Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 218 - 30 de junho a 06 de julho de 2003
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A agenda interditada ou: a consciência
crítica que vem das universidades

Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) desde a sua fundação, o professor do Instituto de Economia da Unicamp, Plínio de Arruda Sampaio Filho, diz estar surpreso com o rumo que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está dando à política econômica do país. “As coisas não estão saindo como o esperado”, diz Plínio, que no último dia 17 de junho surpreendeu o governo e o próprio PT ao divulgar um documento contendo duras críticas à maneira como a economia está sendo conduzida.

Intitulado “Agenda Interditada – Uma Alternativa de Prosperidade para o Brasil”, o texto é assinado por 305 intelectuais e economistas, a maior parte ligada ao PT, que acusam a equipe econômica de estar levando o Brasil para um “beco sem saída”, cobram a abertura de um debate com a participação da sociedade e apresentam uma lista de sugestões para livrar o país do “totalitarismo do mercado”.

“A sociedade vem sendo privada de participar ou acompanhar um debate genuíno sobre medidas de política econômica, boa parte das quais decidida de comum acordo com o FMI à revelia de qualquer instância democrática, inclusive do Congresso Nacional”, diz o texto. “Basta. Queremos abrir a agenda da economia política brasileira e expor a caixa preta da política econômica ao debate aberto”, acrescentam os autores do manifesto. Um dos idealizadores do documento, Plínio conta que a idéia de divulgá-lo surgiu espontânea e simultaneamente entre vários intelectuais petistas. “As pessoas perceberam que era preciso fazer alguma coisa”, diz.

O manifesto relaciona sete sugestões para corrigir a rota da atual política econômica. São elas: controle do fluxo de capitais externos e administração do câmbio em nível favorável às exportações; enquanto perdurar o alto desemprego, redução do superávit primário pelo aumento responsável do dispêndio público, a fim de ampliar a demanda efetiva agregada induzindo a retomada do desenvolvimento e do emprego; ampliação dos gastos públicos nos três níveis da administração, com prioridade para dispêndio com ampliação dos serviços de educação, saúde, segurança, assistência e habitação, grandes geradores de empregos, e de competência também dos estados e municípios - o que implica a restauração da saúde financeira da Federação, inclusive mediante renegociação das dívidas de Estados e Municípios para com o Governo federal; redução significativa da taxa básica de juros, como complemento indispensável da política fiscal de estímulo à retomada dos investimentos privados; promoção de investimentos públicos e privados em saneamento e infra-estrutura (logística e energia), para assegurar a melhoria da competitividade sistêmica da economia; incentivo a investimentos imediatos em setores privados próximos da plena capacidade; manutenção e ampliação da política de incentivo às exportações; e substituição de importações; política de rendas pactuada para controle da inflação.

“Colocamos o foco de nossas sugestões na promoção do pleno emprego porque se trata de uma política estruturante da solução de outros problemas sociais e econômicos”, diz o manifesto. Pertencente ao grupo de economistas do PT desde 1989, tendo atuado ativamente na campanha eleitoral de Lula no mesmo ano, Plínio disse que o governo reagiu mal ao manifesto. “Simplesmente tentou desqualificar o documento, sem abrir-se ao debate”, observa. Para Plínio, porém, a divulgação do manifesto apenas expôs uma situação que já estava sendo vivida dentro do próprio PT. “O partido está em ebulição. Diria que um terço do partido não aceita o rumo da política econômica em curso”, diz. Lei a seguir os principais trechos da entrevista que o economista concedeu ao Jornal da Unicamp no dia 25 de junho.

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Jornal da Unicamp—Por que um manifesto nesta altura dos acontecimentos
Plínio—Em primeiro lugar apontamos a necessidade de um amplo debate sobre a política econômica. Não aceitamos mais a interdição do debate, que consiste em circunscrevê-lo aos marcos do neoliberalismo. Achamos importante que a sociedade brasileira entenda as alternativas para a política econômica. Em segundo lugar, criticamos a política econômica do governo.

JU—Qual é a crítica?
Plínio—Esta política é uma continuidade da política do governo FHC, que conduz o país a um beco sem saída. É uma armadilha recessiva da qual não vamos conseguir sair. Essa política econômica amarra o país na lógica do superávit comercial e do superávit fiscal. E dentro dessa lógica, você não tem espaço para pensar uma política de emprego e de desenvolvimento nacional. Por isso, apresentamos diretrizes gerais para uma política econômica alternativa.

JU—Que alternativas são estas?
Plínio—Elencamos um conjunto de medidas indispensáveis para o governo obter controle sobre a política econômica. Algum tipo de controle sobre o movimento de capital. Não discutimos que tipo de controle, mas afirmamos que sem um maior controle sobre o movimento de capital o Brasil não tem margem de manobra para uma política alternativa. O principal elemento de desestabilização da economia brasileira é a elevadíssima capacidade de movimento dos capitais. É preciso ter algum controle na entrada e na saída do capital e regulamentar isso. É preciso impor condições para que esse movimento não fique exclusivamente ao sabor dos interesses privados. Também temos de ter uma política de redução do superávit fiscal. Quando a economia entra em depressão, o governo tem de fazer gastos públicos. Nós estamos fazendo o contrário. A economia apresenta forte tendência recessiva e as autoridades aumentam os juros reais e o superávit fiscal.

