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Estudo do IQ gera modelo para explicar
a interação entre hormônio feminino e seu receptor

Caminho desvendado

MANUEL ALVES FILHO

Da esq. para a dir., os pós-graduandos Érica Teixeira Pratese, Paulo César Telles de Souza e Anders Hansson, e o professor Munir Skaf, coordenador do trabalho: ferramentas computacionais desvendam o funcionamento de mecanismos moleculares ( Foto: Antoninho Perri)Os últimos cinco anos, o grupo liderado pelo professor Munir Skaf, do Departamento de Físico-Química do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, vem obtendo resultados significativos com estudos relacionados à modelagem e à simulação de sistemas moleculares. Trabalhando em cooperação com instituições do Brasil e Estados Unidos, a equipe usa ferramentas computacionais para desvendar o funcionamento de determinados mecanismos moleculares, entre eles a interação de hormônios com seus respectivos receptores. O trabalho mais recente dos cientistas, envolvendo receptores de estrógeno, popularmente conhecido como hormônio feminino, gerou um artigo que foi publicado em julho último pela Molecular Endocrinology, uma das mais prestigiadas revistas científicas do segmento. “Pela primeira vez, fornecemos uma interpretação molecular para resultados experimentais presentes na literatura”, afirma Munir Skaf.

Interpretação jogo luz sobre testes anteriores

Na opinião do docente do IQ, a pesquisa em questão reveste-se de dupla importância. Primeiro, pelo fato de o estrógeno ser um hormônio fundamental à saúde da mulher. Segundo, porque a interpretação proporcionada pelo modelo computacional joga luz sobre os resultados obtidos por testes realizados in vitro e in vivo. “Os experimentos haviam demonstrado que a saída do hormônio do interior da proteína, que é o receptor nuclear, ocorre em escalas de tempo diferentes. O que nós fizemos foi encontrar a explicação para esse processo. Ao contribuirmos para entender o comportamento da molécula em relação à proteína, nós abrimos possibilidade para o desenvolvimento de fármacos com base em dados mais precisos”, analisa Munir Skaf.  

Figura mostra interação do estrógeno com proteína em formato de dímero Para compreender melhor o trabalho que vem sendo realizado pela equipe do IQ, é preciso detalhar um pouco mais como se dá a interação entre o estrógeno e seu receptor.  Segundo o docente da Unicamp, os receptores nucleares normalmente atuam em forma de dímeros, ou seja, a partir da união de duas proteínas (monômeros). Quando ocorre essa junção, a cinética de dissociação entre hormônio e proteína é alterada. Os experimentos anteriores haviam demonstrando que, no caso do monômero, o processo de saída do hormônio do interior da proteína ocorre de forma rápida. No dímero, ele torna-se mais lento. Apesar de chegarem a essa constatação, os cientistas não sabiam explicar a razão de tais dinâmicas.

Por meio da geração de modelos computacionais, o grupo do professor Munir Skaf conseguiu simular esses processos e formular uma interpretação molecular para eles. “O que nós conseguimos demonstrar é que a proteína funciona como se fosse um cadeado que conta com múltiplas entradas e saídas para a mesma chave. Assim, quando ocorre a formação dos dímeros, todos os orifícios são bloqueados, exceto um. Ou seja, resta apenas um caminho essencial para a saída do hormônio. É como se várias portas fossem fechadas, reduzindo dessa forma a possibilidade de escape. Essa nova proposiçãoFigura mostra interação do estrógeno com proteína em formato de monômero tem merecido uma boa repercussão junto à comunidade científica, e a publicação do artigo como destaque de capa da Molecular Endocrinology é um reconhecimento à importância do trabalho, que tem como autores principais meus ex-alunos Milton Sonoda e Leandro Martínez”, avalia o docente do IQ.

Até a divulgação dos resultados do estudo desenvolvido pela equipe da Unicamp, os cientistas não conseguiam conceber porque a dimerização comprometia a cinética de escape. Imaginava-se que a entrada e a saída do hormônio do receptor nuclear ocorriam sempre pela mesma porta, a despeito da existência de outro acesso. Dito de outro modo, pensava-se que o fato de uma saída alternativa ser bloqueada não interferia na dissociação, visto que o escape ocorreria sempre por um único orifício. “Os nossos resultados mostraram que no caso do monômero existem diversos caminhos possíveis. Entretanto, quando a ligação se dá por meio de dímero, ocorre um bloqueio e sobra apenas uma rota, o que faz com que a taxa de escape caia”, reforça Munir Skaf.

