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Publicação do Instituto de Economia analisa
o estancamento da mobilidade social no Brasil

Por que está tão difícil 'subir na vida'

LUIZ SUGIMOTO

Waldir Quadros, docente do Instituto de Economia e pesquisador do Cesit: "Os ricos não estão na Pnad" (Foto: Antoninho Perri)As histórias de vida de tanta gente que começou do nada e foi subindo os degraus da pirâmide social graças a muita labuta, assegurando o presente e calçando o futuro da família, deveriam servir como cândida inspiração para aqueles que sobrevivem no mercado de trabalho de hoje.

Números começaram
a encolher já em 1999

Ocorre que, nas últimas décadas, os canais de ascensão social sofreram um profundo estreitamento e a disputa pelas poucas oportunidades vem causando um efeito perverso. “Está se instalando o mais completo ‘vale-tudo’ na luta por um lugar ao sol”, afirma o professor Waldir José de Quadros, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp.

O estancamento da mobilidade social, espelhado principalmente no encolhimento da classe média, é o tema da quinta edição de Carta Social e do Trabalho, publicação do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit). A versão integral da revista está disponível em http://www.eco.unicamp.br/cesit

Os professores Eduardo Fagnani e Marcio Pochmann, organizadores da edição, lembram que nos últimos 26 anos o crescimento anual médio do PIB foi de 2,5%, frente à média superior a 7% entre 1945 e 1980. “Os rendimentos do trabalho declinaram, a concentração da renda permanece estável entre as piores do mundo, o desemprego e o trabalho precário atingiram patamares inéditos”, afirmam.

“Os artigos da Carta mostram que as raízes desta crise social estão na estagnação econômica que vem desde o final da década de 1970 e na política econômica neoliberal imposta a partir do governo Collor. Do nosso ponto de vista, esta política econômica é anti-social, pois tolhe o investimento em políticas públicas”, diz Waldir Quadros, que é pesquisador do Cesit e assina dois ensaios na publicação.

No primeiro ensaio, “O encolhimento da classe média brasileira”, o autor observa que o universo dos indivíduos que declaram rendimentos à Pnad (Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílio), do IBGE, oferece um retrato das diversas oportunidades de obtenção de renda na sociedade brasileira.

Segmentação social dos indivíduos ocupados por faixas de rendimentos e 'padrões de vida'O pesquisador mostra, por exemplo, que a cada ano, desde 1981, a quantidade de indivíduos que se declaram ocupados cresce mais lentamente do que o número de não-ocupados com renda. “Isso significa que as aposentadorias, as pensões e outros benefícios sociais vão ganhando importância crescente como fonte de renda. No início dos anos 80, os inativos representavam 10% dos declarantes da Pnad, e hoje são 17%”.

Segundo Quadros, o aumento dos não-ocupados na Pnad também reflete um avanço no atendimento aos direitos sociais mínimos dos segmentos mais carentes. Mas ele atenta que, por outro lado, o crescimento mais lento dos ocupados aponta para a letargia na geração de oportunidades ocupacionais.

“Esta performance negativa dos ocupados pode ser aferida pelo comportamento dos rendimentos médios, menos favoráveis em relação aos inativos. Basta dizer que, excluídos os momentos de forte recessão, desde 1998 a renda média dos ocupados está em patamar inferior ao do início dos anos 80”, informa o professor.

Rebaixamento – Todos os artigos de Carta Social e do Trabalho baseiam-se em uma metodologia criada por Waldir Quadros, que divide os declarantes da Pnad por faixas de renda: a alta classe média, acima de R$ 2.500; a média classe média, de R$ 1.250 a R$ 2.500; a baixa classe média, de R$ 500 e R$ 1.250; a massa trabalhadora, de R$ 250 a R$ 500; e os miseráveis, abaixo de R$ 250. A referência é o salário mínimo de 2004.

“Sempre me perguntam onde estão os ricos nessa estrutura social. A resposta é que eles não estão na Pnad. Mesmo que um dono de empresa abra a porta de seu domicílio para o IBGE, ele vai declarar a renda de um diretor ou de um gerente. Na verdade, a renda captada pela Pnad refere-se ao que ‘sobra’ depois da apropriação pelos detentores da riqueza nacional”, justifica Quadros.

De acordo com as análises do professor, abaixo dos ricos – cujos ganhos têm sido preservados e mesmo expandidos nesta longa fase de estagnação econômica – todos estão perdendo. Os números mostram que para a alta e média classe média as oportunidades começaram a encolher já em 1999.

A baixa classe média manteve seu espaço, fato que o pesquisador atribui tanto à descida de indivíduos dos dois estratos superiores, como a certo rebaixamento em suas próprias fileiras. Já a pequena retração na quantidade de miseráveis resultaria na tendência de aumento da parcela de ocupados no patamar de massa trabalhadora pobre.

“Temos então os traços básicos da crise ocupacional: letargia nas oportunidades com padrão de alta e média classe média e ‘empoçamento’ nos patamares da baixa classe média (remediada) e massa trabalhadora (pobre). E com estabilidade ou lento decréscimo na proporção de miseráveis, que ainda atinge cerca de um terço dos ocupados”, atesta o pesquisador.

