| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 360 - 28 de maio a 10 de junho de 2007
Leia nesta edição
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Artigo: Incrível Felowships
Colírio chega à indústria
Energia do sucroalcooleiro
Perfil - Fernando Galembeck
Juniores: líderes empreendedores
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Fernando Galembeck ao lado de um dos pés de cacau cultivados pelo cientista em sua casa no distrito de Barão Geraldo: "A pesquisa é uma atividade de altíssimo risco nem tudo sai como planejado"  (Foto: Antoninho Perri)

 

 

Reconhecido nacional e internacionalmente, docente do IQ diz
que fazer ciência no Brasil está longe do faz-de-conta

Galembeck, do pó
de pirlimpimpim ao
pigmento para tinta

CLAYTON LEVY

Fernando Galembeck ao lado de um dos pés de cacau cultivados pelo cientista em sua casa no distrito de Barão Geraldo: "A pesquisa é uma atividade de altíssimo risco nem tudo sai como planejado"  (Foto: Antoninho Perri)Os frascos de vitamina B12 usados como matéria-prima no laboratório farmacêutico onde o garoto Fernando Galembeck trabalhava como oficce boy, em São Paulo, na década de 1950, valiam muito. Tanto que eram guardados no cofre, de onde só saíam com ordem expressa do dono da empresa. Cada vez que ele olhava o farmacêutico-chefe ir até o cofre pegar os frascos, pensava: “se eu soubesse fazer vitamina B12, poderia me dar bem na vida”.

Galembeck não inventou nenhum elixir revolucionário, mas se deu muito bem como cientista. O sorriso discreto que lhe riscava a face no dia 15 de maio, quando recebeu das mãos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o prêmio “Almirante Álvaro Alberto”, uma espécie de Oscar da ciência e tecnologia, assinalou o capítulo mais recente de uma carreira de 40 anos, ao longo da qual orientou 28 teses de doutorado e 34 mestrados, sendo produzidas 16 patentes, 220 artigos e 1,3 mil citações em revistas indexadas. E consolidou uma certeza que vem desde os tempos de menino: ciência também gera riqueza.

Alguns dias antes de seguir para Brasília, num fim de tarde como outro qualquer, Galembeck sentou-se à cabeceira da mesa numa das incontáveis salas do Instituto de Química da Unicamp (IQ) e começou a falar. Num discurso pausado, reto e limpo, falou de quase tudo. No começo, ainda manteve o tom sóbrio e protocolar. Ao final de duas horas de conversa, porém, já contava anedotas e falava de coisas pessoais, como a paixão pelos quatro pés de cacau que ele mesmo plantou com seus filhos no quintal de sua casa, uma mini-reserva formada por dezenas de árvores frutíferas, plantas nativas e espécies do cerrado, como a pitoresca cagaita, cujo nome, aliás, decorre dos desarranjos intestinais que costuma provocar quando consumida em excesso.

Alegoria
Paulistano da Bela Vista, Galembeck descobriu que gostava de ciência ainda criança, lendo a obra de Monteiro Lobato. “O livro A Chave do Tamanho, por exemplo, é a melhor alegoria do conhecimento associado à sua aplicação”. Com o tempo, porém, ele aprenderia que fazer ciência no Brasil não era nenhum faz-de-conta, sendo preciso bem mais que o mágico pó de pirlimpimpim para chegar a resultados satisfatórios. “Por lidar com o desconhecido, a pesquisa é uma atividade de altíssimo risco, nem tudo sai como planejado”.

O fato de nem tudo sair como planejado, porém, às vezes é o melhor jeito de chegar a um bom resultado. Pelo menos no seu caso. “Em ciência, um dos meios mais freqüentes para obtenção de conhecimento ocorre por serendipitia”, acredita Galembeck, referindo-se à tradução da palavra inglesa serendipity, cunhada em 1754 pelo escritor e político inglês Horace Walpole, para exprimir descobertas ocasionais diferentes daquelas que estavam sendo buscadas. “Todos os meus trabalhos mais originais resultaram de alguma coisa que apareceu no meio do caminho”

Foi assim, por exemplo, com o Biphor, o pigmento branco desenvolvido em 2005 a partir de nanopartículas de fosfato de alumínio, um feito tão extraordinário que promete revolucionar o mercado mundial de tintas à base de água. Um dia, um estudante de doutorado descobriu que aquecendo pó de polifosfato de ferro obtinha-se uma espuma sólida e preta. Galembeck viu aquilo e pensou: “Se conseguíssemos fazer a mesma coisa com alumínio, talvez obtivéssemos o pigmento branco”. Dito e feito. Quando viu o resultado, o pesquisador sentiu-se como Pedro Álvares Cabral. “Saí de Portugal para chegar às Índias, mas acabei descobrindo o Brasil”.

