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Pró-reitor e vereadora analisam a questão no contexto
do referendo que ocorre no próximo dia 23

A propósito da venda
de armas e munições

MANUEL ALVES FILHO

O professor Mohamed Habib, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários: "Estamos perdendo nosso maior patrimônio, que é a nossa gente, a nossa juventude" (Foto: Antoninho Perri)No próximo dia 23 de outubro, os brasileiros irão novamente às urnas, mas desta vez não farão opção por nomes que os representarão nas variadas instâncias do Executivo ou Legislativo. Também não participarão de uma eleição propriamente dita. Desta feita, os eleitores terão a oportunidade, rara em termos de Brasil, de tomar parte num referendo. A consulta popular decidirá se a venda de armas e munições deve ou não ser proibida no país. Como não poderia deixar de ser, o tema tem gerado polêmica entre os que condenam e os que defendem a continuidade desse tipo de comércio. Para ajudar a esclarecer a opinião pública, o Jornal da Unicamp ouviu duas personalidades, cada uma com uma posição em relação à questão: o professor Mohamed Habib, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp, e a vereadora Teresinha de Carvalho (PSB), ex-delegada de Polícia. Nas entrevistas que seguem, eles falam das razões das suas convicções.

População já entregou 405 mil armas

Desde que o referendo foi marcado, o professor Mohamed Habib tem feito palestras em igrejas, associações de bairros, escolas públicas e universidades sobre a importância do fim do comércio de armas e munições no país. Além de princípios de ordem ética e humanitária, o docente diz ter razões práticas para ter adotado tal posicionamento. De acordo com ele, dos 39 mil homicídios cometidos anualmente no Brasil, apenas 30% estão relacionados à criminalidade. Os outros 70%, afirma, têm origem em ações passionais, como a briga de marido e mulher, o desentendimento entre vizinhos e os conflitos no trânsito. Entram nessa estatística, ainda, os casos de acidentes domésticos. “Isso, por si só, demonstra a importância de eliminarmos as armas da nossa sociedade”, diz.

A vereadora Teresinha de Carvalho (PSB), ex-delegada de Polícia: "Por enquanto, estão  tentando confiscar um direito. Depois, poderão confiscar a arma" (Foto: Antoninho Perri)Conforme o dirigente da Unicamp, das vítimas de assassinato, dois terços são jovens de 18 a 25 anos. Além do trauma que acarretam para as famílias, essas mortes também causam um prejuízo inestimável ao país. “Estamos perdendo nosso maior patrimônio, que é a nossa gente, a nossa juventude”, lembra. Outro ponto levantado pelo professor Mohamed Habib refere-se à “falsa sensação de segurança” proporcionada por uma arma. Segundo dados apresentados por ele, de cada 180 casos, em apenas um o portador do revólver obtém sucesso diante de um bandido. “Nas outras 179 oportunidades, o ladrão ou assaltante, que não tem nada a perder, leva a melhor. O resultado disso é a morte ou lesão temporária ou permanente do cidadão de bem”, assegura.

O docente aproveita essa última estatística para traçar um paralelo com um outro produto presente no cotidiano dos brasileiros, que é o automóvel. “Se alguém comprasse um carro que só funcionasse uma vez em 180 tentativas, certamente esse veículo seria retirado do mercado. Por que tem que ser diferente com o revólver?”, questiona. Sobre a crítica dos opositores de que a proibição do comércio de armas feriria um direito individual garantido pela Constituição, o professor Mohamed Habib tem um argumento que segue em direção contrária.

De acordo com ele, a venda de armas e munição contraria um preceito constitucional, segundo o qual todo produto ou processo que representa risco ao ambiente ou à saúde da população só pode ser comercializado após a apresentação de um estudo prévio e de um relatório de impacto ambiental. “A despeito do impacto negativo provocado pelas armas, essa exigência jamais foi cumprida. Além disso, o cidadão tem direito constitucional de adquirir qualquer produto, desde que este não represente um risco a terceiros”. Outro dado considerado indiscutível pelo pró-reitor de Extensão da Unicamp em favor do fim do comércio de armas e munições é o resultado da campanha do desarmamento, promovida pelo governo federal.

Desde 15 de junho de 2004, a população desfez-se de aproximadamente 450 mil peças, em troca de indenizações. Cálculo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), de acordo com o professor Mohamed Habib, indica que a iniciativa poupou até aqui 5.563 vidas. “Será que alguém é capaz de dizer que esse não é um ótimo resultado?”, questiona mais uma vez. Para o docente, o referendo do próximo dia 23 será uma importante oportunidade para que os brasileiros façam mais do que proibir o comércio de armas no país. Ele considera que se a adesão a essa posição for maciça, o Brasil obterá legitimidade para protagonizar um movimento em nível mundial em favor da eliminação das armas nucleares. “Assim, a próxima geração terá condições de banir toda arma que mata, consolidando assim a construção de uma sociedade igualitária e de paz. Essa é minha utopia”, revela.

