Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 222 - 28 de julho a 3 de agosto de 2003
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Artigo
Campinas, Massachusetts
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Campinas, Massachussetts
Unicamp integra projeto internacional que está mapeando as condições do trabalhador em atividades de risco


MANUEL ALVES FILHO

Carregadores de caminhão

Um projeto de cooperação científica conduzido por uma universidade norte-americana, três universidades mexicanas e três brasileiras, entre elas a Unicamp, está mapeando as condições do trabalhador que desempenha atividades precárias ou de risco nesses países. O foco dos pesquisadores baseados em Campinas é a região sudoeste, considerada a mais pobre do município e que soma 300 mil habitantes. A massa de dados gerada pela pesquisa, prevista para estar concluída em um ano e meio, servirá de instrumento tanto para novas investigações quanto para orientar ações e políticas públicas voltadas para a produção sustentável, o que inclui a identificação, controle e redução do trabalho precário.

Dentro desse pool científico, financiado pela Fogarty Foundation, coube à Unicamp a tarefa de pesquisar as condições dos trabalhadores que estão fora do mercado formal. Em Campinas, o estudo está sendo coordenado pelo epidemiologista Heleno Rodrigues Corrêa Filho, do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM). De acordo com ele, a Universidade de Pelotas e a Federal da Bahia se ocuparão de investigar a situação do trabalhador infantil. Também integram o projeto, intitulado "Saúde e Trabalho no México e Brasil", as universidades de Massachusetts (EUA), Sonora (Hermosillo), Mixoacán (Morelia) e Nacional Autônoma (UNAM), as três últimas mexicanas.

A instituição norte-americana, conforme o professor Heleno, está analisando as condições dos trabalhadores da área da construção civil, por intermédio do campus instalado na cidade de Lowel, na Grande Boston, onde vivem cerca de 300 mil brasileiros. A maioria deles, afirma o epidemiologista, desempenha atividades em condições precárias ou de risco. Já as escolas do México estão empenhadas em analisar as circunstâncias do trabalho nas zonas francas e nas áreas de fronteira.

Em Campinas, explica o especialista da Unicamp, as ações estão concentradas atualmente numa área piloto, o bairro DIC 3. O trabalho foi dividido em duas frentes, que mais tarde serão expandidas para o restante da região sudoeste. A primeira, de caráter epidemiológico, consiste na identificação, pelos agentes comunitários de saúde, das atividades desenvolvidas em condições precárias ou perigosas, denominadas tecnicamente de "casos-sentinela". Compõem esse grupo as pessoas que fazem extração de areia em rios e córregos, os carregadores de caminhão, conhecidos popularmente como chapas, e as trabalhadoras do sexo.

Além dos perigos inerentes a esses ofícios, entre eles o desenvolvimento de doenças como a hepatite B e Aids, os trabalhadores também estão submetidos ao abandono, pois não contam com seguro saúde ou de acidente. Isso sem falar no impacto negativo que algumas das atividades causam ao meio ambiente, como é o caso da extração de areia, que provoca o assoreamento dos cursos d'água e contribui para a degradação da mata ciliar, para ficar apenas em dois exemplos.

A segunda frente da pesquisa, relata o professor Heleno, compreende a mobilização comunitária. Isso vem sendo feito, segundo ele, graças ao envolvimento do professor Octávio Henrique Pavan, do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp. Ele desenvolveu um jogo em formato de bingo, que está sendo usado pelos agentes de saúde junto à população. Batizado de "Jogo do Saber - Trabalho precário e perigoso", o "brinquedo" promove a conscientização da comunidade de forma lúdica e divertida. "O jogo é baseado no método Paulo Freire. As pessoas tomam uma palavra, dizem o que entendem sobre ela e, por fim, formam um conceito", esclarece o professor Heleno.

De acordo com ele, embora a pesquisa ainda esteja no começo, essas ações já têm proporcionado aos moradores e também às pessoas submetidas ao trabalho precário uma mudança positiva de atitude. É justamente esse o princípio das propostas da Fogarty Foundation, afirma o epidemiologista. A entidade defende uma co-gestão entre organizações não-governamentais e sindicatos para a formulação de projetos dirigidos à produção sustentável. Os resultados dos estudos que estão sendo realizados no Brasil, no México e nos Estados Unidos deverão ser debatidos pelos trabalhadores em um encontro previsto inicialmente para o ano que vem, em Caracas, na Venezuela.

Uma das conseqüências de reuniões similares promovidas anteriormente, uma delas realizada em Salvador, é a aproximação dos interesses de ambientalistas e sindicalistas. Não raro, diz o professor Heleno, as empresas costumam jogar uma categoria contra a outra quando são obrigadas a adotar medidas contra a poluição. "O que os empresários costumam dizer é "se eu fizer o que estão me pedindo, isso causará desemprego"", conta o especialista da Unicamp. Nesse fórum, prossegue o epidemiologista, é gerado um ambiente de cooperação, graças às informações produzidas pela academia. "O ponto comum passa a ser a proteção do emprego com a gradual redução da agressão ao meio ambiente", completa.

A expectativa dos pesquisadores envolvidos no projeto é que os dados que emergirão do estudo também sirvam de base para a adoção de políticas públicas na área do trabalho. A mais óbvia delas, vale reforçar, é a criação de alternativas para a redução do trabalho precário, com a necessária preservação do meio ambiente. Uma outra diz respeito à construção de uma Previdência Social universal e solidária. "O objetivo é demonstrar à sociedade e às autoridades constituídas que a privatização da seguridade social não é benéfica. O seguro acidente de trabalho, por exemplo, só é positivo quando está na esfera estatal", defende o professor Heleno.

Solidários aos brasileiros em Boston
O apoio da Secretaria de Saúde de Campinas e o envolvimento dos agentes comunitários de saúde no projeto coordenado pelo professor Heleno Rodrigues Corrêa Filho, do Departamento de Medicina Preventiva e Social da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, têm sido fundamentais para o bom andamento das primeiras iniciativas do projeto "Saúde e Trabalho no México e Brasil". O epidemiologista revela que o engajamento dos agentes deu-se, sobretudo, por causa da situação dos brasileiros que trabalham nas cidades que compõem a Grande Boston. "Quando eles ficaram sabendo que esse estudo poderia ajudar os patrícios que passam por dificuldades no estrangeiro, eles não pensaram duas vezes", conta.

Embora tenham um nível social um pouco melhor, as pessoas que vivem naquela região dos Estados Unidos enfrentam problemas muito semelhantes aos dos compatriotas que permaneceram no Brasil. Em geral, todos estão descobertos no que se refere aos seguros de saúde e acidente de trabalho. Isso sem falar que, na terra do Tio Sam, os trabalhadores ainda enfrentam o problema da solidão. "O mais grave é" que, quando um trabalhador que está no exterior fica doente e inválido, por exemplo, ele é mandado de volta ao país de origem, que assume todos os encargos do seu tratamento", afirma o professor Heleno.

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