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Jornal da Unicamp - 10 a 16 de junho de 2002
Agora semanal

O que há de fato entre a universidade e a empresa?

Seminário debate interação entre a
produção acadêmica e o setor produtivo

Luiz Sugimoto

Há 20 anos, o automóvel possuía apenas dois ou três motores elétricos, basicamente os de arranque e do limpador de pára-brisas. Um BMW dos dias de hoje, da série 700, traz pelo menos 250 motores elétricos: vidros, espelhos, porta-malas, antena, regulagem de bancos e de faróis, ar-condicionado digital... Isso significa que o carro deixou de ser um produto meramente mecânico para ser muito mais eletrônico. E que qualquer trabalhador com formação nesse setor deve possuir, necessariamente, domínio de diferentes áreas tecnológicas.

A nanotecnologia é mais uma área que teve um desenvolvimento vertiginoso na última década. Apontada como uma das tecnologias do futuro, é ela que permite à medicina procedimentos tão sofisticados e precisos e o funcionamento de uma infinidade de máquinas, sem as quais não existiria esta sociedade tecnológica moderna. No telefone celular temos outro exemplo de algo inatingível há bem pouco tempo. Graças a recursos eficazes de comunicação a distância e ao avanço na compactação dos componentes, ele aí está, nos proporcionando tanto conforto e mobilidade que se tornou um dos maiores negócios do planeta.

Acima estão alguns marcos de inovação tecnológica. E a interação entre universidade e empresa para novos progressos nesta área é o tema do seminário Campinas Inova, evento que será organizado e sediado pela Unicamp em 18 de junho, com patrocínio da Finep (Fundação de Estudos e Pesquisas, agência do MCT) e apoio da Siemens do Brasil. Estarão reunidos os diferentes agentes do segmento – poder público, instituições de pesquisa, organismos da sociedade civil e da iniciativa privada – ao redor de uma proposta: que todos apresentem suas idéias sobre a produção de bens sociais mediante a potencialização dos mecanismos que vão desde a geração do conhecimento até o produto final.

O professor Douglas Zampieri, superintendente do Centro de Tecnologia (CT) da Unicamp e integrante do comitê organizador do Campinas Inova, e o consultor de marketing Eduardo Gurgel do Amaral esperam que o seminário atraia grande participação da comunidade universitária, e também da mídia, que tem um papel fundamental de ajudar a população a entender como são disponibilizados tantos equipamentos com os quais ela nem sonhava, e porque o avanço da ciência e da tecnologia é uma meta tão importante e valorizada.

Zampieri explica que, no âmbito da Unicamp, o assunto desperta opiniões divergentes por trazer várias facetas. “Se há pessoas que defendem a inovação tecnológica e a existência de organismos na universidade com o papel de promover este objetivo, outras julgam que devemos nos ater à carreira acadêmica, atribuindo às empresas e ao governo os investimentos no setor. Esse evento propõe criar um ambiente propício para que tais opiniões sejam bem avaliadas e entendidas, permitindo que todos conheçam o cenário, o contexto e as implicações, fazendo um melhor juízo de valor da questão. O encontro poderá trazer subsídios para definição de metas futuras da Unicamp em inovação tecnológica”.

O que é – Para quem não tem claro o conceito de inovação tecnológica, Eduardo Gurgel explica: “É a aplicação de pesquisa ou de conhecimento tecnológico em um produto ou serviço que se transforme em um bem para a sociedade. A população vai incorporando tecnologia no seu dia-a-dia, mas nunca pára para pensar no esforço que existe por trás desta evolução. E desse esforço participam as universidades, com a pesquisa básica, a formação de recursos humanos, a aplicação do conhecimento nos laboratórios”.

Dentro do sistema de educação superior, as três universidades públicas do Estado de São Paulo apresentam uma característica peculiar: têm a maior parte de seus professores atuando em tempo integral, uma produção científica bastante grande e uma pós-graduação de alto nível. A Unicamp, em particular, possui vários programas de pós com dimensões iguais aos cursos de graduação e, não raro, mais alunos de doutorado que de mestrado.

