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Comentário: Identidade e
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Artigo:Governo e trangênicos
Ana Fonseca
Geologia médica
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Entrevista: Edgar de Decca
Sérgio Buarque
Petróleo em Ilhabela
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ARTIGO

O governo na
arapuca
dos transgênicos


Mohamed Habib

Em outros momentos tive a oportunidade de denunciar pressões de setores preocupados com ganhos imediatos às custas do desenvolvimento nacional, da saúde e do meio ambiente, forçando o Governo Federal a autorizar, por uma Medida Provisória, a comercialização da soja transgênica "Maradona", plantada criminosamente no país, a partir de sementes contrabandeadas da Argentina. Sem estudos nem relatórios de impacto ambiental, e em desobediência à decisão judicial, produtores rurais cultivaram grandes áreas de soja transgênica no Brasil, visando com isso criar fatos consumados. Para completar a imoralidade, ninguém obedeceu a mesma medida provisória que exigia a rotulagem dos produtos que utilizaram tais grãos transgênicos, pelo menos para dar ao consumidor o direito de escolha. Hoje os mesmos lobos entram em ação novamente, levando o governo a entrar na arapuca dos transgênicos, e a autorizar, através da Medida Provisória 131, o plantio da soja É com profunda tristeza ver isso acontecer, pois trata-se de uma MP que contém tudo o que a multinacional sonhava. Nem sequer garantiu-se a produção de sementes convencionais para o próximo ano agrícola, deixando que o fato, a ser consumado, matasse sozinho a economia agrícola brasileira. Podem acreditar, no ano que vem ouviremos, do próprio governo, que a soja transgênica será autorizada, devido à falta de sementes convencionais para o plantio.

Há muitos inocentes neste jogo de cartas marcadas, incluindo agricultores, alguns parlamentares e alguns membros do governo. Por outro lado, os lobos, vestidos de cordeiros, foram muito mais espertos. Repetiram o mesmo discurso, repleto de mentiras, e convenceram o governo de que os transgênicos não representam impactos para a saúde, para o ambiente ou para a economia brasileira. O governo aceitou pressões políticas e negou argumentos científicos. O governo cedeu às pressões dos poderosos vivos e esqueceu dos que ainda estão por nascer. É triste.

Caro vice-presidente da República, olhe para o povo argentino hoje com as suas 130.000 famílias de pequenos agricultores que já perderam suas terras nos últimos 7 anos (exatamente o tempo dos transgênicos naquele país vizinho). Pergunte aos argentinos, o que é que aconteceu com as empresas argentinas de produção de sementes? Quem ganha com a exportação da soja transgênica argentina, cultivada a partir de sementes patenteadas e monopolizadas por uma multinacional, que dominou todo o mercado, incluindo o pacote dos agrotóxicos usados? Será que isto não tem nada a ver com o empobrecimento e com a miséria que atingiu aquele país vizinho neste mesmo período?

Pergunte a eles, qual foi o impacto ambiental nesses anos dos transgênicos, como desenvolvimento de resistência, contaminação do solo, contaminação genética e redução na biodiversidade dos seus ecossistemas? Pergunte, ainda, sobre o envenenamento e os outros problemas na saúde da população rural. E, por favor, verifique se a soja transgênica é mais produtiva ou consome menos agrotóxicos que a soja natural, como andam dizendo os seus defensores.

A partir do ano 2001, a realidade argentina veio à tona. A soja transgênica consome mais herbicidas do que a soja natural. O consumo do agrotóxico glifosato, que foi de 28 milhões de litros na safra 97/98, passou para 56 milhões (98/99), alcançando os 100 milhões de litros na última safra. Como se isso não bastasse, a produtividade da soja transgênica é em média de 5 a 10% inferior à da natural. É desnecessário repetir, aqui, o impacto desses venenos no ser humano, no solo, nas águas, e na flora. O país perdeu, e a multinacional ganhou.

Nos primeiros anos, a multinacional que conta com mais de 70% do faturamento da soja argentina, não cobrava "royalties" dos produtores, vendia sementes e agrotóxicos com preços bem abaixo da média do mercado, o que levou à quebra do setor da produção de sementes convencionais. Nos últimos anos, no entanto, a empresa começou a cobrar os "royalties", e hoje os bancos estão perseguindo os produtores devedores. A tendência para o Brasil é a mesma.

A constante aplicação de glifosato nas lavouras de soja transgênica na Argentina, resultou no desenvolvimento de resistência em 15 ervas daninhas. Para contornar a situação, o lavrador hoje é obrigado a voltar a aplicar herbicidas mais venenosos, que supostamente o glifosato deveria substituir, como 2,4D, Atrazine, Paraquat e outros.

No Brasil, o desejo da mesma multinacional é faturar 80% do mercado da soja gaúcha, além de mais de 15% da paranaense; hoje garantido com a MP-131.

É natural que o produtor se preocupe com a sua sobrevivência e com o ganho da sua lavoura; e a multinacional também. No entanto, é obrigação do Estado se preocupar com a sustentabilidade do sistema. A remessa de lucros de multinacionais, junto com a sangria da dívida externa, inviabilizam a economia de qualquer país periférico e dificulta o seu desenvolvimento. O lucro da multinacional vai ser pago pela falência do setor nacional. Estamos repetindo os mesmos erros cometidos em décadas passadas, comprando gato por lebre.


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Mohamed Habib é professor de Ecologia e diretor do Instituto de Biologia da Unicamp

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