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“Caçadores de fraudes” do IQ centram agora
o foco em óleos comestíveis e azeites de oliva



À prova de ‘batismos’

MANUEL ALVES FILHO


Alexandra Sawaya, Rodrigo Catharino e Renato Haddad, pesquisadores do Laboratório Thomson de Espectrometria  de Massas: a serviço do consumidor (Foto: Antoninho Perri)Pesquisadores do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, mais especificamente do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, estão se transformando em “caçadores de fraudes” contra os consumidores. Graças a avançadas técnicas de análises químicas, os especialistas estão identificando eventuais adulterações em produtos indispensáveis ao cotidiano da sociedade. Depois de desenvolverem metodologias capazes de detectar possíveis “batismos” na gasolina e em bebidas alcoólicas, agora eles estabeleceram um novo método para verificar a “pureza” de óleos comestíveis e azeites de oliva. Em menos de dois minutos, a técnica denuncia não apenas se o alimento sofreu algum tipo de mistura, mas também que substância foi adicionada a ele. Incansáveis, os cientistas do IQ já se preparam para fazer a mesma investigação com a própolis, vinagre e café.

Fraudes podem ser detectadas na origem

De acordo com o cientista de alimentos Rodrigo Catharino, o método utilizado para analisar os óleos comestíveis e azeites de oliva é relativamente simples. Inicialmente, os pesquisadores tomam como referência uma amostra padrão. As demais amostras, que serão compradas com a primeira, são dissolvidas numa solução de água e álcool, que passa por um processo de agitação, centrifugação e descanso. A partir desse ponto, surge a originalidade da metodologia desenvolvida pelos especialistas da Unicamp. Ao contrário do procedimento tradicional, que tomaria para análise o material que se concentra no fundo do recipiente, eles aproveitam a mistura que fica na superfície, chamada tecnicamente de sobrenadante. “Nós usamos o que todo mundo costuma jogar fora”, explica Renato Haddad, farmacêutico bioquímico.

De acordo com Alexandra Sawaya, também farmacêutica bioquímica, a opção por esse material se deve à facilidade de identificar os compostos polares presentes na amostra, permitindo assim a diferenciação entre um óleo de origem vegetal e outro. Ou seja, a partir do momento em que a amostra é injetada no espectrômetro de massas, o equipamento é capaz de identificar com precisão, por exemplo, se e em que quantidade ocorreu a mistura do óleo de soja ao azeite de oliva. A informação, conforme os pesquisadores, é fornecida em pouco mais de um minuto. No método tradicional, o resultado dificilmente sairia antes de três horas, dado que o caminho é bem mais longo e complexo.

Além de identificar possíveis fraudes, a técnica ainda permite acompanhar o eventual processo de oxidação dos ácidos graxos presentes nos óleos e azeites, o que interfere no tempo de vida de prateleira dos produtos. Por ser bastante simples, rápida e versátil, a metodologia desenvolvida pelos pesquisadores do IQ facilita, ainda, o processo de rastreabilidade dos alimentos, como explica Rodrigo Catharino. Segundo ele, a análise pode ser feita a qualquer momento. No caso do azeite de oliva, que é importado, as amostras podem ser coletadas no momento da chegada do produto ao país, no instante do envase na indústria e diretamente das embalagens nas gôndolas dos supermercados. “Desse modo, se houver fraude, nós saberemos exatamente onde ela ocorreu”, diz.

E “batismo” é o que não falta em relação a esses produtos, sobretudo o azeite de oliva, cujo valor de mercado é bastante alto. Nas análises realizadas pelos especialistas da Unicamp, algumas marcas nacionais encontravam-se fora das especificações. Houve um caso, como revela Renato Haddad, em que a amostra apresentava apenas traço de azeite. O restante era óleo de soja. “O que o adulterador fez foi adicionar um flavorizante [substância que intensifica ou confere sabor e aroma aos alimentos] ao produto. Na linguagem popular, ele só tinha um cheirinho de azeite, embora estivesse sendo vendido como puro”. Alexandra Sawaya acrescenta que o método desenvolvido no Laboratório Thomson pode ser um importante aliado das indústrias sérias, pois ele servirá para certificar a pureza de suas mercadorias.

Entretanto, para quem costuma “batizar” os óleos e azeites, a técnica promete trazer grandes dores de cabeça. Renato Haddad destaca que o combate às fraudes não é benéfico apenas para o consumidor, que vê garantida a qualidade e a origem dos produtos. “Ela também promete ser importante para o governo federal, pois poderá servir como um recurso a mais no combate à evasão fiscal. Quando uma indústria importa 5 mil litros de azeite de oliva, por exemplo, ela paga o imposto referente a esse volume. Mas se posteriormente essa mesma empresa misturar 5 mil litros de óleo de soja ao azeite, ela acabará colocando no mercado um total de 10 mil litros, embora tenha pago um tributo relativo à metade do que foi efetivamente vendido”, pondera.