A Finep, por sua vez, mostra preocupação em disseminar, por meio de eventos como este seminário, o que é a inovação tecnológica, quais são seus gargalos e em que estágio o país se encontra. Do outro lado, a mídia tem insistido que, embora a produção acadêmico-científica das três universidades paulistas apresente patamares próximos de países desenvolvidos, o Brasil não tem conseguido fazer com que esse conhecimento se transforme em bem-estar social.

É diante desse quadro que a Unicamp, aproveitando-se da experiência do Centro de Tecnologia e do Edistec (Escritório de Difusão e Serviços Tecnológicos), propõe-se a realizar um encontro muito mais técnico que político, onde cada segmento aponte o que cada um deve fazer para agilizar o processo que transforma conhecimento em bens tangíveis. Qual a missão da universidade na inovação tecnológica, é a questão principal que se coloca.

O jargão e a realidade
“Cadeia produtiva” é um jargão comum na economia. Um determinado produto advém de uma série de insumos, também chamados de “terceiros”, que por sua vez dependem de outra série de insumos... De alguma forma é preciso abrir esta cadeia em leque, a fim de obter uma visão muito clara de onde estão os gargalos tecnológicos, onde se pode agregar valor ao produto e onde se pode melhorar procedimentos para aumentar a produtividade.

Douglas Zampieri, superintendente do Centro de Tecnologia, é de opinião que a Unicamp deve procurar uma ação ativa junto a associações de classe e segmentos produtivos, dentro e fora da região, para incentivar a criação de pequenas e médias empresas na área tecnológica e a própria pesquisa dentro delas.

“Acho que a Universidade tem a responsabilidade, primeiramente, de gerar, disseminar e proteger seu conhecimento através de diferentes mecanismos e estar atenta às mudanças no universo de possibilidades de atuação de seus egressos. Um dos novos meios que potencializam a aplicação direta do conhecimento acadêmico na geração de produtos são as incubadoras de base tecnológica. “Na incubadora que temos na Unicamp, das nove empresas incubadas no momento, sete possuem pessoas ligadas à pós-graduação”.

Zampieri acrescenta que, olhando a cadeia produtiva, nota-se a necessidade de alguns insumos antes desconsiderados. Nos próprios currículos faltam conceitos como os de ‘empregabilidade’ e ‘empreendorismo’ – a capacidade de alcançar uma carreira profissional vitoriosa, que não é apenas a de empregado. “As oportunidades são muito mais amplas, desde que oferecidas as ferramentas básicas”.

Grande parque – Segundo o superintendente do CT, quanto maior a proximidade da Unicamp com empresas de base tecnológica (cujo produto tem alto valor agregado), mais fácil e fluida a interação. “Achamos que no futuro teremos em torno da universidade um parque tecnológico bastante ativo. E, provavelmente, esse parque terá um envolvimento maior de docentes ou egressos da Unicamp”.

Nesse ponto, Zampieri lembra da grande discussão sobre a nova Lei de Inovação, que oferece aos docentes uma flexibilidade bem maior em suas atividades. Atualmente, o professor que atua como consultor ou ocupa cargos técnicos na iniciativa privada, não tem esse tempo considerado em termos de carreira. A nova lei permite que, dentro de certas regras, ele se ausente por um período da universidade, dando atenção, por exemplo, a uma empresa que esteja florescendo.

Banco de dados – Na Cientec – Feira de Ciência e Tecnologia, realizada na Unicamp em meados do ano passado, um dos segmentos da exposição foi uma Bolsa de Negócios e Convênios (BN&C). Nela se lançou o embrião de um sistema de informações composto de um banco de dados sobre demandas e ofertas de produtos por instituições da região. O embrião pode se transformar num portal de tecnologia, na expectativa de Eduardo Gurgel, coordenador da BN&C. “Esse tipo de consultoria é fundamental, pois com o portal os interessados poderão ter acesso a consultas rápidas sobre competências existentes nas instituições de pesquisa e no mercado”.

O professor Zampieri acrescenta que a visão atual é de se evoluir para uma rede de tecnologia, que abranja preferencialmente a região, depois o estado e por fim o país, migrando as informações. “Isso envolve cumplicidade entre os associados e bancos de dados com sistemas de busca aprimorados, casando demanda com a oferta”.

Gurgel antecipa que a tendência é a BN&C se expandir para outras feiras, mais dirigidas ao setor empresarial, como aquelas mantidas por entidades como Fiesp e Sebrae, podendo ainda contemplar uma área de exposição de produtos.

