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Jornal da Unicamp - Novembro de 2000

Página 10 e 11

ARTIGO

A questão do aumento
de vagas da Unicamp

Idéias para uma reestruturação do ensino de graduação

Este artigo aborda dois aspectos interligados do ensino da graduação: o ensino que oferecemos e a quantos oferecemos. As considerações feitas aqui são fruto de numerosas e exaustivas discussões de um grupo de professores que, preocupados com o futuro da Unicamp e do País, vem se reunindo regularmente desde março de 1999. Este texto não tem a pretensão de esgotar o tema e, muito menos, de apresentar alguma receita mágica. Nossa intenção é a de promover um grande debate com a comunidade universitária, e a sociedade em geral, sobre os desafios que se colocam ao ensino superior público no Estado de São Paulo e as possíveis vias de solução

FÓRUM DE REFLEXÃO UNIVERSITÁRIA

Não há como negar que o número de estudantes nos cursos de graduação das universidades públicas paulistas é muito baixo. No Estado de São Paulo, apenas cerca de 15% dos jovens entre 18 e 24 anos freqüentam instituições de ensino superior, o que representa aproximadamente 680 mil estudantes (matrículas de 1998). Destes, só 123 mil estudam em instituições públicas paulistas (federais, estaduais e municipais). A Unicamp tem atualmente em torno de 11 mil alunos de graduação e 11 mil de pós-graduação para um total de 1.850 professores. Nas duas outras universidades estaduais paulistas a relação entre o número de alunos e docentes é parecida. Com base nestes números, não seria extravagante que políticos, formadores de opinião e público em geral concluíssem que, pelo menos neste aspecto, os objetivos da universidade pública não estão sendo atingidos.

Neste contexto, o objetivo de aumentar significativamente, digamos quadruplicar, o número de estudantes de graduação seria razoável, e até modesto. É muito provável que existam inúmeros jovens, sobretudo nas classes menos favorecidas, com talento e disposição para realizar estudos de nível superior mas que, atualmente, são barrados pelo sistema de ingresso. A questão que se coloca, então, é se seria possível viabilizar um aumento do número de vagas em tais proporções.

Atualmente as universidades paulistas gastam em torno de 10% do ICMS líquido do governo do Estado, essencialmente para pagamento de pessoal. Mantendo o sistema atual, quadruplicar o número de estudantes significaria quadruplicar o número de docentes e funcionários, além das instalações e laboratórios, o que significaria quadruplicar este percentual. Obviamente, nada parecido com isso seria viável. Outra possibilidade seria quadruplicar a carga didática de todos os docentes. A atual Lei de Diretrizes e Bases exige um mínimo de 8 horas-aula por semana para cada docente, número já quase atingido na Unicamp, onde a carga didática média é de 5,3 horas por semana. Ainda que haja espaço para um pequeno aumento da carga didática, a multiplicação por quatro do número de alunos elevaria a carga didática para 21 horas-aula por semana por professor. É evidente que isso inviabilizaria totalmente a pesquisa dentro de nossas universidades. Mesmo aumentos menos significativos de carga horária para os docentes colocariam as atividades de pesquisa e extensão em sério risco.

Parece, portanto, que nos deparamos com um problema sem solução. A Universidade pública não pode deixar de fazer pesquisa. Mais ainda, não pode deixar de incrementar sua capacidade de pesquisa, dados os desafios do mundo contemporâneo. Cabe aqui uma reflexão sobre a importância da pesquisa no contexto brasileiro. É evidente que a pergunta "que tipo de pesquisa?" merece ser amplamente debatida. Contudo, independentemente da resposta, não há dúvidas de que a pesquisa deve ser de qualidade. Ela pode ter maior ou menor utilidade imediata, do ponto de vista social, mas pesquisa sem qualidade é sempre inútil. A pesquisa será essencial para enfrentarmos os problemas que o século XXI nos apresenta em todos os campos. Mesmo na área de saúde, onde uma grande parte dos problemas atuais da população brasileira se resolveriam com saneamento, alimentação e bom senso, o novo século nos desafia com os "novos dramas" das doenças emergentes, dos germes oportunistas resistentes a fármacos, das doenças degenerativas da crescente população idosa e das múltiplas implicações da terapia gênica. Seria suicídio o país se auto-condenar a uma posição de cliente ignorante em relação à nova ciência e tecnologia, pois clientes ignorantes pagam mais caro, compram mal e são mal atendidos. A situação é ainda mais premente no campo das ciências humanas. Os tremendos problemas sociais que enfrentamos requerem não apenas vontade política e mudanças econômicas, mas também compreensão das circunstâncias e dos fatores do atraso. Olhar a realidade de maneira objetiva e científica não é uma condição suficiente para a resolução dos problemas mas é, certamente, uma condição necessária. Pseudo-soluções simplistas apenas perpetuam a frustração e o desânimo.

