Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 222 - 28 de julho a 3 de agosto de 2003
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Estudo investiga uso
de quebra-pedra no combate ao câncer

Pesquisadores consideram promissores resultados iniciais de testes para a obtenção de droga à base da planta


MARIA TERESA COSTA
Especial para o Jornal da Unicamp

A química Vera Lúcia Garcia Rehder e o farmacólogo João Ernesto de Carvalho: dois estudos parelelos


A cultura popular há muito utiliza a planta conhecida como quebra-pedra para auxiliar na eliminação de cálculos dos rins e bexiga. A ciência já confirmou que, de fato, a Phyllanthus niruri, nome científico dessa planta considerada uma erva daninha, tem essa capacidade embora não funcione exatamente como prega a crença popular. Ela não quebra as pedras e sim evita que elas se formem e ajuda a expeli-las. Agora, estudos que vêm sendo desenvolvidos no Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp estão mostrando que substâncias existentes em uma espécie de quebra-pedra, a Phyllanthus amarus, têm também importantes atividades contra o câncer e contra inflamações.

Embora muitos estudos e testes ainda precisem ser realizados, o grupo está animado com os resultados iniciais. "Estamos muito animados com as possibilidades de desenvolvermos uma droga que possa ser utilizada no tratamento do câncer, a partir de substâncias dessa planta brasileira", diz a química Vera Lúcia Garcia Rehder. Ela integra o grupo formado ainda pelos agrônomos Pedro Melillo de Magalhães e Glyn Mara Figueira e pelo farmacólogo João Ernesto de Carvalho, que está trabalhando na definição dos princípios ativos de interesse, no aumento das concentrações dessas substâncias na planta e na avaliação farmacológica, a partir de testes in vitro .

São dois estudos paralelos, financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Em um deles, extratos brutos da planta foram testados em células de câncer de mama, em câncer de mama resistente, melanoma, rim, próstata, pulmão, cólon, leucemia e ovário, nos laboratórios do CPQBA. Em outro, numa parceria com o professor João Batista Calixto, pesquisador do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de Santa Catarina, estão sendo avaliadas as possibilidades de uso do quebra-pedra no tratamento de processos inflamatórios e de dor. "Temos resultados bastante interessantes", diz Vera. O grupo de Calixto já pesquisou mais de uma dezena de espécies medicinais diferentes do popular quebra-pedra, encontrando nelas substâncias analgésicas e antiespasmódicas.

O pesquisador João Ernesto de Carvalho, coordenador da Divisão de Farmacologia e Toxicologia do CPQBA, que vem fazendo os testes dos extratos de quebra-pedra em células tumorais, quer encontrar as substâncias que atuam, de forma seletiva, sobre essas células. Por enquanto, diz, foram testados extratos brutos, frações e algumas substâncias isoladas. Todos eles tiveram atividade tanto citostática como citocida, ou seja, provocaram a inibição do crescimento celular, como a morte celular. "Agora precisamos ver a especificidade", explica.

As plantas que estão sendo testadas foram selecionadas de 14 diferentes localidades, inclusive do exterior, porque varia muito a composição química da planta em relação ao local onde é cultivada. De 14 foram selecionados seis, que estão sendo trabalhadas nesse projeto. Dessas plantas foram isoladas cinco substâncias da classe das lignanas, determinadas suas estruturas e comparadas com a literatura que já existe sobre elas.

Enquanto os testes são feitos in vitro, Vera Rehder está realizando o monitoramento químico da planta e quantificando as substâncias existentes. Se um extrato apresenta atividade, ele é fracionado e enviado novamente para testes com as células escolhidas. Assim, a partir das frações que se mostram mais ativas, consegue-se chegar às substâncias que agem para a inibição do crescimento celular ou para sua morte.

A pesquisadora explica que os testes com as células tumorais estão mostrando que essas lignanas têm atividade bastante pronunciada. Mas a atividade antinflamatória e analgésica está sendo verificada principalmente nas frações isentas de lignanas. As substâncias presentes nestas frações estão sendo isoladas para identificação de suas estruturas.

A busca é por uma substância que mate uma das linhagens de células tumorais testadas e não todas. "Se ela matar todas é porque não tem seletividade. E se não tiver seletividade significa que pode matar inclusive células normais", observa. Interessa, em se tratando de desenvolvimentos de drogas, encontrar substâncias que sejam bastante específicas. Cinco lignanas e duas substâncias com estruturas ainda não determinadas foram isoladas.

Contribuições - O grupo do CPQBA já tem tradição na investigação de atividades de interesse em plantas do Brasil. A proposta é avaliar a atividade farmacológica de produtos naturais e de princípios ativos em modelos experimentais de câncer, úlcera gástrica e inflamação. "A descoberta de novas substâncias químicas com atividade farmacológica é a principal contribuição que o grupo pode oferecer", afirma João Ernesto de Carvalho.

