de Berkeley, na Califórnia, em um comovente texto apresentado em um encontro da IEEE Power Engineering Society, em Nova York, em janeiro de 2002.

Além da expressiva produção acadêmica e científica, o professor Monticelli teve uma atuação destacada no âmbito do setor elétrico brasileiro. Ele trabalhou em projetos de transferência de tecnologia para o setor produtivo desde 1973, envolvendo CPFL, Cemig, CESP, Eletrobrás e Petrobras, entre outras empresas.

Como observador atento do setor elétrico, foi um duro crítico do acordo nuclear estabelecido entre o Brasil e a Alemanha nos anos 70. Ele colaborava na época, entre outros publicações, com o jornal "O Movimento", um dos principais veículos alternativos de informação editados no período mais crítico da censura do regime militar.

Também foi membro e presidiu o Comitê Assessor de Engenharia Elétrica do CNPq, entre 1995 e 1996. A relação do professor Monticelli com as agências de fomento à pesquisa também eram muito frutíferas, e de sua relação com a Fapesp nasceu uma das mais importantes iniciativas da instituição do governo paulista, o Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE). Ele propôs a idéia à Fapesp, inspirado na experiência do Small Business Inovation Research (SBIR), dos Estados Unidos. Desde a sua criação, em 1997, o PIPE já aprovou mais de 165 projetos, como o da AsGA, de Paulínia, que se tornou uma das principais fabricantes de equipamentos para sistemas de telecomunicações do Brasil.

A concessão do título de Professor Emérito Post-Mortem ao Professor Doutor Alcir Monticelli foi aprovada pelo Departamento de Sistemas de Energia Elétrica da FEEC em agosto do ano passado. "Foi uma concessão muito rápida, considerando a importância a extraordinária contribuição do professor Monticelli", sublinha o diretor da Faculdade, Leo Pini Magalhães.

A cerimônia de entrega do título foi emocionante. Amigos e colegas destacaram sobretudo a figura humana de Alcir Monticelli, o catarinense de Rio Capinzal que viveu anos com a família em Sorocaba (SP), antes de ingressar no ITA. "Ele era criativo, dono de uma clareza sem igual", disse Ariovaldo V. Garcia, ex-aluno de Monticelli e seu colega por cerca de 20 anos na FEEC. Garcia lembrou do "são-paulino doente", que exibia a entrada para a partida em que o São Paulo ganhou a primeira Libertadores da América como o seu "título mais importante".

Leitor dos clássicos da literatura universal e de livros em vários campos da Ciência, Monticelli também era um apaixonado pela Astronomia e hábil tocador de flauta transversal. Em um texto igualmente comovente, como o de Felix Wu, outro colega de Monticelli na viagem à Paraíba, em 1971, André Luiz Morelato França contou um episódio que de alguma forma ilustra o currículo do amigo. A viagem, recorda França, foi feita "a bordo do primeiro avião Bandeirante da Embraer que de fato voou". Como aquele vôo pioneiro demonstrou, Alcir Monticelli esteve ligado a algumas das grandes inovações da C&T brasileira nas últimas décadas.