Procuraremos demonstrar que a quadruplicação do número de vagas é necessária, viável, útil e não-onerosa. Deve-se enfatizar que ela não se contrapõe às necessidades de manutenção e do incremento da pesquisa. Pelo contrário, um aumento da população estudantil, num ambiente mais desafiador, poderia contribuir para a multiplicação de novos (e menos conformistas) talentos, sobretudo se eles provêm de famílias com menor poder econômico, onde a busca da ascensão social através do aumento da escolaridade deve se manifestar mais fortemente. Não se propõe aqui um aumento do orçamento, mas se ele ocorresse seria bem-vindo e simplesmente elevaria nosso objetivo em termos de multiplicação de vagas. Também não se propõe aumentar a carga didática dos professores. O que propomos aqui talvez seja muito mais difícil, pois implica uma mudança de atitudes e de estruturas. Uma mudança cultural é sempre mais difícil de se operar.

Inchaço de disciplinas – Todos os cursos de graduação estão inchados de disciplinas desnecessárias. Um estudante de Física ou de Matemática, por exemplo, começa sua vida universitária com um semestre de seis disciplinas. Duas delas (digamos, Cálculo I e Física I) seriam suficientes para preencher a atividade intelectual de um estudante durante 8 horas por dia, com reflexão, atividades participativas e consolidação de estruturas mentais de aprendizagem. Todavia, existem 4 disciplinas adicionais que, longe de complementar a aprendizagem do fundamental, apenas inundam o estudante com conteúdos marginais, mais ou menos cobrados em infinitas provas, "provinhas" e relatórios. Isto não significa que "as outras 4 disciplinas" deveriam ser sumariamente eliminadas, mas sim que as duas disciplinas fundamentais deveriam ser modificadas para incorporar o básico "das outras 4" com eliminação radical, isso sim, do que é marginal. A dificuldade para fazer isto é enorme, pois todo professor universitário tem tendência a pensar que o fundamental é aquilo que ele ensina e sabe, e o marginal aquilo que ensinam os outros, o que explica porque as modificações curriculares freqüentemente acrescentam disciplinas e raramente as eliminam.

Os professores universitários sabem das conseqüências do inchaço de disciplinas, sobretudo nos primeiros semestres. Quantos dos estudantes aprendem o essencial e o marginal, independentemente de terem sido aprovados ou não? Este fenômeno se percebe nos próprios curricula das diferentes carreiras. Os mesmos conteúdos são muitas vezes repetidos em duas, três ou até quatro disciplinas, com a vã esperança de que alguma vez sejam incorporados pela maioria. O fenômeno se estende por vezes até a pós-graduação, onde muitos conteúdos básicos são novamente repetidos.

Todos sabemos, entretanto, que a aprendizagem não decorre da contemplação passiva de inúmeros professores "dando aula". Isto é apenas uma etapa da aprendizagem, necessária para alguns e quase dispensável para outros, mas de maneira nenhuma considerada a fundamental. O que verdadeiramente sustenta a aprendizagem é a prática do estudante indagando, refletindo, resolvendo problemas e batalhando com suas próprias armas diante dos novos conteúdos. Mas, para isso, ele precisa de tempo, além de um sistema de cobrança sério, que suponha que a batalha da reflexão foi travada e que seus frutos devam ser visíveis.

A "aula teórica" não deve ser dispensada, embora não precise ser de presença obrigatória. Seu objetivo é o contato do professor com os estudantes. O professor ainda é a melhor forma de audiovisual. Daí o relativo fracasso dos métodos eletrônicos de ensino à distância, sempre anunciados com alarde ao advento de cada novo meio de comunicação, desde os antigos cursos por correspondência, passando pelo rádio na década de trinta e pela televisão na de cinqüenta, até a ubíqua Internet nos dias de hoje. Mas a proliferação de aulas teóricas (24 horas por semana para os ingressantes em Física ou Matemática) é contraproducente. Oito horas de aulas teóricas por semana deveriam ser suficientes para o professor apresentar o conteúdo fundamental das disciplinas de um semestre e marcar o ritmo, a cadência da disciplina.