Uma usina de soluções

O Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, funciona como uma espécie de “usina de soluções”. Isso se deve, conforme o professor Marcos Eberlin, à capacidade de seus pesquisadores, bem como à infra-estrutura disponível, comparada à dos melhores centros de pesquisas do mundo. “Não há, na América Latina, um laboratório dessa área tão bem equipado quanto o nosso”, diz. O resultado da conjugação desses fatores não poderia ser mais positivo. Para se ter uma idéia da produtividade daquela unidade, seus especialistas devem publicar até o final deste ano pelo menos 60 trabalhos em revistas indexadas de alcance internacional.

O laboratório, conforme seu responsável, tem se dedicado tanto à pesquisa básica quanto à aplicada. Além disso, tem privilegiado a cooperação entre especialistas de diversas áreas, enriquecendo assim o conhecimento ali gerado. Entre os inúmeros estudos que são conduzidos no local destacam-se os de reatividade de íons na fase gasosa e os de química ambiental, mais especificamente a análise de contaminantes orgânicos voláteis (VOCs) em água, solo e ar e de constituintes de fluidos biológicos.


Um time afinado

Os pesquisadores do Laboratório Thomson de Espectrometria de Massas constituem um time bastante afinado, sob o comando do professor Marcos Eberlin. Antes de se dedicarem à análise dos óleos comestíveis e azeites de oliva, os cientistas já haviam desenvolvido métodos específicos para identificar possíveis fraudes na gasolina e em bebidas alcoólicas. Em relação ao combustível, vale explicar que a gasolina contém compostos polares, seus marcadores naturais que são identificados pelo espectrômetro de massas e registrados na forma de gráficos. Os solventes também possuem compostos polares que são seus marcadores naturais, mas que diferem dos da gasolina. Assim, quando há “batismo”, o gráfico denuncia a presença de ambas as substâncias na amostra.

Para analisar as bebidas alcoólicas, os pesquisadores desenvolveram marcadores específicos, capazes de identificar os elementos químicos que as compõem. Uma das vantagens do método é que ele dispensa uma preparação complexa das amostras. “No máximo, nós diluímos um pouco da bebida com água ou álcool. Há casos, como o do uísque, em que nós injetamos a amostra in natura na máquina. É como se nós embebedássemos o equipamento”, brinca Rodrigo Catharino. Em seguida, o espectrômetro de massas analisa a bebida e aponta se há alguma substância estranha na mesma, tendo como referência uma amostra padrão. O resultado sai quase instantaneamente e com 100% de precisão.

Por ser extremamente versátil, como já foi dito, a espectrometria de massas não se aplica apenas à analise de produtos eventualmente fraudados. Ela também pode ser empregada para identificar a presença de possíveis substâncias tóxicas em alimentos. Nessa linha, os cientistas do IQ já utilizaram a técnica para verificar a ocorrência da aflatoxina (micotoxina produzida por fungos presentes normalmente em grãos) no amendoim. A aflatoxina pode causar intoxicação aguda, em casos excepcionais, e levar ao surgimento do câncer hepático, quando ingerida por período prolongado.

Preocupados em controlar esse tipo de contaminação, os pesquisadores conceberam uma técnica original para a identificação e quantificação da aflatoxina. O método, mais rápido e preciso do que os convencionais, está sendo patenteado pela Universidade. A partir das amostras coletadas, a metodologia é capaz de confirmar a presença da substância em apenas dez segundos, de forma extremamente precisa. Pelos métodos tradicionais, o resultado não é tão rápido e são necessários testes adicionais para obter a confirmação. Além disso, por meio da técnica, é possível reduzir significativamente o limite de detecção da aflatoxina. Se houver um traço da substância, por menor que seja, ele será identificado e quantificado. Por fim, a mesma metodologia, com algumas adaptações, também foi empregada pelos especialistas da Unicamp para diferenciar os cultivares da soja transgênica, normal e orgânica.

Voltando à questão da adulteração de produtos, os “caçadores de fraudes” do Laboratório Thomson já estabeleceram seus próximos alvos de pesquisa. O primeiro deles é a própolis, substância sintetizada pelas abelhas e que tem sido usada como complemento alimentar e até mesmo como recurso medicinal por alguns segmentos sociais. O objetivo dos pesquisadores é coletar amostras de própolis de diversos lugares do mundo, analisá-las e identificá-las, de modo que cada uma seja certificada conforme as suas composições. Logo em seguida, avisam os especialistas, será a vez do vinagre e do café serem submetidos aos testes laboratoriais.




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