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Quem vai zelar pelo Aquífero Guarani?

Tese prega revisão de dispositivos
jurídicos sobre domínio de recursos hídricos

MARIA ALICE DA CRUZ

Hildebrando Hermann (à esq.) e Wilson José Figueiredo Alves Junior: legislação precisa contemplar a proteção dos aquíferos (Foto: Antoninho Perri) As águas subterrâneas, como as do Aquífero Guarani, poderiam ficar sob responsabilidade dos Estados ou da Federação, assim como as superficiais, de acordo com o que dispõe a Constituição Federal, mas a questão do domínio gera polêmicas, já que os aquíferos podem ter prolongamentos além das fronteiras estaduais. Em sua tese “Modelo de gestão compartilhada de bacias hidrográficas e hidrogeológicas: estudo de caso – Aquífero Guarani”, defendida no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, o advogado, geógrafo e doutor em geologia Wilson José Figueiredo Alves Junior propõe pequenas reformulações na Proposta de Emenda Constitucional nº 43 (PEC 43), que tramita desde o ano 2000 no Congresso Nacional, visando alterar a dominialidade das águas subterrâneas na Constituição Federal.

De acordo com Alves Junior, a necessidade de revisão dos dispositivos jurídicos referentes ao domínio e gestão dos recursos hídricos subterrâneos implica uma nova política de águas no plano federativo com eventual alteração da Constituição Federal através da PEC 43/2000. Por enfrentar diretamente os aspectos contraditórios da legislação de recursos hídricos, agregando aspectos técnicos e jurídico-institucionais, a tese, orientada pelo professor do IG Hildebrando Hermann, foi solicitada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que, após análise de sua assessoria técnica, encaminhou ao relator da proposta para incorporá-la ao texto original da PEC.

O pesquisador revela que, embora sejam naturalmente indissociáveis no ciclo hidrológico, as águas superficiais e subterrâneas foram estabelecidas de forma divergente pela Constituição Federal. Após inúmeras discussões, o principal desafio é estabelecer uma legislação que contemple a proteção dos aquíferos transnacionais e interestaduais. Ele acrescenta que no ordenamento jurídico brasileiro, encontram-se lacunas e conflitos legais, “o que conduz a uma realidade inquestionável: a legislação brasileira de recursos hídricos subterrâneos possui falhas em sua redação, uma vez que a boa técnica ensejaria sanar tais dúvidas.”

Para o autor da pesquisa, embora sejam naturalmente indissociáveis no ciclo hidrológico, as águas superficiais e subterrâneas foram estabelecidas de forma divergente pela Constituição Federal (Foto: Antônio Sacarpinetti) Para Herrmann, o modelo de gerenciamento hídrico brasileiro necessita ser revisto e reconsiderado no campo legislativo. “O atual modelo, do ponto de vista legal, proporciona o estabelecimento de limites e fronteiras físicas no âmbito dos Estados, o qual se afigura como um processo de difícil aproveitamento e gerenciamento, já que a Constituição Federal atribui aos Estados a dominialidade das águas subterrâneas, permitindo que estas sejam utilizadas de forma desordenada, dando abertura para futuros acidentes ambientais de proporções incalculáveis.” A aprovação do novo texto, na opinião do professor, não deixaria dúvidas quanto a gestão das águas subterrâneas e a prevenção contra eventuais contaminações.

Herrmann lembra que o Sistema Aquífero Guarani, especialmente, tem estrutura transfronteiriça, adentrando pelo subsolo de oito estados brasileiros e mais três países (Argentina, Uruguai e Paraguai). Dessa maneira, o risco de contaminação pode ser um dos problemas decorrentes da falta de marco regulatório e de políticas públicas.

A preocupação em promover a efetiva tutela dos aquíferos interestaduais/internacionais está no fato de que um recurso influi no outro. “Por exemplo, a formação de lagos de barragens altera o nível piezométrico regional; a superexplotação de poços ocasiona o rebaixamento do lençol que alimenta nascentes e rios; o lençol freático garante perenidade aos rios durante as estações secas; os rios encaixados em fraturas alimentam aquíferos e a descarga/exutório dos aquíferos confinados alimentam rios”, explica Alves Júnior.