Medo do confisco – Caso a venda de armas e munição seja proibida no Brasil, o cidadão honesto não só ficará mais desprotegido, como terá um direito constitucional desrespeitado. A opinião é da vereadora Teresinha de Carvalho, ex-delegada de Polícia. No entender dela, o país já dispõe de uma legislação bastante rigorosa em relação a esse tipo de comércio. “Não é fácil comprar um revólver legalmente. Além de o interessado ter que apresentar cinco atestados de idoneidade diferentes, ele ainda tem que se submeter a um teste psicológico e a um curso de tiro. Isso sem contar que o porte de arma já não é permitido, o que significa que ninguém pode estar armado fora de casa”, afirma.

A vereadora diz temer que, na hipótese de a venda de armamentos ser proibida, o próximo passo seja a apreensão das armas legais por parte do governo. “Ora, se um direito individual assegurado pela Constituição está em vias de ser desrespeitado, não duvido que isso venha a acontecer. Por enquanto, estão tentando confiscar um direito. Depois, poderão confiscar a arma”. A ex-delegada de Polícia diz que o fim desse tipo de comércio não resolverá o problema da criminalidade. “Na cidade do Rio de Janeiro, as lojas de armas estão fechadas há dois anos. Não me consta que o índice de criminalidade tenha caído por lá”, ironiza. Os revólveres que estão nas mãos dos bandidos, segundo ela, não são os que pertenciam às pessoas de bem. “A maioria absoluta veio do mercado paralelo”, acrescenta.

A parlamentar diz temer que o contrabando cresça caso a venda de armas seja proibida no país. “Quem se sente seguro com um revólver dentro de casa, certamente não abrirá mão dessa forma de proteção”. Teresinha de Carvalho contesta as estatísticas apresentadas pelos defensores do fim do comércio de armamentos. De acordo com ela, os números estariam sendo manipulados. Valendo-se da sua experiência como policial, ela sustenta que não é verdadeiro o dado segundo o qual os crimes passionais são cometidos, em sua maioria, por meio de arma de fogo. “Quando eu era titular da Delegacia da Mulher de Campinas, a maior parte desses crimes era cometida com armas brancas, como facas. Além disso, o pessoal que é a favor do desarmamento tem incluído nos dados sobre acidentes domésticos os casos de bala perdida, cuja origem está na briga entre quadrilhas ou no tiroteio entre policiais e bandidos”, acusa.

A parlamentar reserva, ainda, duas críticas ao referendo. Primeiro, argumenta, esse tipo de instrumento só deveria ser aplicado em relação a temas que envolvam o direito coletivo, como a pena de morte ou o aborto. Segundo, ela considera um absurdo que o país desembolse cerca de R$ 600 milhões para realizar a consulta. “Esse dinheiro deveria ser revertido para o aparelhamento da Polícia e o treinamento dos policiais, para que a população tivesse mais segurança”. Para acirrar a “disputa das estatísticas”, Teresinha de Carvalho também apresenta números. Segundo suas informações, os países que optaram pelo desarmamento dos cidadãos honestos estão colhendo resultados negativos. Na Inglaterra, sustenta, os casos de homicídio teriam crescido 50%. Já no Canadá e na Austrália, os índices acerca de crimes violentos e roubos teriam aumentando, respectivamente, em 89% e 166%. .

Além de recorrer aos movimentos em favor de uma das duas causas, o eleitor poderá obter maiores informações para fundamentar o seu voto por meio da propaganda gratuita no rádio e na televisão, que será transmitida entre os dias 1º e 10 de outubro. Os programas serão de responsabilidade das frentes parlamentares “Por um Brasil Sem Armas” e “Pelo Direito da Legítima Defesa”. Outras dados podem ser obtidos no site do Tribunal Superior Eleitoral, no endereço eletrônico.

O referendo

Data: 23 de outubro
Horário: das 8h às 17h
Quem deve votar: o voto é obrigatório para todos os eleitores residentes no país
Voto facultativo: para quem tem entre 16 e 17 ou mais de 70 anos
Sistema: urna eletrônica
Colégio eleitoral: 122.042.825 eleitores
Procedimento: Os eleitores responderão à seguinte pergunta – “O comércio de armas de fogo e munições deve ser proibido no território brasileiro?”. A alternativa “não” corresponderá à tecla 1, enquanto a opção “sim” corresponderá à tecla 2. As demais teclas não indicarão escolha. Assim que o eleitor digitar o número desejado, aparecerá na tela da urna a opção pretendida. A pessoa deverá, então, confirmar ou corrigir o voto, como ocorre nas eleições tradicionais

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Foto: Antoninho PerriFoto: Neldo CantantiFoto: Antoninho PerriFoto: Gustavo Miranda/Agência O GloboFoto: Antoninho Perri