| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 400 - 23 a 29 de junho de 2008
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Pesquisa investiga atuação e trajetória de
profissionais envolvidos com programas de alfabetização

Tese de doutorado sobre educação
de adultos ganha prêmio internacional

CARMO GALLO NETTO

Claudia Vóvio, autora do trabalho: "Prêmio coloca em foco um campo educativo marginalizado, pouco discutido e que merece revisões" ( Foto: Divulgação)Tese de doutorado sobre educação de adultos, apresentada por Claudia Vóvio ao Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Unicamp, orientada pela professora Ângela Kleiman, recebeu prêmio de melhor estudo sobre educação de jovens e adultos oferecido pelo Centro de Cooperación Regional para la Educación de Adultos em America Latina y el Caribe (Crefal). O organismo internacional, com sede no México, foi criado em 1950 por iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

Letramentos
de educadores são
um dos focos da pesquisa

A pesquisa investiga e analisa os sentidos, as identidades leitoras, os acervos e as práticas de leitura em que estão envolvidos profissionais que atuam em programas voltados à promoção da alfabetização na população adulta e organizados pela sociedade civil. Motivaram a autora as inquietações relativas às necessidades formativas e de profissionalização desses educadores, que em sua maioria não possuem formação específica para a docência, são provenientes de famílias de baixa escolaridade e em condição de vulnerabilidade social, mas que se credenciam para o trabalho pelos conhecimentos adquiridos, por motivações as mais variadas e pelo contato intenso com as comunidades e educandos.

A pesquisadora destaca que a problemática central da tese concentra-se no estudo dos letramentos dessas pessoas, que têm percursos irregulares de escolarização. A pesquisadora analisou o universo desses alfabetizadores, enfocando como eles adquirem seu conhecimento, como se relacionam com a leitura e a escrita e como superam dificuldades sociais para assumir papel importante na luta contra o analfabetismo.

Claudia Vóvio entende que esses programas de alfabetização – em que estão envolvidos movimentos sociais, centros comunitários e sindicatos, entre outros organismos sociais – adquirem grande relevância num contexto social no qual o ensino público não atende toda a demanda potencial por alfabetização. Os dados, de 2006, da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam que o Brasil tem cerca 16 milhões de analfabetos com mais de dez anos de idade e 64 milhões de pessoas que não completaram o ensino fundamental.

A pesquisa teve dois focos: procurou descobrir e inventariar quais eram as práticas de leitura que esses alfabetizadores tinham efetivamente vivenciado durante a trajetória de sua formação de leitores e examinar como eles lidam com a tarefa de introduzir a leitura em jovens e adultos.

O Ministério da Educação estima que 60% deles não têm educação formal. São pessoas da comunidade, na maior parte dos casos com ensino médio, mas não necessariamente com experiência em alfabetização, mas que se solidarizam com esses programas ou por missão, ou por visão política ou religiosa, ou por filosofia. Esses voluntários ou estagiários, embora recebam ajuda de custos, mantêm com as organizações vinculação precária, sem carteira assinada e, para alguns, o que recebem é essencial na composição da renda familiar.

A pesquisa partiu da hipótese de que essas pessoas provavelmente utilizavam os saberes construídos nas suas experiências como leitoras para atuar na educação de jovens e adultos. Havia, portanto, necessidade de estabelecer formas de inventariar e de conhecer esse patrimônio que elas construíram para depois pensar em modelos de formação mais adequados às suas necessidades, esclarece Claudia.

Para tanto, foi necessário conviver com elas nos lugares em que praticam suas leituras, conhecer suas trajetórias, dar-lhes enfim voz, e partilhar com elas algumas atividades de leitura e, a partir das análises, das observações, das realidades e das práticas que elas realizam, pensar o que é necessário fazer em termos de seus aperfeiçoamentos, em vez de presumir o que sabem e efetivamente precisam.

A pesquisadora montou varias atividades. A cada quinze dias encontrava-se com um grupo de nove agentes para conversar sobre a história deles como leitores, para entender como se percebiam como leitores, que tipo de leitores se achavam – e como foi a leitura na infância, no ambiente doméstico, no trabalho –, de maneira a ter um quadro de como se deu o trajeto da infância, passando pela adolescência, juventude, até a fase adulta.

Claudia considerou ainda os diferentes ambientes que propiciaram a leitura, como a casa, o lazer, a igreja, a escola e verificou como esses agentes sociais influenciaram sua formação de leitores. Esse processo, desenvolvido a partir de rodas de conversa, durou um semestre. No semestre seguinte, Claudia realizou entrevistas individuas de aprofundamento ao mesmo tempo em que, para delinear um pano de fundo e corroborar o que tinha observado no grupo, aplicou em um universo maior, constituído por 49 desses agentes, um questionário para levantamento das práticas de leitura.