O professor detalha que as simulações desenvolvidas pelo seu grupo envolveram o estudo do estradiol, hormônio natural responsável pelo desenvolvimento das características sexuais secundárias da mulher, e um hormônio sintético chamado raloxifeno, medicamento empregado no tratamento do câncer de mama e no tratamento e prevenção da osteoporose. O raloxifeno, esclarece Munir Skaf, é considerado um modulador seletivo. Atua como antagonista nos tecidos da mama, inibindo a transcrição de determinados gens, e como agonista nos tecidos ósseos, contribuindo para a prevenção da osteoporose. No entender do docente da Unicamp, a maior contribuição da pesquisa é entender as bases do funcionamento das moléculas, no caso os hormônios, frente a seus receptores nucleares, as proteínas. Ao desvendarem como ocorrem as ligações moleculares, insista-se, os pesquisadores conseguem conferir maior racionalização ao desenvolvimento de um fármaco. “Com isso, nós podemos orientar correções de rumo tendo em vista os resultados que pretendemos alcançar”, exemplifica o cientista.

Trabalho cooperado – Tradicionalmente, o grupo coordenador pelo professor Munir Skaf, que já soma 12 anos de atuação, desenvolve estudos na área de simulação computacional de líquidos, a partir de uma técnica denominada dinâmica molecular. Há cerca de cinco anos, entretanto, a equipe estendeu as pesquisas também para as proteínas, particularmente os receptores nucleares. O primeiro a propor investigações computacionais nessa área no Brasil foi o então pós-graduando Leandro Martínez, que concluiu o doutorado na Unicamp e hoje trabalha no Instituto Pasteur, em Paris. Segundo Munir Skaf, estudos experimentais de cristalografia, ensaios biofísicos e de biologia molecular em receptores nucleares vinham sendo desenvolvidos em São Carlos e Brasília há mais tempo. Entretanto, havia grande necessidade de abordagens computacionais para elucidar aspectos moleculares. Rapidamente, o esforço dessas equipes evoluiu para a constituição de um projeto temático que conta com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).  

Capa da revista Molecular Endocrinology, uma das mais importantes do segmento, destaca o trabalho do grupoMunir Skaf assinala que o projeto, que tem caráter multidisciplinar, é coordenado pelo professor Igor Polikarpov, da USP de São Carlos. O grupo dele é responsável pelo trabalho de caracterização biofísica e estrutural das proteínas, a partir do uso de técnicas de raio-X. Já os ensaios biológicos, que apuram se as proteínas estão ou não ativas, bem como as suas associações com os hormônios, são realizados por duas equipes: uma da Universidade de Brasília (UnB) e outra do Instituto de Pesquisa do Hospital Metodista de Houston, nos Estados Unidos. Os especialistas da Unicamp respondem pela parte computacional. “É interessante destacar que essas três frentes trabalham de forma coordenada e complementar”, afirma o docente do IQ, que atua como pesquisador principal dentro do projeto temático.

Além de Leandro Martínez e Milton Sonoda, hoje docente na Universidade Federal de Uberlândia, integram o grupo coordenado por Munir Skaf vários alunos e pós-doutores, incluindo os pós-graduandos Érica Teixeira Pratese, Paulo César Telles de Souza e Anders Hansson, pesquisador sueco que decidiu especializar-se em dinâmica molecular de receptores nucleares no Brasil. O estudo em torno dos receptores nucleares do estrógeno desenvolvido pela equipe liderada por Munir Skaf, registre-se, foi precedido por outras pesquisas na mesma linha. Uma delas investigou os processos de associação e dissociação do hormônio tireoideano de seu respectivo receptor. Na ocasião, os pesquisadores demonstraram, também por meio de simulações computacionais, a existência de três saídas possíveis para o hormônio do interior da proteína e propuseram estratégias para aumentar a afinidade de ligantes sintéticos pelo receptor.

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