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Carta


Na matéria "Entre o alarido e o silêncio", publicada no número 302 deste jornal, uma passagem de uma das respostas do professor Roberto Romano merece reparos. Não se trata de mera diferença de opinião, mas de um erro, até bem banal, e de uma ilação discutível.

O erro consiste em caracterizar pura e simplesmente como erro determinadas formas da gramática de falantes não cultos. Os exemplos mencionados (de memória, certamente) são "menas" - é fácil verificar que essa forma não abonada só ocorre com nomes femininos - e "para mim fazer" - construção também não abonada, mas que encontra explicação fácil ("mim" é percebido como se regido por "para", tanto que a forma não ocorre com outras preposições; é uma construção que tem estrutura similar ao "acusativo com infinito", que Romano certamente conhece).

Ora, os estudos de dialetologia e de variação lingüística são numerosos e estão disponíveis. Não se pode aceitar que, em declarações recheadas de citações, os fatos de língua sejam considerados à luz de biblioteca (virtual) tão raquítica - alguma(s)gramática(s) normativa(s).

A ilação discutível é a efetuada entre "assumir o falar errado" e a transformação do analfabetismo em virtude. Muitos estudos mostram que efeitos de analfabetismo (de fato) podem decorrer em boa medida exatamente de uma concepção equivocada de erro (para não citar lingüistas, pode-se recorrer aos textos de um sociólogo, Bourdieu). Mas a questão aqui é outra. Confesso que nunca ouvi nem li nada que fizesse o elogio do "erro" (aceitemos que sejam "erros", para simplificar), e que, em decorrência, a falta de escolaridade fosse erigida em virtude. No máximo, que a escolaridade não fosse o único critério de qualifcação, o que não é a mesma coisa. Como a questão me interessa, até profissionalmente, é claro que, considerarei tais textos, se os houver. O que, sim, houve - fui um dos vários que tomaram tal posição, aliás, muito bem acompanhado - foi a explicitação de que não há relação alguma entre falar assim ou assado (no que se refere estritamente a traços gramaticais) e competência discursiva ou capacidade de adquirir conhecimento. Se assim fosse, o pensamento só seria possível em certas línguas - ou em certas variedades lingüísticas. E não creio que Romano esteja entre os que acham, por exemplo, que só se pode filosofar em alemão ou em grego.


Sírio Possenti, professor do Instituto de
Estudos da Linguagem (IEL)da Unicamp

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