Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 268 - de 4 a 10 de outubro de 2004
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Da arquitetura
catalã à seleção de 70


ANDRÉ ARGOLLO

André Argollo é engenheiro civil, mestre em engenharia agrícola, doutor em arquitetura e urbanismo e professor livre docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Assumiu uma cátedra junto ao Departamento de Urbanisme i Ordenaciò del Territori da Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona - Universitat Politècnica de Catalunya (ETSAB-UPC), onde ficará até dezembro, desenvolvendo trabalhos sobre “Arquitetura Rural”, pelo Programa Cátedras Unicamp & Universidades Espanholas. Barcelona é uma cidade de cantos e recantos convidativos. Seja para passeio ou para contemplação. Já falei sobre Las Ramblas, o eixo formado por 5 ramblas consecutivas “Rambla Santa Monica – Rambla dels Caputxins – Rambla Sant Josep – Rambla dels Estudis – Rambla Canaletes” que liga o Monument a Colom à Plaça Catalunya. Seguindo em direção à Avinguda Diagonal há outros dois eixos bonitos da cidade: o Passeig de Gràcia e a Rambla de Catalunya; esta, como outras ramblas da cidade, é um calçadão arborizado, ladeado por duas ruas estreitas paralelas, e repleto de tendas com mesinhas agradáveis mas um tanto proibitivas para quem pensa em termos de real (1€ = 4 R$), convidando-nos a sentar num final de tarde e ver o movimento. Já o Passeig de Gràcia é uma avenida elegante, de 60m de largura por 1 km de comprimento, ladeada por duas amplas calçadas. Neste eixo, vários edifícios do final do século 19 a meados do século 20, refletem importantes experiências da arquitetura moderna catalã; entre eles os famosos Casa Batló e La Pedrera, dois exemplares da estupenda obra de Gaudí. A Casa Batló compõe o chamado Pomo da Discórdia juntamente com a Casa Amatler e a Casa Lleó Morera. Três edifícios situados numa mesma quadra cujas diferenças de estilo (daí a discórdia) nos regala aos sentidos uma agradável experiência de aquisição, pois a gente come, se alimenta com os olhos ao admirá-los.

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Na Casa Amatler (Passseig de Gràcia, 41, 3°., CEP:08008) situa-se o CEB - Centro de Estudos Brasileiros ? (e-mail). Referência importante para quem passa por Barcelona a estudo ou trabalho, a APEC - Associação de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros na Catalunha (e-mail) - organiza diversos eventos, sendo o mais importante o seu seminário anual. Em 2005 se realizará o 10º. Seminário da APEC. Conheci um pessoal muito bom através da Associação. O atual presidente é um gaúcho buena gente, gremista casado com uma colorado: Roberto Portella, engenheiro civil. Ele e sua esposa Léia (arquiteta, professora da Unisinos) fazem doutorado em Barcelona. Aliás, para não fugir à regra, aqui também há uma colônia de gaúchos gente boa, sérios, competentes e amigos, como a maioria dos gaúchos que conheço. A Léia Portella foi quem me socorreu logo que cheguei a Barcelona, meio perdido. Ela apresentou-me a vários brasileiros ligados à APEC. Através deles conheci a Renata (portuguesa) e o Juan (uruguaio), ambos arquitetos fazendo doutorado na UPC, com quem divido piso (apartamento). Aqui você pode compartir un piso, ou locar una habitación (um quarto dentro de um apartamento). O termo apartamento é empregado para locais de encontros românticos ocasionais. Portanto,Uma tomada do Monument a Colom. (Foto: André Argollo) ao vir para cá, busque un piso o una habitación – e um apartamento, quando for o caso!

Através da APEC acabei me instalando bem e me entrosando rapidamente à vida acadêmica da UPC. Quem me apresentou a Léia Portella? O André Blanco (e aí velhinho!) – que ainda não a conhece pessoalmente, mas somente por telefone. O André é arquiteto, professor da Unimep, e faz doutorado na Unicamp sob minha orientação. É antes de tudo um grande amigo. Já esteve várias vezes em Barcelona e conhece alguns professores do departamento da Léia. Um pouco antes do meu embarque, ao telefonar para o professor Mercadé (UPC), ele acabou falando, por acaso, com a Léia. Disse-lhe que um amigo iria procurá-la – este era eu – e foi como as coisas se ajeitaram. Aqui as coisas são bem assim: há que se contar com a ajuda dos amigos! Parte do doutorado do André será desenvolvida em Barcelona. Estudamos conceitos de Arquitetura Rural e aplicações da engenharia de empreendimentos sustentáveis em ecovilas, agrovilas e bairros ecológicos.

Quando não se conhece bem um lugar, tudo parece mais complicado. Assim foi minha experiência para comprar dois botijões de gás de cozinha. Levei 3 dias para conseguir fazê-lo. No primeiro dia, de manhã, após combinar com o Juan (colega de piso) que eu compraria os botijões, fiquei esperando o caminhão passar. Se você tem gás encanado, ótimo. Se não tem, há de comprar botijões como fazemos no Brasil. Mas é um pouco diferente: a empresa distribuidora só entrega em sua casa mediante um contrato em que o cliente se responsabiliza pelo bom uso do gás, e outros termos que não vêm ao caso agora. Outra opção é comprar direto de distribuidores terceirizados que circulam pela cidade com caminhões llenos de bongonas. São uns caminhõezinhos pequenos que não tocam aquelas irritantes músicas que nos torturam psicologicamente.

