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Artigo

O ano de 2004 ainda não acabou

EDGAR ANTONIO PEREIRA

Tabela 1: PIB - Trimestral

O crescimento de Produto Interno Bruto no primeiro trimestre desse ano deu fôlego ao discurso de que os tempos de penúria ficaram para trás e a economia brasileira já encontrou seu caminho de crescimento. O resultado mostraria que a política macroeconômica estaria no rumo certo, restando apenas implementar medidas de cunho microeconômico para se garantir uma trajetória sustentada de expansão. Para o ano corrente, é dado como certo que a economia crescerá pelo menos algo em torno de 3,5 % em relação a 2003.

Alcançar esse índice de crescimento, entretanto, não é tarefa trivial. Tome-se a evolução do PIB ao longo do ano passado em conjunto com as projeções para 2004, conforme a Tabela 1 abaixo. Na coluna referente ao ano de 2003 estão os valores da série encadeada do índice trimestral com ajuste sazonal (Fonte IBGE, média 1990=100). A média desses índices (133,8) corresponde ao PIB médio de 2003, ao qual será comparado o correspondente índice médio de 2004, obtendo-se a taxa de variação do PIB de 2004 em relação a 2003.

Para que a previsão do governo se confirme (3,5% de crescimento), o índice médio para 2004 deve alcançar 138,5. Como o número do primeiro trimestre já é conhecido (137,5), para que a estimativa do governo se cumpra, o PIB deve crescer em 2004 a uma taxa média de 0,5% a cada trimestre, relativamente ao trimestre imediatamente anterior, correspondentes aos valores 138,2, 138,9 e 139,6 da Tabela. À primeira vista parece simples: crescer apenas 0,5% por trimestre. Entretanto, ao se prever esse percentual de variação a cada trimestre, implicitamente está se assumindo variações elevadas do produto a cada próximo trimestre de 2004, relativamente ao mesmo período de 2003. Esses números estão na última coluna da Tabela. Trocando em miúdos, para que a projeção do governo seja alcançada, o PIB deve crescer nos próximos três trimestres de 2004 a uma taxa média de 3,8% sobre o mesmo trimestre de 2003. Note-se que é uma taxa bastante superior (41% maior) à já verificada para o primeiro trimestre do ano corrente, 2,7%.

Tabela 2: PIB - Trimestre em Relação ao mesmo trimestre do ano anterior

Olhando-se o comportamento trimestral do PIB ao longo da última década, vê-se o quão otimista é a previsão do governo. No Gráfico 1, abaixo, está representado o comportamento da taxa de variação do PIB em cada trimestre, relativamente ao mesmo trimestre do ano anterior, desde o primeiro trimestre de 1992. Do início da série até o terceiro trimestre de 1996, a característica básica é a grande amplitude das variações, com predomínio de taxas positivas. Nesse período, a média a taxa de variação trimestre contra trimestre anterior ficou em 3,4%.

A partir do terceiro trimestre de 1996 tem-se uma nítida trajetória de decréscimo das taxas, culminando com a estagnação do PIB trimestral no terceiro trimestre de 1999. Desde então, as taxas passaram a oscilar em torno de 2,0%, com amplitude bem menor do que na fase anterior. A tabela 2 mostra as taxas médias de variação do PIB trimestral, sempre em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, a partir do primeiro trimestre de 1999. O período corresponde ao da adoção do regime de câmbio flutuante com metas de inflação.

Em média, as taxas de variação dos primeiros trimestres de cada ano em relação aos seus correspondentes no ano anterior, considerando-se o período do 1999 até hoje, é de 2,0%. Portanto, a taxa de expansão do PIB do primeiro trimestre de 2004 (2,7%) foi superior à média dos últimos anos. No entanto, comparando-se os valores constantes das Tabelas 1 e 2, tem-se uma medida do tamanho do esforço a ser feito até o final de 2004 para que a economia apresente o crescimento previsto: a taxa requerida de 3,8% de crescimento médio dos próximos trimestre é mais do que o dobro da taxa média de variação trimestral dos últimos cinco anos. Comparadas as taxas médias de segundos e terceiros trimestres, 1,2% e 1,4% respectivamente, com as variações necessárias no segundo e terceiro trimestres de 2004 (4,1%), essas últimas são aproximadamente três vezes maiores do que as médias correspondentes.

Em resumo, crescer os 3,5% anunciados pelo governo não será um passeio. Exigirá uma expressiva variação positiva da demanda final até o final do ano, o que não parece estar ocorrendo, em que pese a retomada da atividade econômica nesse ano. A análise do comportamento do produto pela ótica da despesa (Gráfico 2) mostra que o setor exportador continua sendo o principal sustentáculo do crescimento. Considerando o excepcional desempenho desse setor nos últimos trimestres, é de se imaginar que dificilmente sua performance poderá acrescentar ainda maior dinamismo à expansão do PIB.

Gráfico 1: PIB Trimestral - Trimestre sobre o mesmo trimestre do ano anterior

O consumo das famílias avançou apenas 1,2% em relação ao mesmo trimestre de 2003, valor próximo dos 1,5% de variação do consumo do governo. O investimento não ficou muito distante, com crescimento de 2,2%. São números muito aquém dos necessários para o cumprimento da expectativa declarada de expansão do PIB. Somente uma aceleração do ritmo de crescimento atual poderá levar a economia ao patamar esperado pelo governo.

Ao contrário do que se vê na grande maioria dos comentários sobre a trajetória da economia brasileira para 2004, o crescimento projetado para o ano ainda não está dado. Terá de ser construído. Somente uma redução no nível atual das taxas de juro, sinalizando a continuidade da retomada econômica e permitindo a ampliação dos níveis de endividamento das famílias, associada à expansão dos gastos públicos em investimentos, pode levar à aceleração necessária do ritmo de atividade. A configuração de um quadro mais otimista, a partir dessas iniciativas governamentais, poderia melhorar o grau de confiança sobre o desempenho futuro da economia, levando a alguma recuperação do investimento privado.

Não obstante, essa aceleração só será viável se, simultaneamente à adoção de medidas monetárias e fiscais expansionistas, o governo implementar iniciativas que sinalizem na direção da diminuição do grau de dependência em relação ao fluxo internacional de capitais. Até mesmo porque, como mostra o crescimento das importações nos últimos trimestres, 10,0% e 11,7% sobre mesmos trimestres do ano anterior (Gráfico 2), a recuperação econômica tende a reduzir o saldo no balanço comercial.

Gráfico 2: Componentes da demanda - Trimestre em relação ao mesmo trimestre do ano anterior

Na ausência de medidas monetárias e fiscais de estímulo ao crescimento e de iniciativas no sentido da diminuição da vulnerabilidade externa e de maior previsilibilidade no comportamento de preços-chave da economia, em especial da taxa de câmbio, é possível que, mais uma vez, as expectativas não se cumpram e a retomada da economia seja apenas mais uma fase da insuportável trajetória de poucos avanços e muitos recuos da economia brasileira.

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Edgard Antonio Pereira é professor do Instituto de Economia e membro do Centro de Conjuntura e Análise Econômica da Unicamp. Este artigo foi produzido para o Suplemento 1 do Boletim Política Econômica em Foco 3, desenvolvido pelo Centro.


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