| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 360 - 28 de maio a 10 de junho de 2007
Leia nesta edição
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Artigo: Incrível Felowships
Colírio chega à indústria
Energia do sucroalcooleiro
Perfil - Fernando Galembeck
Juniores: líderes empreendedores
Impactos de hidrelétricas
Celso Botura
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Rede de atenção ao câncer
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Economia: Basiléia
Saúde em jogo
 


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OPINIÃO

A incrível experiência da
‘Eisenhower Fellowships’

MARCELO KNOBEL

Marcelo KnobelDurante oito semanas vivi uma espécie de sonho, do qual custo a acordar. Fui o representante brasileiro do programa multi-nações da Eisenhower Fellowships, uma organização norte-americana, sem fins lucrativos, que desde 1953 promove a paz e o entendimento através do diálogo entre potenciais líderes mundiais. Quando conto para as pessoas sobre o programa, ninguém acredita. É difícil acreditar mesmo, pois mais do que o custeio da viagem para mim e minha esposa, esta bolsa me permitiu desenvolver um programa de visitas personalizado a 11 cidades norte-americanas, onde realizei mais de 90 visitas, conversas e entrevistas. Além das viagens e do programa, tive a incrível oportunidade de conviver com outros 24 “fellows” de diferentes países, de diferentes áreas de trabalho, que são pessoas fantásticas, com enorme vontade de melhorar o mundo.

Durante o meu programa tentei entender um pouco melhor o que pode ser chamado genericamente de cultura científica norte-americana, incluindo educação formal (escolas) e informal (centros e museus de ciências), percepção pública da ciência, divulgação e jornalismo científico, e pesquisas acadêmicas nessas áreas. Para isso visitei diversos museus de ciências, conversei com educadores e com instituições governamentais, e discuti com diversos pesquisadores na área de percepção pública da ciência e jornalismo científico. Certamente voltei com um entendimento melhor da área, mas percebi também a sua enorme complexidade, e, como ocorre freqüentemente, surgiram muitas dúvidas que antes sequer imaginava.

Há uma enorme discussão nos EUA sobre a questão da educação, e em particular, sobre a educação em ciências. Há uma contradição importante no sistema educacional norte-americano, pois não existem parâmetros curriculares nacionais mínimos, que são determinados localmente. Em outras palavras, cada comunidade, ou cada estado, determina o que os estudantes aprendem. Recentemente, entretanto, o atual governo lançou um programa chamado “no child left behind” (nenhuma criança deixada para trás). Esse programa tem diversos pontos discutíveis, entre eles um teste nacional para determinar, em princípio, a qualidade do conteúdo ensinado em diferentes estados, que têm parâmetros curriculares diferentes. Assim, cada estado faz o seu teste. Quando os resultados desses testes são comparados com os pouquíssimos dados de alguns testes nacionais, o resultado é um desastre. Os estados que têm uma educação em ciências mais fraca, por exemplo, realizam testes mais fáceis, e têm um bom desempenho nos exames locais, mas péssimo desempenho nos nacionais. Ou seja, os EUA estão enfrentando uma situação insólita, de discutir parâmetros nacionais em uma sociedade onde a cultura é descentralizada ao máximo, e portanto enfrenta enormes resistências.

Na área de educação informal, a situação é também bastante complexa e interessante. O fato de as escolas terem que ter um bom desempenho nos exames tem inibido visitas extra-curriculares a centros e museus de ciências. Estes, por sua vez, vivem o dilema diário de sobreviver, e precisam desesperadamente mais público. É difícil também congregar todos esses centros e museus em um único corpo, pois eles são muito heterogêneos. Há museus que dependem muito de público escolar (chegando até aproximadamente 60% do público, como o New York Hall of Sciences), mas outros que dependem quase que exclusivamente do público avulso (como o Sciencenter de Ithaca, por exemplo, que têm apenas 10% de público escolar).