Ele acrescenta que embora as alterações previstas pareçam mínimas, elas transferem a dominialidade das águas subterrâneas dos Estados-membros para a União Federal. “O que já é bastante significativo”, reforça.

 

IG é referência em políticas públicas

De acordo com Herrmann, o IG tornou-se referência no estudo de políticas públicas para gestão de recursos. O tema geralmente é abordado por diferentes áreas ligadas à preservação e utilização de recursos naturais. “O IG é uma fonte de estudos nesta área. Tem professores e alunos que trabalham com questão de recursos hídricos, abordando políticas públicas, sobretudo com enfoque técnico, jurídico e social. Assim como o trabalho do Wilson, uma série de outras teses e dissertações abordando essa temática estão por vir. O Instituto tornou-se referência internacional na parte de políticas públicas para recursos hídricos”, acrescenta Herrmann.

 

Brasil adota sistema de gerenciamento francês

O Brasil segue a experiência francesa na gestão de recursos hídricos, baseado em comitês de bacia hidrográfica, os quais têm a difícil tarefa de suplantar os limites políticos municipais e estaduais, fortemente presentes nas políticas públicas e na gestão de recursos hídricos, segundo Alves Júnior. Na tese, ele mostra que a França em muito se distingue do Brasil, já que é uma república unitária, ao passo que o Brasil é uma república federativa, formada pela agregação dos Estados. Além disso, existe constitucionalmente dupla jurisdição sobre a água no Brasil: a Federal e as dos Estados da federação. Já a legislação francesa vale para todo o território.

Ele acrescenta que o caso brasileiro é mais complexo, em virtude da existência, por dispositivo constitucional, de águas estaduais e federais, além da competência privativa da União para legislar sobre águas (subterrânea e superficial). Outras diferenças – espaciais, sociais, econômicas e culturais, entre os dois países – fazem com que existam divergências geológicas: “Lá na França a experiência em bacias hidrológicas foi boa, porém, precisamos adequá-las às nossas realidades, já que no Brasil em razão da dupla dominialidade misturam-se rios federais e estaduais, o que é de difícil conciliação.”

Alves Júnior lembra que o Brasil oferece um mosaico hídrico diferenciado, amplo e complexo, com 12 regiões hidrográficas, o que leva, também, à intensificação dos problemas transfronteiriços. A França, por sua vez, apresenta apenas seis regiões hidrográficas. “Consequentemente, nesse viés, é preciso ter um sistema condizente com a realidade brasileira”, explica.

De acordo com o pesquisador, “aqui esse cenário ganha novos contornos: além de a bacia hidrográfica poder ter dois níveis (federal e estadual), precisamos contemplar as bacias hidrogeológicas nessa complexa legislação hídrica.”

 

Para orientador, atual modelo é ultrapassado

Para Herrmann, o trabalho do pesquisador, ao conjugar as áreas de geociências e jurídica permite um adequado equacionamento da nova proposta, segundo o qual o modelo ideal se perfaz no estabelecimento de um único domínio para as águas subterrâneas. “O atual modelo implementado pela política nacional de recursos hídricos apenas limita-se a integrar e articular a legislação da União com os Estados, em nada contribuindo para a independência e o estabelecimento de um modelo de gestão dos recursos hídricos genuinamente brasileiro, contemplando genericamente a bacia como um todo (hidrográfica e hidrogeológica).”

Alves Júnior ainda revela que apesar de possuir elevado nível de aceitação social e política por vários anos, o modelo francês ultimamente tem sofrido críticas. “Principalmente quanto ao fato de sua aplicação ao território brasileiro, pela sua complexa dimensão territorial e riqueza em bacias (hidrográficas e hidrogeológicas). Em especial pelas estruturas compartimentadas dos aquíferos que nem sempre coincidem com as estruturas superficiais (rios, lagos, e correntes d’água)”, reforça.

Para o pesquisador Alves Junior, a legislação precisa trabalhar à luz da realidade brasileira. “A natureza não pode se tornar refém de remendos legais, notadamente ao que se afigura emergencial. À vista disso, é preciso avançar no tema e propor um modelo mais adequado para as nossas realidades, o que parece ser um fenômeno inevitável.”


 
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