Na análise dos dados gerados, ela julgou fundamental a convivência produtiva com outros pesquisadores que atuavam no projeto temático “Letramento do Professor”, no qual se busca compreender processos formativos pelos quais passaram professores, educadores e agentes sociais e propor alternativas emancipatórias que revelem seus saberes, historias e modos de ação.

A pesquisadora constatou uma grande diferença em relação às mesmas pesquisas realizadas com professores das redes públicas - que motivam constantes estudos da academia, o que não acontece, segundo ela, com estes agentes sociais que considera marginalizados nesses trabalhos. Claudia afirma que muitas das pesquisas realizadas com professores evidenciam uma auto-imagem muito depreciativa. Consideram-se leitores precários, que não lêem quanto deviam, que não lêem textos importantes, auto-avaliação que considera consoante com sua imagem pública construída nos últimos anos.

Diversamente, a auto-imagem dos alfabetizadores é altamente positiva, se assumem como leitores e utilizam suas condições para se autolegitimarem como alfabetizadores. E diz ela: “Se eu me mostro como bom leitor, me julgo também uma pessoa que pode alfabetizar. Esse agente é uma pessoa da comunidade que de uma hora para outra foi alçada à condição de alfabetizadora. Essa pessoa se sente convocada e autorizada a atuar como alfabetizador mesmo sem formação específica ou experiência, porque se tivesse formação adequada estaria atuando na escola. Essa convocação e as próprias campanhas de alfabetização mudam seu lugar social, os tornam referência, sentem-se valorizados como educadores e seres humanos”

Claudia chama a atenção sobre a movimentação cultural dessas pessoas em relação às suas famílias de origem, que as levaram a se fazerem capazes mesmo sem educação formal. Os programas de alfabetização ocorrem na periferia dos grandes centros ou em municípios de baixa escolaridade, envolvendo comunidades que têm muitas dificuldades em relação à renda.

Trabalho integra projeto temático

O Crefal é um centro que tem pesquisa e que atua na formação de educadores de jovens e adultos, com o objetivo de produzir e disseminar metodologias adequadas para os programas de educação na América Latina. Pelo terceiro ano consecutivo, o organismo abre concursos nas categorias conclusão de curso, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Este ano o prêmio na categoria doutorado foi outorgado para a pesquisa que investiga a trajetória de letramento e práticas de ensino de leitura de educadores populares que atuam em um programa comunitário de alfabetização de jovens e adultos, realizado em Itaquaquecetuba. O trabalho foi desenvolvido por Claudia no âmbito de um grande projeto temático, financiado pela Fapesp, coordenado por sua orientadora, professora Ângela Kleiman, denominado “Letramento do professor: Formação do professor, processos de re-textualização e práticas de letramento”.

Segundo uma das juradas, o prêmio lhe foi atribuído pela relevância de ater-se aos alfabetizadores, porque geralmente os estudos da área abordam as políticas públicas de alfabetização de jovens e adultos ou os sujeitos atendidos e pouco discutem as necessidades formativas desses educadores. A julgadora considerou também que a abordagem teórica e metodológica usada deu visibilidade aos percursos desses educadores e permitiu extrair significativas informações sobre eles. Segundo ainda ela, um fator de destaque no trabalho é o fato de dar voz a um grupo pouco ouvido e fazer pensar sobre os problemas de sua formação, mostrando que esses sujeitos dão continuidade a suas aprendizagens em vários campos, o da didática da alfabetização e o da formação de leitores, aspectos que merecem ser considerados em programas formativos.

Para a pesquisadora, qualquer processo de aperfeiçoamento desses educadores tem que levar em consideração suas realidades, sem pressupor ou presumir o que é importante que eles aprendam, porque, diz ela, “o mais comum é presumir suas necessidades formativas e partir do que se julga relevante no campo pedagógico e das faltas ou do que não sabem, em vez do que podem adquirir pelo processo formativo e dificilmente se dialoga com seus saberes e experiências”. Ela acrescenta que são pessoas que querem avançar, têm uma imagem altamente positiva de si mesmas e querem continuar em movimento.

Em vista desses educadores não serem qualificados, a maior parte dos programas em que estão inseridos os submetem a processos de educação continuada, com carga horária variada (entre 80 a 120 horas), mas que não lhes propiciam certificações ou a profissionalização, não revertendo a condição de educadores leigos. Ela entende que os estudos e reflexões que os envolvem deveriam conduzir a um processo formativo e de profissionalização.

Para ela, que trabalha em educação de jovens e adultos há 14 anos, “o prêmio é uma conquista”. “De um lado é fruto da convivência e do trabalho realizado junto a esses programas e, de outro, coloca em foco um campo educativo marginalizado, pouco discutido e que merece revisões e aprofundamentos. Com a premiação, o tema adquiriu visibilidade. Então, mais do que o reconhecimento do meu trabalho como formadora e pesquisadora, ocorre uma exposição do campo, pois pouca gente sabe sobre quem são as pessoas que atuam na alfabetização”.

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