Na foto menor, o professor Marcelo Knobel (na fileira de cima, ao centro) com fellows do programa da Eisenhower Fellowships, e ao alto, foto tirada em exposição sobre super-heróis: visitas a 11 cidades dos EUA (Fotos: Divulgação / Antônio Scarpinetti)Há poucos museus que recebem auxílio das cidades ou do governo do estado (como o Museu de Ciências de St. Louis, ou o Museu de Ciências de Denver, por exemplo), mas a maioria não recebe nenhum tipo de suporte governamental. Quase todos os Museus dependem de projetos submetidos à National Science Foundation (NSF) (entre 10 a 20% do orçamento), e essencialmente dependem de ingressos do público e de vendas em suas lojas e restaurantes. Finalmente, uma fonte fundamental de recursos provém da filantropia, uma área extremamente desenvolvida nos EUA. As doações de pessoas físicas ou apoios de empresas, entretanto, geralmente destinam-se à ampliação dos prédios, ou novas construções. Isso tem gerado uma situação sem limites, pois as ampliações implicam em custos mais elevados para a manutenção e para infra-estrutura, que somente aumentam. Desse modo, vários museus têm crescido, e alguns deles alcançam orçamento de mais de 35 milhões de dólares anuais (como o Museu da Ciência e Indústria de Chicago, e o Museu de Ciências de Boston, por exemplo). Para sustentar tais orçamentos, os Museus têm que atrair mais e mais público, e naturalmente vivem uma situação de tensão constante, à procura de exposições blockbusters e de formas alternativas de conseguir mais recursos. E assim tornam-se excessivamente comerciais, e acabam divergindo de sua missão natural de divulgar a ciência com qualidade, de realizar pesquisas na área de comunicação pública da ciência, de inovar nas práticas e nos programas de educação informal de ciências. Não sei até que ponto essa situação irá se sustentar, mas a minha sensação é que a maioria dos Museus e Centros de Ciências nos EUA encontram-se em um equilíbrio instável, e que bastaria uma leve recessão financeira, por exemplo, para criar enormes dificuldades de sobrevivência.

Além de visitar diversos museus de ciência, visitei também algumas exposições e projetos sobre a divulgação da nanociência e nanotecnologia. A NSF criou uma rede nacional, com orçamento de US$ 20 milhões, onde participam diversos Museus de Ciência unidos para criar exibições e kits de divulgação de nanociência. Visitei algumas das exposições e dos projetos em andamento, e há algumas idéias interessantes. Entretanto, confesso que fiquei feliz ao perceber que o nosso projeto NanoAventura, apesar de ter já mais de dois anos, ainda é muito inovador e único. Tentando ser o mais objetivo possível, creio que é um projeto que se destaca mundialmente, pois conseguimos encontrar uma linguagem adequada para o público jovem, e com uma dose certa de objetivos a serem cumpridos, conteúdo didático e diversão. O mesmo se aplica para a Oficina Desafio, pois em todos os locais onde tive a oportunidade de mostrar o caminhão, todos se maravilhavam com o conceito e com a prática que temos realizado aqui na Unicamp, no Museu Exploratório de Ciências.

Finalmente, visitei diversas universidades e centros de pesquisa, conheci muitos pesquisadores, e em particular, conversei com três professores que ganharam o prêmio Nobel (dois de Física e um de Química). Nas horas vagas também conheci as cidades, os seus museus de arte, as suas atividades culturais e gastronômicas. Voltei com inúmeras questões sobre a sociedade norte-americana, sobre os seus valores, sobre a questão da imigração, sobre a questão da guerra, sobre a violência, sobre as minorias, sobre a sua cultura. Mas também consegui ter outra perspectiva sobre a nossa vida aqui no Brasil, e em particular na Unicamp, sobre as nossas práticas cotidianas, sobre a nossa complexidade. Ainda estou elaborando muito do que vivenciei, e certamente não consegui digerir e organizar essa enorme quantidade de informação. Mas estou certo que foi uma experiência única, que será determinante para mudar a minha vida, e a forma como enxergo o mundo.

Marcelo Knobel é professor do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) e diretor do Museu Exploratório de Ciências da Unicamp. Sua viagem aos EUA foi relatada no blog “Diário de bordo: cultura científica EUA 2007”

 

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