Motor fundido

Houve momentos, porém, em que a perseguição a determinado objetivo exigiu certa dose de sacrifício. Como da vez em que fundiu o motor da Brasília de sua mulher durante os testes para o primeiro catalisador de escapamentos desenvolvido no Brasil. Na época, as discussões sobre a obrigatoriedade do equipamento nos automóveis começava a esquentar e o invento caía como uma luva. Galembeck chegou a patentear o produto, algumas empresas se interessaram, mas o projeto acabou emperrando na burocracia e nunca chegou ao mercado. Ao recordar o episódio, Galembeck coça a cabeça e suspira fundo: “Fiquei sem a Brasília e o catalisador”.

Mesmo com toda quilometragem acumulada, Galembeck não esconde a frustração com o atraso do Brasil quando o assunto é patentes. “É desastroso”, desabafa. Desde os tempos de oficce boy no laboratório farmacêutico, a associação entre conhecimento, inovação e desenvolvimento econômico sempre soou como uma coisa óbvia. “Há necessidades a serem atendidas, e quem sabe fazer alguma coisa importante para satisfazer estas necessidades pode movimentar a economia e ganhar um bom dinheiro”.

Para ele, o fosso entre produção científica e transferência tecnológica no Brasil tem uma razão tão simples quanto antiga: “os estudantes brasileiros aprendem a escrever papers, mas saem da universidade sem jamais ter lido uma patente”. Um erro de cálculo cometido no passado, cuja fatura está sendo cobrada agora. “O país contribuiu cada vez mais para o patrimônio mundial de conhecimento, sem se preocupar em proteger o resultado de suas pesquisas”. E arremata: “É um tiro no pé”.

Impacto no PIB
Apesar do tom crítico, Galembeck vai na contramão do discurso que minimiza a inovação feita dentro das empresas brasileiras. “Esse discurso está baseado em números agregados e pouca reflexão”. Para ele, é irrelevante se apenas 1% das empresas faz inovação. “O que conta de verdade é se aquelas que geram impacto no PIB são inovadoras”. E completa: “Não me importo se o serralheiro da esquina não for muito inovador, mas ficaria desesperado se empresas como Vale do Rio Doce, Oxiteno e Petrobrás não fossem inovadoras”.

“O que conta de verdade é se aquelas que geram impacto no PIB são inovadoras"Galembeck se empolga, cita dados, busca exemplos. “Veja o caso do álcool, do papel, da soja, do frango”, relaciona. “Se estes setores não fossem inovadores, não teriam o peso que têm na pauta de exportações”. Ele chama atenção, em especial, para o álcool. “Não é todo dia que o presidente dos Estados Unidos vem ao Brasil conhecer nossa tecnologia”. E dá números: em 1970, plantava-se em São Paulo apenas uma variedade de cana. Em 2007, já são mais de 500. “Tudo isso saiu dos laboratórios das universidades, dos institutos de pesquisa públicos e, principalmente, dos centros privados, como o CTC de Piracicaba”.

Certa vez, uma pessoa comentou com Galembeck que a Embraer não tem patentes. Ele olhou o interlocutor e respondeu que não se pode julgar esse tipo de desempenho de forma descontextualizada. Seria preciso comparar com o seu maior concorrente, que é a canadense Bombardier. “Fiz um levantamento e constatei que a única patente recente da Bombardier em aeronáutica é um sistema de bilhetagem de passageiros”. Não satisfeito, Galembeck também levantou a ficha da Boeing em nanotecnologia. “Apareceram duas ou três patentes, uma mixaria”.

Divergências à parte, Galembeck concorda que o problema tem causas profundas. “O que o Brasil precisa é de uma política de desenvolvimento científico e tecnológico em geral”. E aponta as bases para um eventual programa nacional: uma ciência de alta qualidade gerando conhecimento relevante para todas as cadeias produtivas nas quais o Brasil é ou pode ser competitivo. “Hoje somos o máximo no álcool, mas continuaremos a ser daqui cinco anos?”, questiona. Ele mesmo responde: “Não podemos parar”.

Enquanto a política científica dos seus sonhos não acontece, Galembeck seguirá entre a complexidade do campus universitário e o bucolismo de seu quintal arborizado. Em ambos os casos, agirá como se nunca houvesse saído do laboratório. “Sei se a terra está boa ou não pelo jeito como a fruta apodrece quando cai no chão; se fica esverdeada é porque tem muito fungo enriquecedor de solo”. E em muitas manhãs, antes de pensar em algum invento novo, ouvirá da janela de seu quarto a zoada de abelhas que produzem mel nos pés de cambuí.

 

 

 

 

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