| Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 400 - 23 a 29 de junho de 2008
Leia nesta edição
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Inovação aberta
Teresa Dib Zambon Atvars
Caminho desvendado
Biodiesel
Lavoura arcaica
Suplemento alimentar
Alerta de doenças de plantas
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Livro da semana
Teses
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SBPC
Fotografia
 


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Evento promovido pela Unesco em Cartagena
reúne
3,5 mil integrantes da comunidade acadêmica

O ensino superior
como um bem público

CLAYTON LEVY

A pró-reitora de Pós-Graduação da Unicamp, Teresa Dib Zambon Atvars: "A pós-graduação já está produzindo um grande impacto no país" O ensino superior deve ser conceitualmente entendido como um bem público e um dever do Estado. Essa foi a tônica da Conferência Regional de Educação Superior da América Latina e Caribe, realizada de 4 a 6 de junho em Cartagena, na Colômbia. Promovido pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o evento reuniu cerca de 3,5 mil integrantes da comunidade acadêmica, além de ministros de estado e gestores do setor na região. As análises e conclusões do encontro foram reunidas num documento, que será apresentado no ano que vem em Paris, durante a Conferência Mundial de Educação Superior. Na entrevista que segue, a pró-reitora de Pós-Graduação da Unicamp, Teresa Dib Zambon Atvars, que representou a Universidade no encontro, analisa o ensino superior na América Latina e aponta diretrizes para o cenário nacional.

Documento reúne conclusões do encontro

Jornal da Unicamp – A partir do cenário apresentado em Cartagena foi possível definir uma agenda de prioridades para a universidade latino-americana?
Teresa Atvars –
A América Latina e o Caribe constituem uma região que ainda não tem uma grande abrangência no ensino superior. Grande parte da população na faixa de 18 a 25 anos não é atendida nesse aspecto, seja em escolas públicas ou privadas. Portanto, um dos pontos importantes da nossa agenda é criar oportunidades para que os jovens tenham acesso ao ensino superior.

JU – Esse é um cenário generalizado na região?
Teresa Atvars –
É generalizado. Nenhum dos países na região atinge os mesmos níveis dos países mais desenvolvidos. Há duas formas de olhar esse problema. Uma delas é o número de vagas disponíveis. A outra, é o número de alunos que efetivamente concluem a graduação. Do ponto de vista do número de vagas o problema não é tão grande, mas o número de estudantes que se graduam é muito pequeno. São duas dimensões do mesmo problema.

JU – Quais as causas desse descompasso?
Teresa Atvars –
O Caribe e a América Latina são formados por países que só a partir do ano 2000 passaram a ter uma taxa maior de crescimento econômico. O problema, portanto, é fruto da pobreza que realimenta a pobreza. O jovem pobre que não estuda terá mais dificuldades para sair da pobreza. A solução do problema requer desenvolvimento econômico e social.

JU – O Brasil tem alguma contribuição a dar no que diz respeito a políticas públicas, ou é também parte do problema a espera de uma solução?
Teresa Atvars –
Diferentemente dos outros, o Brasil tem uma característica única, que é a sua dimensão territorial e populacional. Além disso, trata-se de um país muito heterogêneo. Há regiões em que o atendimento está melhor, tanto em qualidade quanto em quantidade de vagas, mas ainda estamos muito longe da solução. Por outro lado, outros países latino-americanos, embora ofereçam um número de vagas capaz de atender um contingente percentualmente maior que o Brasil, apresentam um grave problema de exclusão do aluno.

JU – Por que isso acontece?
Teresa Atvars –
Depende o sistema de cada universidade. Algumas, por exemplo, não têm vestibular. Os candidatos entram, mas não conseguem acompanhar os cursos por deficiências de formação escolar. Além disso, há um problema de ordem econômica. Isso é particularmente grave no Brasil. O ensino superior privado cresceu muito na última década, mas os alunos não conseguem arcar com a mensalidade. Muitos dos que ingressam acabam abandonando.

JU – E nas públicas?
Teresa Atvars – No Brasil as públicas têm uma dimensão complicada. Temos três segmentos: as federais, as estaduais e as municipais. Algumas das municipais são pagas. O sistema estadual de universidades cresceu muito na última década. Não estou falando apenas de São Paulo. Existem 48 universidades estaduais no Brasil, em todos os estados. Trata-se de um sistema que ainda é pouco conhecido. O sistema federal também registrou uma certa expansão nos últimos anos. Mesmo assim, somando os três sistemas, ainda não é possível atender à demanda.

JU – Durante o encontro de Cartagena foi possível projetar algum cenário para a região?
Teresa Atvars –
Os países estão preocupados com uma integração maior. Todos têm cooperações com Europa e Estados Unidos, mas a cooperação entre nós mesmos é recente. As redes de universidades começaram há pouco tempo. Outra questão abordada foi a necessidade de se detalhar nosso sistema de títulos. Hoje, praticamente não contamos com nenhum sistema que permita comparar universidades. O Brasil se diferencia um pouco por contar com um sistema federal de avaliação, pelo menos no âmbito da pós-graduação. Mesmo assim, na graduação tem havido muita descontinuidade por causa da troca de governos. O governo atual está tentando construir um novo processo a partir do desmonte do processo que havia sido construído pelo governo anterior. Esse histórico nos diz que na próxima substituição de governo ninguém sabe como a situação ficará. Mostra também que não temos um sistema consolidado. Ao contrário do que aconteceu com a pós-graduação, parece que o sistema nacional de educação não julgou importante ter um sistema estável de avaliação da graduação.