Não demorei para sacar que o caminhãozinho passa e se você não se manifesta – um abraço! Gás só no dia seguinte. Fiquei esperando quase a manhã inteira, e nada. No segundo dia, procurei me informar sobre o roteiro dos caminhõezinhos – e pô! Minha casa fazia parte do itinerário! Mas nada deles passarem. Descobri uma pracinha em que um desses caminhõezinhos llenos de bongonas ficava estacionado. De lá, o motorista e um ajudante, com carrinhos manuais de carga, levavam os botijões até o piso dos clientes que se manifestavam. O caminhão ficava fechado até que eles voltassem com seus carrinhos de mão vazios para encher com mais botijões. Esperei-os voltar e disse-lhes que queria comprar dos bongonas de gas butano. O motorista me disse que havia passado pela minha rua de manhã e não havia vendido ninguna bongona – e que não voltaria lá, só no dia seguinte! Isso porque estávamos a 3 quarteirões da minha rua!

Posso estar sendo precipitado, mas tenho notado que o atendimento ao cliente não éCasa Amatler (Foto: André Argollo) uma das vantagens competitivas que os catalães possam apresentar. Finalmente no terceiro dia, voltei à pracinha e esperei o ajudante do motorista voltar ao caminhãozinho. Solicitei dos bongonas e o acompanhei até o meu piso para não correr o risco de ficar sem gás. O entregador era um paquistanês que vive em Barcelona há 4 anos – provavelmente clandestinamente –; é o que mais tem por aqui: estrangeiros clandestinos; inclusive, brasileiros. E como não poderia deixar de ser, neste terceiro dia, quando eu estava chegando ao meu piso acompanhado do paquistanês e seu carrinho de mão lleno de bongonas de gas, o que vejo estacionado em frente ao meu prédio? Sério; juro que é verdade: outro caminhãozinho de gás! Parece sacanagem mas, quando você quer, não aparece um. Quando você desencana, aparece um monte.

No segundo dia do processo de compra de dois botijões de gás, fiquei esperando o caminhãozinho na calçada defronte ao meu edifício. Existem nesta calçada vários pequenos comércios, entre os quais um café. Não poderia ser mais adequado: eu tomo um cafezinho expresso, enquanto espero o caminhão de gás que certamente chegará e estacionará em frente ao meu prédio (onde estarei tomando café) para me oferecer gás butano! Certo? Foi o que fiz. Entrei no café e pedi um expresso – para ler (em catalão) o jornal e esperar o gás. O meu fabuloso sotaque de não sei o quê com qualquer coisa costuma chamar a atenção das pessoas que reconhecem o meu esforço para falar espanhol. Assim é que o Mohamed, gerente do café, me perguntou se eu era italiano. – Não, eu respondi. Sou brasileiro! (...) de estatura mediana / gosto muito de fulana / mas sicrana é quem me quer... – esta é a letra de uma canção muito legal dos anos 70 – de autoria de Edu Lobo.

E por falar em anos 70 e em ser brasileiro, perguntei ao Mohamed se ele gostava deCasa Batló (Foto: André Argollo) futebol. Mais ou menos, disse-me ele. Porém ressaltou que nunca se esquece da seleção de 70 na Copa do México. E acreditem! Mohamed, que nem curte futebol, escalou a seleção inteirinha: Felix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo, Clodoaldo, Gerson, Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino. De fato esta seleção fez história. Mohamed é um marroquino que viveu 10 anos em Paris depois foi para Barcelona onde está há quase outros 10. Ao perguntar meu nome, lhe disse: André, como se diz na França. E o Mohamed: sim, claro; André. Finalmente ouvi meu nome ser pronunciado corretamente. Nada de Andrê, ou Andres, ou Andrea como os italianos (viu Andréa?! – esta é para a Andréa da Facamp, que não se conforma com o fato do seu nome significar o feminino de André – que quer dizer Homem). Terminei meu café e o caminhão não chegou.

E por falar em seleção de 70, peço à Andréa que diga à professora Liana que o Mercat Sant Josep – ou La Boquería – é mesmo um show de bola. Fica defronte à Rambla Sant Josep. Barcelona possui mercados fascinantes distribuídos por vários bairros, alguns merecedores de uma visita sem pressa. É o caso do La Boquería nas Ramblas; construído em meados do século 19. Trata-se de um pavilhão em estrutura metálica cuja fachada, espremida entre dois edifícios, lembra uma pequena estação de trens. Lá podemos apreciar as delícias que encontramos por exemplo no Mercado Municipal de São Paulo. E como em Sampa, aqui também o gostoso é fazer uma boquinha num dos movimentados pontos de produtos alimentícios existentes no mercado; principalmente naqueles que vendem frutos do mar ou, preferencialmente (na minha opinião), embutidos – entre os mais diversos tipos estão os saborosos jamon del paese – a Espanha é a terra dos embutidos! Outro mercado digno de nota, não pelas iguarias mas pela arquitetura e pela própria localização é o Mercat Sant Antoni construído em 1882, também em estrutura metálica. Este fica no cruzamento da Ronda Sant Pau com a Ronda Sant Antoni, ao lado da estação de metrô Sant Antoni. Como disse anteriormente, são vários os cantos e recantos encantadores que esta cidade tem, que se torna difícil, ao descrevê-la, não sermos repetitivos, redundantes... ou mesmo cacofônicos!

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André Argollo é engenheiro civil, mestre em engenharia agrícola, doutor em arquitetura e urbanismo e professor livre docente da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp. Assumiu uma cátedra junto ao Departamento de Urbanisme i Ordenaciò del Territori da Escola Tècnica Superior d’Arquitectura de Barcelona - Universitat Politècnica de Catalunya (ETSAB-UPC), onde ficará até dezembro, desenvolvendo trabalhos sobre “Arquitetura Rural”, pelo Programa Cátedras Unicamp & Universidades Espanholas.

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