Qual é a política industrial do País?
Quando uma empresa a procura para desenvolver um produto, a universidade muitas vezes não reúne condições de atendê-la; e quando a universidade cria um produto a ser transferido, muitas vezes a empresa não reúne capacidade de absorvê-lo. Apesar de as pequenas e médias empresas, no geral, ainda estarem muito longe de gerar inovação tecnológica, é nelas que a universidade deve investir, segundo Douglas Zampieri.

As grandes empresas são na maioria transnacionais e criam seus centros de pesquisa e desenvolvimento onde o retorno for mais rápido e seguro, seja no Brasil, em Cingapura ou na própria sede. O superintendente do CT faz, frente a isso, uma pergunta fundamental: qual a política industrial que vai ser dada ao País? “Devemos focar aquelas empresas que não têm capital nem potencial para pesquisas e necessitam de acesso à tecnologia, de agregar valores ao produto. Há que se criar ambientes para isso”, responde o professor.

“É preciso pulverizar o conhecimento entre as pequenas empresas porque elas formam a base da economia nacional, além de serem os maiores empregadores de mão de obra. A universidade e os centros de pesquisa são fruto de investimento público e, por isso, deve servir a todos”, acrescenta Eduardo Gurgel.

O CT e o Edistec, na visão de ambos, têm sido um canal da Unicamp junto a associações de representantes de classe – que muitas vezes são a voz da própria indústria –, adotando uma nova linha de atuação: detectar as expectativas do mercado, o que a universidade está apta e disposta a oferecer, se os pesquisadores estão alinhados com a proposta e se podem responder com a velocidade necessária. “Não basta vontade política. Se não temos como responder, devemos antes criar um ambiente propício para isto”, adverte Gurgel.

A idéia do seminário Campinas Inova, insiste Zampieri, é justamente provocar esse debate. Por isso, os palestrantes foram escolhidos de maneira que uma parcela significativa dos diferentes segmentos envolvidos com o tema inovação tecnológica estejam presentes. “Tem havido muito diálogo entre várias instituições, inclusive com muitas ligadas ao setor produtivo, mas falta um pouco mais de conteúdo e de profundidade. Estamos discutindo modelos, mas isso não significa que eles são os que o mercado está exigindo”.

Reitor cobra pesquisa no interior das empresas
O reitor da Unicamp Carlos Henrique de Brito Cruz, que abrirá o seminário Campinas Inova, afirma que os esforços para promover a interação universidade-empresa não podem tirar o foco sobre o principal problema para a inovação tecnológica no Brasil, que é a baixa atividade de pesquisa e desenvolvimento dentro das empresas. Culpa, em boa parte, da falta de mais incentivos do governo, apesar da prioridade dessa contrapartida dentro de uma economia globalizada.

“Só superaremos essa situação de desequilíbrio em ciência e tecnologia quando o conhecimento for uma preocupação não apenas do MCT, mas também dos ministérios da Indústria, Desenvolvimento e Comércio, Saúde, Educação, Meio Ambiente, Fazenda, de todo o governo”, adverte Brito Cruz. Ainda acumulando a presidência da Fapesp, o reitor defende a criação de instrumentos mais ágeis e flexíveis de apoio a atividades dentro das empresas. A própria Fapesp vem financiando pesquisas em mais de 200 empresas do Estado de São Paulo. Precisamos de um programa semelhante em nível nacional”, acrescenta.

Brito Cruz admite que é caro fazer pesquisa, mas lembra que o custo é muito maior em termos de perda de competitividade, de acesso a mercados externos. “Não é uma opção, é uma necessidade dos novos tempos. As empresas não vão sobreviver na atual economia se não investirem em P&D, mas não podem fazer isso se enfrentam as altas taxas de juros e ondas de instabilidade econômica”.

Para o reitor da Unicamp, a interação entre universidades e institutos de pesquisa com a iniciativa privada apresenta limites e não resolverá, por si, os problemas de acesso ao conhecimento – facilitando sua aplicação no setor produtivo – e de falta de verbas dentro dessas instituições. Ele informa que, nos Estados Unidos, menos de 7% do investimento em pesquisas nas universidades vem de empresas e que quase a totalidade dos recursos tem como fonte o próprio governo.