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CPQBA desenvolve matéria-prima para o primeiro
antiinflamatório do mercado feito a partir de planta nativa brasileira

Caiçaras inspiram creme
contra dor muscular



LUIZ SUGIMOTO


O pesquisador Pedro Melillo de Magalhães na plantação de erva baleeira, que ocupa 12 hectares do CPQBA; nos destaques,  o óleo extraído da planta e o pesquisador com as mudas: sabedoria popular rende linhas de pesquisa (Fotos: Neldo Cantanti)Erva baleeira, salicina, maria milagrosa, catinga preta, baleeira-cambará, camaradinha, caraminha, caramoneira do brejo ou, em inglês, black sage. Como saber o porquê desses nomes ou quem primeiro teve a idéia de colocar esta erva numa garrafa com medidas iguais de água e álcool, deixar descansar por sete dias e depois esfregar a infusão em partes doloridas do corpo? “Ainda há muita sabedoria popular mascarada. Talvez os povos antigos tivessem um sentido mais apurado para as plantas aromáticas”, especulava o pesquisador Pedro Melillo de Magalhães, enquanto uma colheitadeira cortava os ramos de Cordia verbenaceae em parte dos 12 hectares cultivados no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp, próximo a Paulínia.

Planta é natural da Mata Atlântica

A erva baleeira colhida no CPQBA é matéria-prima para o primeiro antiinflamatório feito a partir do extrato de uma planta nativa brasileira, em forma de creme, que estará no mercado ainda neste semestre. Quis o destino que o diretor-presidente de um grande laboratório, vitimado por dores musculares em partidas de futebol na praia, sentisse na pele o alívio imediato proporcionado pela infusão caseira oferecida pelos caiçaras. “Um dos fundadores do Aché, ele [Victor Siaulys] insistiu em produzir um medicamento a partir da erva baleeira, contratando para isso vários grupos de pesquisa. A Unicamp foi envolvida porque nós já vínhamos estudando a planta pelo aspecto agronômico e era preciso garantir o cultivo da matéria-prima em escala e padrão necessários para atender à demanda de produção”, explica Pedro Magalhães, que coordena a Divisão de Agrotecnologia do CPQBA.

Em 2001, pesquisadores descobriram que um dos princípios ativos da erva baleeira responsável pela ação antiinflamatória não era a artemetina, como descrevia a literatura, mas um componente do óleo essencial, o alfa-humuleno. Testes clínicos junto a centenas de pacientes mostraram que o creme (de nome comercial Acheflan) é tão eficaz para casos de dores musculares quanto o principal antiinflamatório do mercado. Estudos comparativos demonstraram, ainda, que o creme de erva baleeira apresenta menos efeitos colaterais, como vermelhidão na pele. O laboratório já estuda com boas perspectivas o uso do óleo essencial também em forma de comprimido.

Vera Lúcia Garcia Rehder, coordenadora: protocolo para garantir a qualidade (Fotos: Neldo Cantanti)Plantio – No CPQBA, o chamado processo de “domesticação” da planta selvagem a novas condições de plantio já dura oito anos. “A erva baleeira é natural da Mata Atlântica e mais freqüente no litoral que vai de São Paulo a Santa Catarina. Como há uma variação muito grande mesmo entre as plantas nativas, avaliamos a melhor não apenas por seu aspecto externo, mas principalmente por sua composição, escolhendo as mais ricas no princípio ativo”, explica Magalhães. São necessários 800 quilos da erva para se obter um litro de óleo essencial. Os 12 hectares plantados em Paulínia, onde as colheitas ocorrem a cada quatro meses, garantem a extração de 120 litros anuais de óleo, suficientes para atender à produção durante esta fase de lançamento do produto.

O processamento das folhas frescas para extração do óleo é realizado pelo próprio CPQBA, onde está instalada uma planta industrial composta basicamente por duas dornas de destilação (de 1.500 litros cada), um condensador e um vaso separador. O equipamento custou R$ 240 mil, partilhados igualmente pela Unicamp e o Laboratório Aché, e será incorporado ao patrimônio da Universidade ao final do convênio assinado por cinco anos. “Como as pesquisas farmacológicas prosseguem e indicam, por exemplo, o uso do medicamento também por via oral, a área de cultivo e a planta industrial deverão ser redimensionadas”, observa Pedro Magalhães.

Controle – O CPQBA responde também pelo controle de qualidade do óleo essencial. Para conseguir a patente, o creme antiinflamatório precisou do aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que classificou o produto na classe dos fitomedicamentos – fármacos que têm em sua composição apenas substâncias ativas extraídas de plantas, sem a mistura de princípios ativos sintéticos, vitaminas ou minerais. A regulamentação da Anvisa determina ainda a padronização da matéria-prima, sem variações de teor do princípio ativo. Vera Lúcia Garcia Rehder, pesquisadora da Divisão de Química Orgânica e Farmacêutica, é quem recorda o início do trabalho há três anos.

“O óleo essencial da erva baleeira contém mais de 40 substâncias e era preciso identificar onde se encontrava o princípio ativo. Fracionamos o óleo por métodos químicos e enviamos essas frações para ensaios de atividade farmacológica, verificando qual era a mais ativa. Chegamos a uma fração com cinco substâncias, identificando a presença do alfa-humuleno, composto ativo escolhido como marcador químico do óleo”, explica a pesquisadora. A avaliação do teor deste composto foi feita mês a mês, durante um ano, pois uma variação grande na concentração implicaria em problemas relacionados com a época de colheita e a atividade do óleo. “Criamos um protocolo para controlar a qualidade não só da matéria-prima enviada ao laboratório, mas também do produto final, já que todo lote de medicamentos precisa de nossa aprovação”, acrescenta Vera Rehder.

