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Simpósio de nanoengenharia

reúne mais de 200 trabalhos
MANUEL ALVES FILHO

O professor Vitor Baranauskas em laboratório da FEEC: integrando as fronteiras da nanociência e da nanotecnologia para criar novos produtos



Numa palestra proferida em 1959 no encontro anual da American Physical

Society, o físico norte-americano Richard Feymann, futuro Prêmio Nobel, tratou de um tema que inquietou os seus pares. A certa altura da sua conferência, ele sugeriu que, no futuro, todo o conteúdo da Enciclopédia Britânica poderia ser armazenado na cabeça de um alfinete. A previsão arrancou risos do público presente. Quatro décadas depois, o prognóstico de Feymann ainda não se confirmou na prática, mas mostrou-se factível. Atualmente, especialistas de várias áreas já trabalham no nível do átomo, a menor parte da matéria. Usando conhecimentos e técnicas gerados pela nanociência e nanotecnologia, a nanoengenharia tem produzido materiais e equipamentos em escala equivalente ao bilionésimo do metro, que encontram aplicações em inúmeras áreas, como a medicina e a eletrônica, para citar apenas dois exemplos. Em outras palavras, os pesquisadores manipulam elementos extremamente pequenos, para atingir grandes objetivos.

O avanço das fronteiras da engenharia na geração de produtos em escala nanométrica foi o tema do Simpósio Internacional de Nanoengenharia, que reuniu na Unicamp, nos dias 2 e 3 de outubro, cientistas, estudantes, empresários e investidores brasileiros e estrangeiros. O evento, conforme seu coordenador, o professor Vitor Baranauskas, da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação (FEEC), foi uma oportunidade única para que esses atores pudessem trocar experiências. Ao todo, foram apresentados 220 trabalhos em diversas áreas, como a de nanosensores, nanomedicina e nanorobótica. Entre as delegações que estiveram representadas no encontro, destaque para as dos Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra, Israel, Porto Rico, Lituânia e Nigéria.

Na abertura dos trabalhos, Baranauskas anunciou a criação de uma sociedade de nanomedicina e de nanotecnologia, que será presidida por ele e que já nasce com 150 membros. O primeiro inscrito é o físico César Lattes, professor emérito da Unicamp. Segundo o docente da FEEC, o objetivo da organização será facilitar o intercâmbio de informações entre os especialistas. Antes mesmo da divulgação desse e de outros resultados, o simpósio já havia obtido grande repercussão internacional, conforme Baranauskas. Duas editoras estrangeiras se ofereceram de forma antecipada para publicar o livro que sairá do evento. "Também surgiram propostas para que o encontro seja repetido, em data ainda a ser definida, na China ou nos Estados Unidos", revelou.

A nanoengenharia, conforme Baranauskas, tem por objetivo a integração das fronteiras da nanociência e da nanotecnologia para criar novos produtos. Ou seja, ela se vale das técnicas e conhecimentos gerados pelas outras duas áreas para conceber algo tangível, como um material ou equipamento. Por ser ainda uma ciência emergente no mundo todo, afirmou o professor da FEEC, é que o simpósio ganhou ainda mais relevância. Atualmente, como destacaram alguns dos participantes do evento, vários países têm ampliado os investimentos em nanociência e nanotecnologia. Os recursos globais, que eram da ordem de US$ 316 milhões em 1997, saltaram para US$ 835 milhões em 2002. A Alemanha, por exemplo, mantém atualmente centenas de centros de competência. Somente na área de nanoquímica são 113 unidades, compostas por empresas, universidades e instituições de pesquisa.

Em entrevista ao Jornal da Unicamp, em setembro de 2002, o físico Cylon Gonçalves da Silva, ex-professor da Unicamp, pesquisador do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) e um dos pioneiros da nanotecnologia no Brasil, afirmou que estimativas da Fundação Nacional de Ciência dos EUA dão conta de que o mercado mundial para produtos e processos baseados em nanotecnologia deverá movimentar, dentro de pouco mais de uma década, algo em torno de US$ 1 trilhão. "Assim como outros países, o Brasil precisa apostar no desenvolvimento da nanoengenharia. O intercâmbio entre pesquisadores nacionais e estrangeiros é uma iniciativa nesse sentido", explica Baranauskas.

Mas qual é o atual estágio das pesquisas nesse setor no Brasil? De modo geral, existe a compreensão entre os especialistas de que o País dispõe de boa infra-estrutura e de pessoal altamente capacitado. Mas há, evidentemente, algumas dificuldades a serem superadas para torná-lo competitivo. Uma delas, como ficou claro em uma oficina sobre Nanociência e Tecnologia realizada em junho na Unicamp, é criar condições para que essas competências sejam somadas. Na ocasião, o reitor Carlos Henrique de Brito Cruz destacou a necessidade da criação de um programa nacional que supere os objetivos meramente acadêmicos. "Fazer ciência é importante, mas precisamos ir além", defendeu naquela oportunidade.

Exemplos dessa "ousadia" podem ser encontrados na própria Unicamp, que mantém diversas linhas de pesquisa baseadas em nanociência e nanotecnologia, em diferentes áreas do conhecimento. Na própria FECC, o professor Baranauskas e sua equipe dedicam-se, entre outras atividades, ao desenvolvimento de nanotubos de diamantes. Eles podem ser aplicados, por exemplo, em próteses ortopédicas. Além de mais resistentes, esses materiais apresentam maior biocompatibilidade do que a platina ou o titânio, usados atualmente para a produção de pinos e parafusos.

Outro exemplo é participação da Universidade no projeto de construção de um manipulador robótico controlado por computador, para ser empregado em cirurgias minimamente invasivas ou nas realizadas a distância, como as osteotomias (secção cirúrgica de um osso) e laparoscopias, principalmente as de joelho. O trabalho, que conta com financiamento da Fapesp, está sendo desenvolvido pelo professor Alberto Cliquet, do Departamento de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas (HC), em conjunto com integrantes do Departamento de Engenharia Elétrica da USP de São Carlos. Ainda no âmbito da Unicamp, há pesquisas relevantes nas faculdades de Engenharia Química, Engenharia Mecânica, Engenharia de Alimentos e no Instituto de Física, cujas aplicações podem trazer grandes benefício para a sociedade.

Fora do Brasil, onde os estudos e experimentos estão mais avançados, essas aplicações já ganham contornos do que poderia ser considerado, há algum tempo, como mera ficção científica. De acordo com o professor Baranauskas, nos Estados Unidos a medicina está lançando mão de sensores namométricos presentes numa pílula. A pequena cápsula, depois de ingerida, percorre todo o organismo da pessoa e promove uma série de análises clínicas, podendo inclusive gerar imagens. Esses dados são transmitidos para um equipamento preso à cintura da pessoa.

Depois, as informações são encaminhadas ao médico, que terá na tela do computador um diagnóstico preciso sobre a situação do seu paciente. Com isso, é possível identificar, entre outras coisas, uma célula inicial na qual viria a se instalar um tumor. Ainda não se trata de transferir todos os volumes da Enciclopédia Britânica para a cabeça de um prosaico alfinete, como profetizou Richard Feymann, mas certamente é um grande e irreversível passo nessa direção.

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