JU – No caso do Brasil, que lições obtidas no encontro podem ajudar na formulação de políticas públicas?
Teresa Atvars –
Expansão de vagas. No caso do Brasil, a expansão do acesso é algo difícil de ser realizado em razão da grande extensão territorial. Nos demais países, as universidades estão instaladas nas capitais, que por sua vez abrigam cerca de um terço da população. Ao criar universidades dentro destas macro-regiões, os gestores atingem um grande público. No Brasil não é assim. Aqui, a enorme maioria dos municípios tem menos de vinte mil habitantes e está dispersa pelo país. Por isso, não é suficiente criar universidades nos grandes centros. Tem de haver uma interiorização. Quem está fazendo isso são as estaduais. Em São Paulo, por exemplo, USP, Unicamp e Unesp estão em vários municípios. A interiorização exige investimentos em infra-estrutura e gerenciamento, mas é algo que tem de ser feito porque, do contrário, não alcançaremos o mesmo nível dos países desenvolvidos.

JU – Isso também serviria para a pós-graduação?
Teresa Atvars –
Todos que falam em expandir a universidade falam em expandir universidade de pesquisa. Essa é uma estratégia equivocada, que prejudica as classes menos favorecidas. Não é possível, do ponto de vista do financiamento, que todas as universidades públicas sejam voltadas para a pesquisa. Pesquisa é caro. Não há nenhuma outra forma de fazer pós de qualidade sem aporte de recursos adequados. Com esse cenário, em algum momento o país terá de tomar uma decisão política para definir os segmentos que farão apenas graduação e aqueles que farão pós-graduação e pesquisa. Ambos são absolutamente necessários. A graduação atenderia a um número maior de jovens, enquanto a pós teria uma dimensão menor, porque o país não agüentaria manter um sistema amplo de pós-graduação. Enquanto não tomarmos essa decisão política, o ensino público superior não atingirá maciçamente os jovens que tem de atingir.

JU – A formação e a qualificação de quadros que sobrevieram à expansão da universidade brasileira a partir de 1934, com o surgimento da primeira universidade congruente, tiveram enorme impacto das décadas seguintes. A pós-graduação brasileira, consolidada a partir da década de 1970, trará impacto semelhante? A pós continuará como é hoje?
Teresa Atvars – Acredito que a pós-graduação já está produzindo um grande impacto. Basta olhar a região de Campinas, onde há um pólo industrial de alta tecnologia, e verificar onde estão os nossos pós-graduandos. Não é possível manter uma empresa de alta tecnologia sem pessoal altamente qualificado e que se atualiza a cada dia. A Petrobrás, por exemplo, tem problemas sérios porque não encontra pessoal capacitado. O Brasil corre o risco de limitar o seu desenvolvimento porque não tem cérebros para gerenciar os pólos de desenvolvimento. Diferentemente das décadas de 1970 e 1980, a pós-graduação não pode mais estar a serviço dos recém-formados. Ela tem de atuar requalificando o pessoal formado que já está trabalhando. A pós-graduação tem o desafio de se diferenciar para atuar na geração de riqueza.

JU – Parece, então, que estamos vivendo uma situação inversa à da década de 1970, quando a pós-graduação foi instituída baseada num discurso desenvolvimentista, embora na prática o governo tenha preferido importar tecnologia, o que excluía do processo os cérebros locais. Hoje temos uma demanda efetiva por P&D, mas não temos uma política de pós-graduação capaz de atender a essa demanda?
Teresa Atvars –
É isso. Mas esse cenário é conseqüência da forma como o país produziu o seu sistema universitário. A pós reflete o sistema que está embaixo. Apenas 30% dos estudantes estão nas áreas que têm uma demanda estratégica. Não estou falando que temos de chegar no exemplo da Coréia, onde a situação é inversa. Os dois limites produzem desequilíbrios. Também precisamos de cientistas nas áreas sociais aplicadas, porque estas pessoas ajudam a entender a complexidade do mundo e a definir as políticas públicas. A solução para esse desequilíbrio, no caso do Brasil, seria expandir as vagas nas áreas estratégicas e implantar políticas que permitam a conexão dos pesquisadores com o setor produtivo.

JU – Esse é um gargalo histórico, já que desde a instituição das políticas de C&T no Brasil, na década de 1950, os sucessivos governos não estimularam o setor produtivo a desenvolver tecnologia em parceria com os pesquisadores locais. Como a senhora analisa essa questão?
Teresa Atvars –
Trata-se de um problema de desenvolvimento do Estado. Os tecnocratas do Estado brasileiro não estão preparados para formular e implantar políticas. Por que perdemos o bonde da tecnologia de semicondutores nas décadas de 1970 e 1980? Alguns analistas dizem que por causa da reserva de mercado o empresariado brasileiro não precisava se mexer muito. Pessoalmente acho que não é apenas isso. Na minha opinião, o Estado brasileiro não percebeu que aquilo era o futuro. Se o Estado houvesse optado por construir essa indústria junto com os empresários, teria conseguido. O problema é que não dá para fazer estas coisas com migalhas ou descontinuidade nos financiamentos. Outro exemplo: na década de 1990 surge a questão dos semicondutores orgânicos. O governo brasileiro não percebeu que no médio prazo isso iria substituir tecnologias atuais. Não percebeu e, portanto, não fomentou. Quando decidiu fomentar, no início do ano 2000, o fez com uma quantidade de recursos pouco competitiva. Enquanto Europa, Estados Unidos e Japão investiam algo em torno de US$ 1 bilhão por ano, o Brasil queria investir R$ 3 milhões em cinco anos. Desenvolver C&T não é pensar no hoje. É olhar para o cenário mundial daqui a dez anos e investir agora para ser competitivo.

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