Pororoca social – Waldir Quadros ressalta que sua metodologia revela apenas um esboço da crise ocupacional, cuja dimensão certamente é muito maior. Ele esclarece, por exemplo, que a “letargia” na alta e média classe média não deve ser confundida com “pasmaceira”.

“A dinâmica social efetiva resulta no conflito entre indivíduos que estão ascendendo, outros que lutam para manter sua posição e aqueles que estão caindo”. Para o professor, a disputa por oportunidades cada vez mais raras pode ser caracterizada como uma “pororoca social”, com uma concorrência selvagem entre os segmentos envolvidos.

“Em relação à camada dos miseráveis, a percepção é de uma crescente mancha de ‘óleo queimado’, composta por indivíduos em estado avançado de desalento e de inatividade, ainda que assistidos por programas focalizados de transferência de renda”, acrescenta Quadros.

Pano de fundo – A questão da transferência de renda no Brasil, não apenas aos pobres mas sobretudo aos ricos, merece artigo à parte na publicação do Cesit, em que Davi José Nardy Antunes e Denis Maracci Gimenez tecem o pano de fundo determinante da crise da mobilidade social brasileira.

Um dos autores, Denis Gimenez, já detalhou ao Jornal da Unicamp, em entrevista intitulada “Da ‘Constituição Cidadã’ aos mínimos sociais” (edição 356), como a política econômica neoliberal adotada nos últimos 15 anos – cujas conseqüências são a estagnação, a taxa de juros elevadíssima, o endividamento crescente – limitou o investimento do Estado em políticas públicas.

Agora no artigo, os dois pesquisadores reiteram que a política econômica, ao mesmo tempo em que permite uma enorme transferência de recursos para os rentistas, propõe programas focalizados (e baratos) como solução para diminuir a desigualdade social e a pobreza no país. “Juntam-se as duas coisas: temos uma política econômica anti-social e uma política social que tenta tornar suportável está situação”, comenta Waldir Quadros.

Diante do profundo processo de desestruturação que o mercado de trabalho vem sofrendo, Antunes e Gimenez lembram que “por pior que fossem as condições de vida no período de 1930 a 1980 [da industrialização], as esperanças de um futuro melhor estavam sempre presentes”.

O estancamento, região por região

A quinta edição da Carta Social e do Trabalho, do Cesit, também traz artigos avaliando a evolução da estrutura social e ocupacional por regiões do Brasil: no Centro-Oeste, por Valéria Cristina Scudelér; no Nordeste, por Josiane Fachini Falvo; no Sudeste e no Distrito Federal, por Vinícius Gaspar Garcia; e no Sul, por Daniel de Mattos Höfling.

Valéria Scudelér informa que as regiões Centro-Oeste e Norte, que constituem a nova fronteira agrícola, têm se destacado em relação às demais por suas taxas de crescimento econômico, respectivamente com as médias anuais de 4% e 5,4% entre 1996 e 2003. Neste mesmo período o Sudeste cresceu apenas 2%; o Nordeste, 2,5%; e o Sul, 2,8%.

No entanto, segundo a pesquisadora, essas taxas superiores não contribuíram para alterar decisivamente as estruturas sociais no Centro-Oeste e no Norte. Como um dos motivos, ela aponta o recebimento de grande volume de imigrantes, com o conseqüente crescimento populacional e a demanda por maior geração de empregos.

Valéria Scudelér, ao fazer uma análise comparativa das regiões, oferece um retrato das classes sociais em 2004, colocando o Sudeste como a região mais favorável, com 14,8% dos declarantes da Pnad nos estratos superiores e 26,6% entre os miseráveis; depois o Sul, com 13,6% e 29,2%, respectivamente; o Centro-Oeste, com 9,9% e 33,7%; o Norte, com 8,8% e 41,3%; e o Nordeste, com 4,9% e 62,4%.

‘Exuberância’ – Na segunda parte de Carta Social, diante do cenário pintado com os dados da Pnad até 2004, o professor Waldir Quadros assina o artigo “Pnad 2005 – Exuberância social inexplicável”. Apesar do respeito que tem pelo trabalho do IBGE, o autor reitera seu estranhamento diante do grande crescimento da renda apontado no levantamento de 2005, com o conseqüente movimento de ascensão na escala social.

Quadros já havia apresentado os dados para justificar este estranhamento ao Jornal da Unicamp (“Aumento da renda do brasileiro surpreende mas também intriga”, edição 344). “Agora encontrei outro número que julgo inconsistente. Embora se argumente que 2005 foi melhor para os pobres, porque o salário aumentou acima da inflação, vejo que foram as camadas superiores que mais se beneficiaram com isso. Continua esquisito”.

Contribuindo para este debate, o artigo de Alexandre Gori Maia, “Evolução dos rendimentos declarados na Pnad: uma análise particularizada para os anos de 2004 e 2005”, analisa a divergência entre o baixo crescimento do Produto Nacional Bruto e o expressivo crescimento da massa de rendimentos declarados na Pnad entre 2004 e 2005.

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