JU—Que tipo de conseqüências essa política pode trazer para o país?
Plínio—No curto prazo, vamos assistir a um mergulho recessivo, que já está em curso e todos os indicadores sinalizam que tende a se acentuar. No médio e no longo prazo é difícil prever, mas a cartada no governo o deixa na seguinte situação: em primeiro lugar, nada garante que o esforço do governo em recuperar a confiança da comunidade internacional trará uma normalização dos fluxos de capital para o Brasil. O governo pode fazer todo o serviço imposto pela banca internacional e não ter a contrapartida. Nesse quadro, o país caminharia para uma situação de impasse a exemplo da Argentina. A segunda alternativa, é que o capital volte, dando um fôlego adicional ao modelo neolibera, mas sem evitar as conseqüências desse padrão de acumulação que são prosperidade para poucos e pobreza e desemprego para muitos.

JU—Uma pesquisa divulgada pelo IBGE em abril revelou queda na produção industrial em nove dos 12 estados pesquisados. Isso já seria um sinal de que as coisas não estão saindo como o esperado?
Plínio—O governo Lula fez uma radicalização da política econômica do governo FHC. Ele intensificou o aperto fiscal e o aperto monetário. O aprofundamento da recessão é reflexo dessa política. O Brasil já estava praticamente estagnado. O que estamos assistindo agora é uma mudança de patamar, com uma depressão ainda maior da economia. Não há dúvida de que isso é reflexo de juros reais estratosféricos e de uma política de superávit fiscal muito truculenta. Mas o pior dessa política ainda está por vir. O governo propõe reformas que vão reforçar a blindagem institucional que amarra o país no neoliberalismo.

JU—O senhor fala das reformas fiscal e da previdência?
Plínio—Reforma fiscal, da previdência, independência do Banco Central e uma reforma que corre em paralelo que é o acordo da Alca. Fora as outras que estão sendo preparadas, entre elas a mudança na lei da falência, na CLT, etc...

JU—Em relação à reforma fiscal proposta pelo governo, quais são os riscos que ela oferece e as chances dela dar certo?
Plínio—Antes de tudo, é uma reforma tímida. De certa maneira, institucionaliza todos os casuísmos fiscais da era FHC. Então, o objetivo é de institucionalizar o arrocho tributário. Outro objetivo é minimizar a guerra fiscal pela padronização do ICMS. Em tese, isso não é ruim, mas é absolutamente insuficiente para acabar com a guerra fiscal e os conflitos federativos. Um terceiro objetivo é desonerar as exportações.

JU—E a reforma da previdência?
Plínio—Para os estados e municípios essa reforma significa um ajuste fiscal. Para o governo federal, é uma privatização da previdência pública. Trata-se de um grande negócio, superior às privatizações do governo FHC. Já foi dito que essa reforma é uma espécie de Robin Hood às avessas porque você tira do remediado, da classe média, para dar ao banqueiro. O debate da reforma está muito mal parado. A realidade é que a reforma da previdência é um caso exemplar de socialização dos prejuízos e de privatização dos benefícios. A população perderá muito com isso.

JU—De que maneira?
Plínio—Perde porque você ataca o funcionário público, o material humano do estado. E ao fazer isso, você degrada o Estado brasileiro. Trata-se de uma reforma anticonstitucional, antinacional e contra o emprego, porque se você deixa uma pessoa por mais tempo trabalhando, você está tirando uma vaga de outro trabalhador. Numa situação de crise estrutural do emprego é uma reforma na contramão do que deveria ser feito.

JU—Respondendo a esse tipo de crítica, o presidente Lula disse no dia 17 de junho, em Pelotas, que não poderia aceitar que um cortador de cana trabalhasse até os 60 anos enquanto um professor universitário se aposenta aos 53.
Plínio—Acho que ele, em vez de fazer o professor universitário aposentar-se aos 60 anos, deveria possibilitar ao cortador de cana aposentar-se aos 53. Porque para se fazer uma política de emprego no mundo moderno você tem de socializar as ocupações. Isso se faz diminuindo a jornada de trabalho e o tempo da vida laboral da pessoa. Ele fez uma matemática burra, porque está nivelando pelo pior. Ele foi eleito para melhorar a situação de todos e não para piorar. Acho que se a situação do país exigisse sacrifício da classe média para melhorar a situação das classes mais baixas, então seria um sacrifício válido. O problema é que o governo está querendo um sacrifício da classe média para engordar ainda mais os banqueiros. Isso é inaceitável.

JU—E quanto à proposta de independência do Banco Central?
Plínio—Trata-se de uma reforma importantíssima mas a população não tem a menor noção do que isso significa. O Banco Central é o quartel general do capitalismo. Conferir independência ao Banco Central significa sacramentar o controle que o capital financeiro já tem sobre ele. Na prática, isso significa que a política de câmbio, de crédito e de juros será feita em função dos interesses dos credores. A independência do Banco Central na prática significa uma renúncia à possibilidade do estado brasileiro fazer política econômica e conduzir o desenvolvimento nacional. Isso é gravíssimo. A população pensa que é apenas uma medida técnica, mas na verdade trata-se de uma medida política de conseqüências duradouras. Todas as decisões do Banco Central são de natureza política, no sentido de que beneficiam e prejudicam alguns interesses.

JU—De que maneira isso acontece?
Plínio—Por exemplo, ao desvalorizar ou valorizar o câmbio, o Banco Central estará prejudicando alguns e beneficiando outros. O mesmo vale para o aumento ou redução dos juros. Todas as medidas envolvem interesses. Não existem medidas exclusivamente técnicas. A independência do Banco Central significa que o povo brasileiro não vai ter mais voz na definição do câmbio, dos juros e do crédito.

Continua ...

 

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