Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 268 - de 4 a 10 de outubro de 2004
Leia nessa edição
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Universo das sensações
Há 38 anos: pedra fundamental
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  cirurgia
 

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Com a presença do presidente da República,
do governador do Estado e do ministro da Educação

Pedra fundamental
foi lançada há 38 anos


Em 5 de outubro de 1966 era lançada a pedra fundamental do campus da Unicamp em Campinas. Embora a universidade já existisse no papel desde 1962 e funcionasse com uma unidade embrionária – a Faculdade de Ciências Médicas – desde 1963, a data foi oficializada como a do aniversário da instituição. Portanto, nesta terça-feira a Unicamp completa oficialmente 38 anos. O texto a seguir faz parte do livro inédito O mandarim – história da infância da Unicamp, do jornalista Eustáquio Gomes.



EUSTÁQUIO GOMES



Observado por Zeferino Vaz (à esquerda) e pelo governador Laudo Natel (à direita) o presidente Humberto Castello Branco discursa no lançamento da pedra fundamental  (Foto: Siarq)A comissão organizadora da nova universidade trabalhou duro de setembro de 1965 a junho de 1966. Encastelado numa sala emprestada no Palácio dos Azulejos, um velho prédio municipal onde funcionava o Departamento de Água e Esgotos, Zeferino começou a dar forma plástica a seus sonhos sobre uma sólida mesa de mogno envernizado, pesando cem quilos, que pertencera ao barão de Itatiba no século dezenove. Toda terça-feira ele convocava os dois outros membros, Antônio Augusto de Almeida e Paulo Gomes Romeo, e abria mapas sobre a mesa, desvendava esquemas e narrava em detalhes o que tinha imaginado e planejado. Como um suserano, dizia o que devia ou não devia ser feito para que do nada surgisse uma universidade moderna, eficiente e que servisse de modelo para o país.

— Em primeiro lugar, precisamos de um bom lugar para o campus. Uma área não inferior a 20 alqueires paulistas, perto do asfalto e com algum melhoramento público. E é preciso que a terra seja boa.

O mito do solo fértil para plantar edifícios era uma das obsessões de Zeferino. Gostava de contrapor a terra roxa e encaroçada de Ribeirão Preto, onde fizera florescer o seu primeiro projeto de porte – a Faculdade de Medicina –, à vegetação retorcida e nodosa do cerrado brasiliense, de onde ele e seu secretário Arnaldo Oliveira Camargo haviam saído sob uma chuva de tomates e de ovos dois anos antes. Dizia que a aridez de Brasília influenciava negativamente o espírito da população e dava banzo nos deputados e senadores. Faltava ali o verde intenso das terras produtivas.

— Verde é clorofila e clorofila é para a planta o que a hemoglobina é para o homem. Zeferino Vaz, com Paulo Gomes Romeo (ao centro) e Antonio Augusto de Almeida, da comissão organizadora: na reunião semanal, esquemas, planos e sonhos (Foto: Siarq) O homem sente isso e quando vê produção abundante, vegetação exuberante, é otimista, sente-se forte, com ímpeto de trabalhar, tem esperança e confia no futuro.

Dessas exigências ele não abria mão. Por isso recusou uma doação feita pelo fazendeiro Caio Pinto Guimarães a Mário Degni, um ano antes, para a construção do campus numa gleba da Fazenda Santa Cândida. O terreno era montanhoso e Zeferino considerou inaceitável a cláusula imposta pelo fazendeiro que condicionava a construção da Cidade Universitária a um projeto já pronto do arquiteto Sérgio Bernardes. Naquela gleba alguns anos depois seria construído o primeiro campus de uma outra universidade, a PUC de Campinas.

Uma outra possibilidade era a Chácara Taquaral, às margens da lagoa com o mesmo nome, na época pertencente ao Instituto Brasileiro do Café e abandonada. Totalizava apenas 13 alqueires, mas Zeferino gostou do lugar. O deputado Herbert Levy chegou a fazer tramitar uma proposta de decreto-lei desapropriando a área e transferindo-a ao Estado, mas o IBC opôs férrea resistência e a idéia foi descartada.

Em 1966, Zeferino procurou seu velho amigo João Ademar de Almeida Prado, fazendeiro e rico industrial do ramo de geladeiras, que botou Zeferino num jipe e levou-o a uma vasta planície para os lados do distrito de Barão Geraldo, vizinha da famosa fazenda Santa Genebra, onde um século atrás o barão Geraldo de Rezende recebia o imperador Pedro II e seu séquito. O Napoleãozinho – como às vezes Zeferino era chamado – ficou encantado com o que viu: um extenso canavial entre fofas colinas, o solo quase vermelho sob as ramas dos flamboyants, sibipirunas e paus-ferros. Um lago deixava-se ver, quase edênico, entre as folhagens. O lugar ficava a oito quilômetros do centro urbano de Campinas. Respirou fundo o ar campestre e disse:

— Pois bem, será aqui.