As aulas teóricas seriam complementadas com "aulas práticas", que não deveriam ser chamadas de "aulas", para não degenerarem em exposições na lousa. Podemos denominá-las "atividades participativas", que não devem ser confundidas com "laboratoriais" nem com "computacionais". Trata-se da prática de usar o cérebro, não o "mouse". Nestas atividades, os estudantes resolveriam problemas e tirariam as dúvidas com instrutores específicos da disciplina. Em muitos casos a participação nas atividades participativas também poderia ser livre. Não está excluído que vários instrutores possam ser professores, já que muitos professores têm mais vocação para essa atividade do que para as aulas "teóricas". Entretanto, os instrutores deveriam ser, em sua maioria, estudantes de pós-graduação devidamente orientados pelos professores nestas tarefas. Não se trata aqui de uma questão de senioridade, mas de vocação.

O envolvimento dos estudantes de pós-graduação nas atividades de ensino mais básico é importante por diversas razões. Nenhuma delas refere-se à carência de professores, ou ao aviltamento da força de trabalho. Se houver mais professores, teremos mais instrutores-estudantes e admitiremos mais estudantes nos cursos básicos. Os estudantes de pós-graduação precisam ser instrutores dos cursos básicos, em primeiro lugar, como parte da sua própria aprendizagem. Em segundo lugar, como elemento útil na aprendizagem dos alunos, para realizar a ponte entre estes e o professor. Em terceiro lugar, para alimentar o professor com as dúvidas e dificuldades dos alunos.

Multiplique-se este esquema por todos os semestres de uma graduação, incorporem-se as particularidades dos diversos cursos (atividades assistenciais, laboratórios, etc.) e chegaremos à conclusão de que é possível atender quatro vezes o número de alunos que atendemos hoje, multiplicando por quatro a eficiência, sem aumentar o número de horas-aula por docente.

O homem e o cidadão – A superabundância de disciplinas nos cursos de graduação tem sido alimentada pelo amor dos professores pelas próprias áreas, pelo conservadorismo, por uma certa dose de desconhecimento (é preciso um profundo conhecimento do assunto para saber o que é essencial e o que pode ser descartado) e por previsões fantásticas sobre futuros mercados de trabalho. Não sabemos o que acontecerá no "mercado de trabalho" daqui a dez anos, mas fingimos saber com todo detalhe o que nossos alunos precisam estudar para se adaptarem ao mesmo. Como conseqüência, os estudantes são afunilados nas suas especialidades desde o começo, a mudança de área é dificultada e a interdisciplinaridade não passa de uma bela declaração de intenções.

Formamos físicos e engenheiros que interromperam no colégio o estudo sistemático da filosofia, da literatura e da socie-dade, alijando-os de uma participação ativa, informada e crítica no desenvolvimento futuro do país. Da mesma maneira, formamos sociólogos, historiadores, economistas e humanistas que interromperam no colégio o estudo sistemático dos rumos da ciência e da tecnologia, alijando-os de um debate fundamental sobre os rumos da sociedade contemporânea. Promovemos o desenvolvimento de somente algumas dimensões do indivíduo, visando o mercado de trabalho, abdicando do nosso papel na formação do homem e do cidadão. Precisamente durante aqueles anos em que o indivíduo deveria se formar e, para isso, dedicar-se à leitura e ao debate das idéias, quando está mais disposto, disponível e apto para formar uma visão integrada do seu mundo, nós o canalizamos nos corredores estreitos do curriculum mínimo. Em nome dos ganhos da especialização, privamos os nossos alunos das ferramentas imprescindíveis para o exercício de sua individualidade e de sua cidadania.

Os novos curricula, depurados da enorme quantidade de conteúdos marginais que agora os ornamenta, reduzidos nas suas aulas teóricas a não mais de 8 horas semanais e complementados com atividades participativas em todas as disciplinas, deveriam incluir janelas para as demais grandes áreas do conhecimento, como condição sine qua non para a formação de verdadeiros universitários. Sob a forma de seminários ou aulas não convencionais, estudantes de ciên-cias exatas deveriam ter a oportunidade de complementar sua formação com conteúdos de ciências humanas e biológicas, e vice-versa. Também isto não deveria onerar a Universidade nem implicar novas contratações. Nada impede que nessa "formação cruzada" a participação de estudantes de pós-graduação seja decisiva. De novo, isto seria muito útil para a formação de tais estudantes.

