| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição Especial 339 - 2 a 8 de outubro de 2006
Leia nesta edição
40 Anos
40 Anos, ano a ano
Reitor Tadeu Jorge
Roberto Romano
Vanguarda das decisões
Artigo: Luiz Gonzaga Belluzzo
Ciência que gera riqueza
Metas institucionais
A cápsula do tempo
Excelência
Artigo: Carlos Eduardo Berriel
Avanço na pesquisa
Artigo: Francisco Foot Hardman
Pós-graduação
Artigo: Ricardo Antunes
Extensão
Plano Diretor
Artigo: José Roberto Zan
Música Popular
O velho Zefa
 

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Conversa com o velho Zefa


EUSTÁQUIO GOMES

E nem era tão velho assim quando partiu nas asas de um aneurisma, há um quarto de século. Tinha só setenta e três anos. Se fosse vivo, estaria com noventa e oito. Certamente não perderia por nada a festa dos quarenta anos de sua obra-prima, a Unicamp, que acontece nesta quinta-feira, dia 5 de outubro. Como estive às voltas com sua biografia nos últimos meses (isto é, com o ato de escrevê-la), faço de contas que ele está vivo e vou convidá-lo pessoalmente, em nome do reitor José Tadeu Jorge e dos organizadores da festa.

‘Não sou dos que
plantam couves para
comer pessoalmente
amanhã. Prefiro
plantar perobas que
vão beneficiar as
gerações futuras’

Não conheci Zeferino Vaz. É possível que ele ficasse bravo comigo por causa dessa biografia nada apologética. Mas eu não lhe diria nada da biografia, eu o engambelaria com a história da festa e o levaria a falar de seus temas preferidos. Seu grande assunto, seu único assunto afora a Revolução Constitucionalista, era a universidade. Justificava a construção de uma grande universidade, e não de uma universidade pequena ou mofina, com uma frase, aliás duas:

— Não sou dos que plantam couves para comer pessoalmente amanhã. Prefiro plantar perobas que vão beneficiar as gerações futuras.

Plantou sua universidade no campo, entre colinas fofas e à beira de um lago. Fazia questão que a terra fosse boa. Sem verde, nada feito:

— Verde é clorofila e clorofila é para a planta o que a hemoglobina é para o homem. O homem sente isso e quando vê produção abundante, vegetação exuberante, é otimista, sente-se forte, com ímpeto de trabalhar, tem esperança e confia no futuro.

— Isso explica o êxito de seu projeto?

— O que explica o êxito da Unicamp é a seleção cuidadosa de cérebros entre homens de alta dignidade científica e moral. Instituições científicas, universitárias ou isoladas constroem-se com cérebros e não com edifícios. Escala de prioridades: a) cérebros; b) cérebros; c) cérebros; d) bibliotecas; e) equipamentos; f) edifícios. Isto é importante acentuar porque neste país acreditamos em fachadas.

— Isso é tudo?

— Isto nada seria sem o princípio da orquestração. O efeito estético obtido por um virtuose tocando isoladamente jamais alcança o obtido por um quarteto de câmera ou por uma orquestra sinfônica.

Fumava cigarrilhas e gostava de estalar os dedos. Dizia que estalar os dedos ativava a circulação sangüínea: “Sou biólogo e sei que a inércia leva à degeneração orgânica”. Das cigarrilhas não falava nada. Explicava sua agitação permanente a partir do próprio nome, uma variação de zéfiro, “o vento ligeiro que sopra do Ocidente”. Suas idéias sobre educação, ciência, política vinham servidas em cornucópia, com uma convicção que persuadia os crédulos e encantava os céticos.

— Educar é desenvolver no aluno a capacidade de pensar. O cérebro de um estudante não é um cofre que se deve encher, mas sim uma tocha que é preciso acender.

— Pesquisa pura ou aplicada?

— Não há pesquisa pura ou aplicada. Há boa ou má pesquisa.

— Como avaliar o trabalho de um cientista?

— O cientista deve ser avaliado e prestigiado não apenas pela própria produção original mas, e sobretudo, pela capacidade de formar e estimular discípulos que lhe multiplicam a produção, acelerando o caminho da ciência.

Fazia discursos no 31 de Março, o aniversário do Golpe. Era considerado um homem do sistema, mas tinha desafetos nos círculos do poder. Talvez porque fosse o único, naquela época, a visitar os porões da ditadura e a negociar a soltura de seus presos, sempre que um professor ou um aluno caía nas garras do regime. Que o digam o professor Ademir Gebara, o professor Rubens Murillo Marques, o professor Luiz Antônio Vasconcelos. Quando isso acontecia, entrava vociferando nos quartéis:

— Dos meus comunistas cuido eu!

— O senhor não é exatamente um igualitarista.

— Eu sou um biólogo, um homem de ciência, e sei que a natureza é elitista. A natureza distribuiu desigualmente talentos e capacidades.

Por isso jamais seria um comunista. Às vezes se dizia socialista, o que certamente era um eufemismo. Na verdade era um homem de ação, um excelente contraponto a homens de idéias como Anísio Teixeira, Fernando Azevedo e Darcy Ribeiro, que o admirava. Não deixou obra escrita. Gostava mais de construir salas de aula, laboratórios, bibliotecas. “Era de pequena estatura, mas que sombra projetava a seu redor”. Assim escreveu sobre ele um de seus cavaleiros andantes, o físico Rogério Cerqueira Leite, no dia de seu funeral. E dizem que quando morreu tinha dois pares de sapatos, um dos quais levou para o túmulo. Não era pobre, mas frugal. Descobri que calçávamos o mesmo número. Eu lhe emprestaria de bom grado os meus sapatos se ele quiser ir à festa, nem que seja espiritualmente. Se é que espíritos calçam sapatos.

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