Especificamente na área de câncer, os esforços estão sendo dirigidos no sentido de caracterizar o grupo como uma das referências nacionais na pesquisa de novas drogas contra a doença. A metodologia implantada, utilizando o cultivo de células tumorais humanas, foi introduzida, com a colaboração do Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos, e tem permitido a participação do grupo em projetos, não só do CPQBA como também de outros grupos da própria Unicamp e de outras instituições de pesquisa do País.

Com essas pesquisas, o CPQBA também investiga as possibilidades que a vegetação típica de cerrado poderá abrir para o tratamento de doenças como o câncer. Pelo menos seis espécies, entre 30 pesquisadas, apresentaram potencial antitumoral, inibindo o crescimento de células de câncer e agindo com alguma especificidade para uma das nove linhagens de células tumorais humanas estudadas.

As plantas, explica Carvalho, foram escolhidas com base em dados de uso popular. "Usamos aquelas que a população costuma utilizar para tratar infecções, verminoses, doenças infecciosas. Com base nisso, fizemos o levantamento etno-farmacológico, procurando plantas reconhecidamente tóxicas", conta.

Uma das plantas com potencial antitumoral é a perobinha do campo (Aspidosperma tomenstosus). Os primeiros resultados obtidos pela farmacêutica Luciana Konecny Kohn, em sua tese de mestrado, apontaram que a perobinha tem moléculas capazes de inibir o crescimento e matar células de câncer de mama e pulmão. Na medicina popular, as cascas, hastes e folhas de perobinha são usadas contra coqueluche, enxaqueca, asma e afecções nervosas. Luciana continua trabalhando com a planta em seu doutorado.

Até que as diversas pesquisas que estão sendo desenvolvidas no CPQBA possam chegar na produção de um fitofármaco contra o câncer, por exemplo, os pesquisadores têm um longo caminho a percorrer. Mas os primeiros resultados já são promissores.


Guaco para o tratamento da úlcera

Uma parceria entre o Centro Pluridisciplinar de Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) e a EMS Sigma Pharma vai possibilitar a produção de um medicamento à base de guaco para o tratamento de úlcera. A eficácia dessa planta contra essa doença foi comprovada em experimentos com animais de laboratório, por pesquisadores desse centro de pesquisas. Um contrato com duração de um ano permitirá que o centro de pesquisa e a indústria trabalhem juntos no desenvolvimento desse fitoterápico a partir do Mikania laevigata, um tipo de cipó-trepadeira, com flores pequenas que exalam leve aroma de baunilha.

Já existem fitoterápicos à base de guaco, utilizado especialmente no tratamento de problemas respiratórios. Mas agora, diante dos resultados da pesquisa, está surgindo a possibilidade de oferecer também um remédio para o tratamento de úlcera. O CPQBA, informa Vera Garcia Rehder, da Divisão de Química Orgânica, vai preparar extratos padronizados e fará dosagens da substância ativa e a empresa trabalhará na formulação e nos testes clínicos.

Na primeira fase, comenta João Ernesto de Carvalho, da Divisão de Farmacologia e Toxicologia, serão feitas a formulação farmacêutica, escolha do melhor extrato, da melhor fração, purificação e definida qual será a melhor fórmula de apresentação do futuro fitoterápico (se cápsula ou comprimido). Com a formulação pronta começarão os estudos de toxicidade com animais e depois com pessoas, seguindo todas as fases determinadas para testes com medicamentos.

As pesquisas com o guaco no CPQBA tiveram início em 1998 com duas espécies da planta (Mikania glomerata e Mikania laevigata), pelas equipes dos professores Pedro Mellilo de Magalhães (Divisão de Agrotecnologia), Vera Lúcia Garcia Rehder (Química) e João Ernesto de Carvalho (Farmacologia e Toxicologia). Nesse período foi realizado o cultivo controlado em grande escala da planta, seguido de extração e purificação do extrato para a identificação química das substâncias ativas, além dos testes de propriedades farmacológicas e toxicológicas.

As pesquisas mostraram grande gama de atuação do guaco contra doenças. A equipe comprovou efeitos contra câncer, úlcera e afecções por microrganismos, além de prevenção da cárie e da placa bacteriana dos dentes. Mas o interesse da indústria farmacêutica está na atividade do guaco responsável por combater a úlcera. As pesquisas identificaram que uma substância existente em maior concentração na espécie Mikania laevigata, chamada cumarina, diminui a secreção de ácido pelo estômago. Essa diminuição acontece pelo bloqueio dos receptores do neurotransmissor acetilcolina. A ação da cumarina é tema da tese de doutorado de Aparecida Érica Bighetti, do Departamento de Clinica Médica da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp.

Testes feitos com animais de laboratório mostraram que os extratos de guaco reduziram as lesões ulcerativas, com atividade bastante superior, conforme João Ernesto de Carvalho, à da espinheira-santa, planta muito utilizada contra úlcera.

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