A ínfima quantidade de alunos que hoje são admitidos nas universidades faz com que vejamos a chamada "evasão" com olhos alarmados. Admitimos poucos e ainda, em muitos cursos, não conseguimos "segurá-los". Isso nos faz sentir que estamos desperdiçando recursos, pois, nesta visão insumo-produto do ensino universitário, aluno que não se forma é dinheiro público jogado fora. As ações executadas hoje para diminuir a evasão são insuficientes e somente parcialmente eficazes. No novo sistema, a evasão continuaria existindo, pois é inevitável que o estudante deixe de estudar no momento em que sua vocação ou talento se revelem insuficientes para continuar. Mas a evasão deixaria de ser um drama, pois a abundância de alunos permitiria que muitos galgassem ao menos alguns degraus de cultura fundamental e universalista, o que já seria uma contribuição importante para a elevação geral do nível educacional da população. O choque da não obtenção do título final poderia ser amenizado com a introdução de diplomas intermediários. Acreditamos que o sistema de "cursos seqüenciais" da nova LDB poderá facilitar a implementação de mudanças neste sentido.

Entrada universal – Ao adotar, há três décadas, o "modelo norte-americano" de créditos, cursos semestrais, etc., a universidade brasileira deixou de absorver alguns dos mecanismos que flexibilizam aquele modelo, tais como a entrada universal sem definição prévia de curso, o curso "básico" (que já foi parte do "modelo Unicamp," mas se perdeu ao longo dos anos) e a possibilidade de migração de um curso para outro sem a repetição da via crucis do vestibular. Esse modelo foi implantado no mesmo período da criação dos cursos de pós-graduação. O resultado é que hoje, quando estes estão consolidados, o peso dos cursos de graduação como momento de formação disciplinar é naturalmente diminuído. Ninguém é sociólogo ou químico só com o título de graduação. A graduação em sociologia ou química qualifica para muitas atividades, mas fazer sociologia ou fazer química, como entendemos hoje, exige pós-graduação.

Parece consensual que chegamos a uma época em que a educação tem que ser um processo permanente, ao longo de toda a vida. A informação que se recebe na Universidade estará desatualizada em pouco tempo. O essencial então é "formar" a pessoa para pensar, questionar, identificar lacunas e necessidades para poder se adaptar. Então, voltamos à idéia de formação mais "universal."

Do ponto de vista das políticas imediatas, que ainda não envolvam mudanças drásticas, aquelas que apontam na direção das mudanças propostas deveriam ser apoiadas e estimuladas. Como exemplo, podem-se citar a eliminação de disciplinas e substituição das mesmas por aumento da carga horária de outras (computando aqui as horas de atividades participativas), o favorecimento de sistemas que permitam a escolha tardia da área de especialização (hoje apenas Física e Matemática permitem um ingresso desse tipo), a substituição de disciplinas obrigatórias de conteúdo marginal para a formação do estudante por disciplinas opcionais, com estímulo para que estas se realizem em outras grandes áreas do conhecimento, a inclusão dos estudantes de pós-graduação em atividades participativas, a definição de títulos intermediários de acordo com a quantidade de créditos cursados e a atribuição de créditos aos programas de Iniciação Científica.

É possível que nada venha a acontecer se não houver pressão social para que aconteça, pois a capacidade de mudança auto-motivada de instituições com elevado grau de corporativismo, como a nossa, é muito limitada. Mas devemos estar preparados para que essa pressão se manifeste, através da Assembléia Legislativa e da imprensa. A mudança poderá levar muitos anos, mas a preparação para a mesma pode ser imediata. Tal preparação poderia incluir estudos comparativos entre o Brasil e países da América Latina, América do Norte, Ásia (a Coréia pode ser um bom contraponto) e Europa, relativamente a percentuais de jovens em cursos de nível superior, correlação entre esses percentuais e percentuais no ensino básico e médio, correlação com índices de distribuição de renda, número de alunos, docentes e funcionários nas universidades dos diversos países, número de ingressantes e formandos, sistemas de assistentes de ensino, diplomas intermediários, programas de captação ("reach-out") de jovens talentosos, comparação de sistemas de ensino superior em geral, modalidades e abrangência de cursos noturnos e resultados de avaliações de qualidade de ensino.

Em resumo, consideramos que os nossos cursos são estreitos demais, formando alunos com pouca flexibilidade para um mundo cujo ritmo de mudança se acelera a cada dia. Deixamos de formar cidadãos para produzir especialistas cuja base de informação será obsoleta em pouco tempo. Ao repensar o conteúdo e a forma dos cursos de graduação, propondo idéias que talvez possam responder melhor aos desafios do novo século, vislumbramos a possibilidade de atender a uma outra demanda da sociedade, intra e extra-muros: a expansão das vagas nos cursos de graduação. Não só recusamos a idéia de que qualidade e grandes números são antagônicos, como acreditamos que o esforço para dar acesso a mais alunos resultará em melhor qualidade de ensino para todos.


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