Com a plena concordância de Almeida Prado — que, sagazmente, transformaria o entorno num grande negócio imobiliário — a gleba foi desapropriada pelo valor simbólico de 1 cruzeiro. Não por seu amigo Ademar de Barros, que tinha sido recém-desalojado do governo paulista na onda das cassações de meados de 1966, mas por seu vice guindado ao poder pelos militares, Laudo Natel. Essa mudança em nada afetou o projeto da nova universidade nem o prestígio de Zeferino, que também dava-se muito bem com o governador substituto. Tanto que, no mesmo dia, Laudo liberou uma enorme verba — 606 milhões de cruzeiros — para a construção do primeiro prédio do futuro campus.

A partir daí Zeferino passou a visualizar, como um demiurgo, todo o cenário de arruamentos, edifícios, laboratórios, bibliotecas, salas de aula e escritórios que faria crescer, como perobas, no lugar da onda verde do canavial. Sonhar, nesse caso, equivalia a planejar. E isso ele sabia fazer como ninguém. O relatório que apresentou ao governo alguns meses depois resumia o plano:

— Concentrar os institutos, faculdades e serviços como usinas de produção de trabalho num país carente de recursos, abrigando-os em edifícios sóbrios, sem fachadas imponentes e sem os luxos de acabamento e de espaços construídos sem qualquer utilidade.

Os edifícios não deveriam ter mais de três andares, dispensando-se assim o uso de elevadores.

— Serão feitos de molde a disporem de amplas áreas com um mínimo de alvenaria fixa, divididas através de paredes removíveis, permitindo alterações rápidas em função de necessidades futuras.

A referência a “espaços sem utilidade” era uma crítica direta ao projeto de Oscar Niemeyer para a Universidade de Brasília, cujo monumental edifício do Instituto Central de Ciências apresentava uma fachada de 720 mil metros quadrados para 120 mil de área construída e apenas 70 mil utilizáveis para laboratórios e salas.

Por outro lado, era na UnB que ele iria mirar-se para construir o arcabouço didático, científico e administrativo da Unicamp. Muitos dos problemas que havia vivenciado à exaustão, como professor ou presidente do Conselho Estadual de Educação, decorriam freqüentemente da estrutura federativa que caracterizava as universidades brasileiras, a começar pela Universidade de São Paulo. Para Zeferino a universidade deveria “ser um organismo, e não uma colônia de organismos”. Na Unicamp, ele pretendia que os institutos de Matemática, Física, Biologia, Geociências, Letras, Artes e Ciências Humanas — os primeiros que projetou — não fossem concebidos como unidades independentes mas sim como um espelho da “interdependência e subordinação recíproca de todas as ciências”.

No plano urbanístico, imaginou que poderia materializar essa idéia unitária através de uma praça central circular de grandes dimensões, em cujo perímetro seriam construídos os edifícios de todos os institutos, a biblioteca e os serviços de apoio. Este seria o coração do sistema. O relatório descreve essa praça como


um imenso jardim oferecendo os elementos estéticos necessários e repousantes, rodeada pelos prédios dos institutos e da reitoria, todos de construção sóbria e discreta. Terá destaque e ocupará área de maior significação o edifício da Biblioteca Central: para ele, como símbolo e depositário da sabedoria, hão de estar voltados subalternamente todos os demais.

Conquistada a terra e planejada sua ocupação, na tarde do dia 5 de outubro de 1966 foi lançada a pedra fundamental do campus. Logo cedo, Zeferino engalanou-se para recepcionar ninguém menos que o presidente da República, general Humberto de Alencar Castello Branco. No mesmo avião vinha o ministro da Educação, Raymundo Moniz de Aragão. O governador Laudo Natel chegou encabeçando uma comitiva de secretários de estado. Já eram esperados pelo cardeal-arcebispo de São Paulo, Dom Agnello Rossi, e pelo prefeito de Campinas, Ruy Novaes. O general-presidente, na secura que caracterizava seu discurso, disse que não era de seu feitio lançar pedras fundamentais. Mas completou:

— Vim a Campinas porque tenho certeza de que nas mãos do professor Zeferino Vaz esta é uma semente que germinará.

Duas semanas mais tarde, no dia 19, o CEE aprovava o relatório da Comissão Organizadora e autorizava o funcionamento dos institutos de Biologia, Matemática, Física, Química e das faculdades de Engenharia, Tecnologia de Alimentos, Ciências e Enfermagem. Tudo passou a andar muito rápido. No dia 22, levando na pasta seu decreto de nomeação, o próprio Zeferino correu ao palácio do governo do Estado para que Laudo o assinasse. O governador curava-se de uma hepatite. Foi de roupão, sentado na cama, que assinou o documento.

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