Transferência – Embora nativa de regiões litorâneas, a erva baleeira vem sendo introduzida sem problemas em locais de maior altitude, com climas mais amenos e secos. O CPQBA já começou a transferir para os agricultores a agrotecnologia de cultivo e os materiais selecionados no programa de melhoramento da espécie, por meio de plantações experimentais em quatro regiões do Estado de São Paulo, com apoio da Embrapa-Transferência de Tecnologia. Ainda faltam parâmetros para definir melhor o custo de produção da droga vegetal (folhas secas) ou mesmo do óleo essencial da erva baleeira. No mercado internacional, encontra-se a referência de US$ 20 por 100 sementes. Cálculos do próprio CPQBA indicam valores de US$ 1 por quilo de biomassa fresca (folhas e ramos finos) e de US$ 1.500 por quilo do óleo essencial.


CPQBA justifica a fama

Colheita de erva-baleeira: coleção do CPQBA chega a 350 espécies  (Fotos: Neldo Cantanti)O CPQBA da Unicamp realiza estudos com plantas aromáticas e medicinais há 18 anos, reunindo uma coleção de aproximadamente 350 espécies exóticas e nativas. Cada espécie é mantida em seu ambiente favorável: sol ou sombra, solos drenados ou alagados, solos argilosos ou arenosos. Trata-se de um “livro vivo” que já rendeu incontáveis teses de doutorado e mestrado, além de pesquisas com parceiros externos. “Já estamos conhecidos por repassar a tecnologia da universidade para a produção de medicamentos e cosméticos lançados no mercado. A fama é conseqüência da competência que se instala quando grupos de áreas diversas passam a trabalhar juntos”, afirma Pedro Magalhães.

Para formar sua coleção, o CPQBA sempre levou em alta conta o conhecimento camuflado na medicina popular. Para ilustrar, Magalhães lembra a lenda em torno de uma das plantas pesquisadas, a guaçatonga, ou Casearia sylvestris, também conhecida como erva-de-teiú, café-do-diabo, língua-de-tiú, pau-de-largarto. “É sobre o lagarto que nunca enfrenta uma cobra sem uma guaçatonga por perto; se for picado, corre para comer sua raiz”, conta. Algum indígena presenciou o duelo em que o lagarto se deu mal, pois esses povos até hoje utilizam a guaçatonga como anestesiante em lesões de pele, anti-hemorrágico, estimulante da circulação e, obviamente, antiofídico.

Mesmo quando a crença popular resulta de equívocos, deixa pistas certas. Sempre se supôs, por exemplo, que o chá de quebra-pedra elimina cálculos dos rins e bexiga. Na verdade, a Phyllanthus niruri não quebra as pedras, mas evita sua formação e ajuda a expeli-las. O CPQBA descobriu que a espécie Phyllanthus amarus traz importante atividade também contra o câncer e inflamações. A Aspidosperma tomenstosus, singelamente chamada de perobinha do campo, tem suas cascas, hastes e folhas usadas pela população contra coqueluche, enxaqueca, asma e afecções nervosas. Estudos iniciais mostram, contudo, que suas moléculas são capazes inclusive de inibir o crescimento e matar células de câncer de mama e pulmão.

Na luta contra o câncer é investigada a vegetação típica de cerrado. Dentre 30 espécies da coleção do CPQBA, seis apresentaram potencial antitumoral, quando o povo já as usava contra infecções, verminoses e doenças infecciosas. A indicação popular do chá de espinheira santa, para tratamento de gastrites e úlceras gástricas, foi comprovada cientificamente. Também foi confirmada a eficácia do guaco contra a úlcera, sendo que na Unicamp foram descobertas atividades contra câncer, afecções por microorganismos e de prevenção à cárie. A fáfia, ou Pfaffia glomerata, já é explorada comercialmente como o “ginseng” brasileiro, no tratamento de impotência sexual, estresse e diabetes.

A Artemísia annua rendeu prêmios aos pesquisadores do CPQBA. Secularmente utilizada pelos chineses no combate à malária, a Artemísia foi domesticada para as condições climáticas de Campinas e resultou num arbusto de dois metros de altura. Dela foram extraídos derivados que permitem sua aplicação de forma endovenosa e intramuscular, além de otimizar o uso da forma tradicional através do chá da planta rica no princípio ativo, a Artemisinina. Os estudos indicaram ainda compostos que podem levar a descobertas importantes para tratamento do câncer, úlcera e determinados fungos e bactérias.

Para oferecer uma idéia do universo de mistérios que a coleção do CPQBA ainda esconde, Pedro Magalhães aponta uma das plantas na estufa, a Nepeta cataria, da família das hortelãs, chamada de erva dos gatos porque exerce inusitada atração sobre esses animais, aparentemente sexual. “Os gatos vivem roçando as folhas da planta, que deve conter algo similar a hormônio animal”, supõe o pesquisador, sugerindo substâncias com poderes afrodisíacos ou atrativos. A própria erva baleeira, conforme mostra o pesquisador amassando uma folha, possui um aroma peculiar que remete à cozinha, mas não permite associação com os povos antigos. “Tem cheiro de caldo Knorr”.



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