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Raios cósmicos
 

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No universo dos raios cósmicos

MANUEL ALVES FILHO

O professor Carlos Escobar, coordenador da equipe brasileira: rigor na análise dos dados (Foto: Antoninho Perri)Durante muito tempo, os cientistas dedicados às pesquisas com raios cósmicos fizeram de tudo para tentar desvendar alguns dos mistérios que envolvem essas partículas de altíssimas energias que alcançam rotineiramente a Terra: escalaram montanhas, percorreram pontos inóspitos do planeta e voaram em balões de ar quente, apenas para citar alguns exemplos. Atualmente, os pesquisadores já não precisam demonstrar aptidão para os esportes radicais para desenvolver seus estudos. Que o digam os cerca de 250 especialistas de todo o mundo, 25 deles brasileiros, que trabalham no Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos, um empreendimento científico internacional instalado numa área semidesértica da província de Mendoza, na Argentina. Composto por uma parafernália de equipamentos eletrônicos de última geração, esse laboratório a céu aberto está proporcionando novas técnicas de análise que, acredita-se, permitirão compreender melhor esse fenômeno astrofísico e, conseqüentemente, a própria origem do universo.

Consórcio reúne cientistas de 18 países

Tanque detector de partícula do Observatório Pierre Auger de Raios Cósmicos: análises em laboratório a céu aberto permitirão compreender melhor a origem do universo (Foto: Divulgação)O Pierre Auger é resultado de um consórcio que reúne 18 países, entre eles o Brasil. O observatório, que terá consumido um investimento de US$ 47 milhões até a sua conclusão, prevista para meados de 2006, opera com pouco mais de 50% da sua capacidade. Mesmo funcionando parcialmente, afirma o coordenador da parte brasileira do projeto, o professor Carlos Escobar, do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, o complexo científico tem gerado novos conhecimentos sobre os raios cósmicos. Tanto é assim que no último congresso internacional sobre o tema, realizado recentemente na Índia, 60% dos trabalhos apresentados tiveram origem nos estudos realizados no sítio de Mendoza. “Imagine, então, o que não ocorrerá quando estivermos operando a plena carga?”, indaga o docente.

A despeito desse novo volume de informações acerca das partículas de alta energia, Carlos Escobar prefere ser cauteloso. De acordo com ele, a ciência ainda está relativamente longe de descobrir como e onde os raios cósmicos são gerados e que trajeto eles percorrem antes de chegar à Terra. “Embora estejamos em busca de resultados, tenho insistido para que não tenhamos pressa em tirar conclusões sobre esses aspectos. Penso que devemos ser rigorosos na apuração e análise dos dados. Não podemos correr o risco de divulgar informações que tenham que ser posteriormente retificadas”, pondera. Embora os raios cósmicos continuem representando um enigma, eles não são totalmente desconhecidos pelos pesquisadores.

Sabe-se, por exemplo, que ao colidirem com a atmosfera terrestre, a cerca de 10 mil metros acima da superfície do planeta, os raios cósmicos despedaçam-se e formam uma chuva de partículas. Estas têm energia equivalente a 50 joules, algo como a velocidade de uma bola de tênis que acaba de ser arremessada por um tenista. Mas por que, afinal, é tão importante para a ciência conhecer ainda mais esse fenômeno? Segundo Carlos Escobar, se os pesquisadores descobrirem como são gerados e de onde vêm os raios cósmicos, eles possivelmente terão uma maior compreensão, por exemplo, acerca do big bang, a grande explosão que teria dado origem ao universo, conforme uma das teorias mais aceitas pela Física.

Além disso, acrescenta o professor do IFGW, ao conhecer como essas partículas são naturalmente aceleradas, os cientistas poderão, eventualmente, reproduzir o fenômeno em laboratório, o que inauguraria uma nova fase para o estudo de mecanismos de aceleração. O professor lembra que as tecnologias disponíveis atualmente nessa área, como os síncrotrons, estão com os dias contados. Isso porque os aceleradores são equipamentos enormes, que exigem altíssimos investimentos e disponibilidade de espaço. “Não é possível imaginar que, para avançarmos nesse segmento, tenhamos que construir um acelerador com 100 quilômetros de diâmetro”, explica Carlos Escobar.

Mergulho na água – O Observatório Pierre Auger ocupa uma área de 3 mil quilômetros quadrados, onde estão espalhados 1.600 tanques detectores de superfície (900 operando) e 24 telescópios (18 em funcionamento). Toda essa parafernália tecnológica, somada a sofisticados equipamentos de comunicação e de informática, permitirá aos pesquisadores identificar os raios cósmicos, bem como analisar e interpretar os dados relativos à sua composição e comportamento. Isso será possível, esclarece Carlos Escobar, porque os cientistas partem de uma técnica híbrida de observação. Funciona assim: com o auxílio dos tanques detectores, que estão cheios de água com altíssimo grau de pureza, esses caçadores de enigma “capturam” as partículas que chegam à superfície terrestre. Ao entrarem em contato com o líquido, elas produzem uma radiação azulada, que é registrada por fotossensores.

Paralelamente, os telescópios também registram a radiação e a intensidade da chuva de partículas. Em seguida, por meio do sistema de comunicação, as informações geradas tanto pelos tanques quanto pelos telescópios são imediatamente cruzadas, o que gera uma massa de dados extremamente rica. A partir daí, tem início o trabalho de análise e interpretação das informações por parte da equipe de pesquisadores. “Ainda é cedo para dizer qualquer coisa conclusiva, mas creio que é possível afirmar que os resultados preliminares dos estudos indicam que acertamos ao apostar nesse empreendimento. Ao propor novas técnicas de análise, o Pierre Auger certamente nos proporcionará conhecimentos importantes para algumas áreas da Física”, afirma o coordenador da parte brasileira do projeto.

De acordo com Carlos Escobar, além do sítio argentino, o Observatório Pierre Auger, uma iniciativa do físico norte-americano James Cronin, ganhador do prêmio Nobel em 1980, também deverá contar com um outro laboratório a céu aberto nos Estados Unidos, a ser instalado no estado do Colorado. A execução do novo empreendimento, todavia, vai depender muito dos resultados obtidos pelo complexo sul, como reconhece o professor do IFGW. “Se conseguirmos bons resultados, isso certamente convencerá as agências de fomento a investir na segunda etapa do projeto, já que isso indicaria a necessidade e a viabilidade de cobrirmos o céu como um todo”, diz. A participação brasileira no Auger conta com um investimento de aproximadamente US$ 2,5 milhões, bancado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).

No terreno das hipóteses

Uma controvérsia que o Observatório Pierre Auger poderá eventualmente ajudar a solucionar diz respeito ao chamado corte GZK, sigla formada pela primeira letra dos sobrenomes dos cientistas Kenneth Greisen, George Zatsepin e Vadem Kuzmin. O trio postulou, em 1966, que os raios cósmicos com energia superior a 5 x 1019 eV seriam absorvidos à medida que viajassem pelo espaço e que, por isso, jamais seriam observados na Terra. Atualmente, conta o professor Carlos Escobar, há um grupo formado por japoneses que sustenta que o tal corte não existe. Os asiáticos asseguram, inclusive, que possuem evidências que indicariam quais fontes seriam geradoras desses raios. Por outro lado, uma corrente constituída por cientistas norte-americanos defende a existência do GZK. Estes dizem não ter identificado qualquer evento dessa natureza nessa faixa de energia. “Nós, do Pierre Auger, estamos no meio do caminho entre uma hipótese e outra. Esperamos que os futuros estudos nos ajudem a descobrir qual das duas proposições está certa”, conclui o docente da Unicamp.

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