Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 218 - 30 de junho a 06 de julho de 2003
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Debret: do pincel à pena
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A universidade pública e a Previdência

Milhares de professores em nossas universidades públicas estão angustiados. Não querem se aposentar, mas estão se sentindo compelidos a fazê-lo por causa da reforma da Previdência em discussão. Gostam de seu trabalho e o fazem com enorme dedicação, superando rotineiramente suas jornadas de trabalho exigidas por lei. Muitos desses professores já ultrapassaram, há muito, o tempo de serviço para a aposentadoria. Como o conhecimento tem a característica de ser cumulativo, essas pessoas são uma riqueza inestimável para o desenvolvimento do Brasil.

Só na Unicamp, há 421 professores que podem se aposentar imediatamente, mas não o fizeram. Outros 127 docentes já aposentados continuam a serviço da universidade, como professores colaboradores voluntários, sem receber nenhuma remuneração além de sua aposentadoria. Os que podem se aposentar, mas não querem, angustiam-se por estarem sendo compelidos a fazê-lo. Os que ainda não podem assistem impotentes ao perverso rumo das discussões sobre a reforma.
Esses professores optaram por trabalhar numa das mais importantes universidades públicas brasileiras; agora se vêm punidos pela escolha que fizeram, ao verem desconsiderados os direitos que lhes foram prometidos então, em troca de uma vida de ganhos inferiores aos que poderiam obter em instituições privadas, freqüentemente com melhor remuneração, mas com menor capacidade de realização acadêmica. A reforma proposta pelo Executivo não se dignou nem a essa preocupação básica numa sociedade civilizada: regras de transição decentes e minimamente justas.

Diante desse quadro, é com a mais absoluta perplexidade que vemos o Executivo federal incluir esses dedicados professores entre os responsáveis por eventuais problemas relativos à capacidade de cumprir os compromissos da Previdência. A propaganda oficial, ao comparar sua proposta de reforma a importantes avanços ocorridos em nossa história, como a abolição da escravatura, sugere, injustamente, que os professores das universidades públicas são causadores de males tão graves como os que levaram àqueles movimentos.
Pois os professores das universidades públicas não são a causa do problema por aspirarem à manutenção do direito previdenciário de aposentadoria integral equivalente à sua última remuneração. Esse direito lhes foi assegurado por lei. Em face dele, eles abriram mão de melhores salários para se dedicarem a um trabalho necessário e estratégico para o país. Esses honrados cidadãos, que merecem respeito e reconhecimento, estão diante de uma proposta que subtrai as expectativas em que confiaram.

Com a enorme contribuição dos professores das nossas universidades públicas, hoje temos uma infra-estrutura acadêmica invejável. Temos a capacidade de pensar e de encontrar soluções para muitos dos problemas nacionais graças a brasileiros bem formados em engenharia, biologia, física, matemática, sociologia e muitas outras áreas do conhecimento. Gigantes tecnológicos como a Embrapa, Embraer, Petrobras são fruto de nossas universidades públicas.

A Previdência Social tem por objetivo garantir um importante direito. Ao se assegurar esse direito a seus cidadãos, é à nação como um todo que se beneficia. A reforma da Previdência só pode ser justificada pelo objetivo de aprimorar seu funcionamento, no sentido de prover uma aposentadoria digna. Pode ser que seja necessário reformar a Previdência no Brasil -isso ainda precisa ser demonstrado. Estudos do Ipea mostram que a tendência de crescimento dos benefícios além da sustentabilidade existe no regime de previdência geral (INSS), e não no sistema de previdência do servidor público (“Textos para Discussão”, nº 690, 12/1999). No entanto a reforma em pauta atinge os servidores públicos. Por quê? Para quê?

No Congresso é preciso que se pense nos efeitos que a proposta trará para o futuro do serviço público. Em especial, é preciso que se pense nas pessoas que vêm fazendo as nossas boas universidades públicas. Nossos professores merecem ter respeitados os seus direitos e suas expectativas de direitos. Se aprovada a proposta do governo, a nova lei terá efeitos que comprometerão o avanço científico e tecnológico que o país tem experimentado nos últimos anos: o desestímulo ao ingresso de novos e talentosos docentes nas instituições públicas de ensino e pesquisa, que se seguirá a uma onda de aposentadorias, inclusive precoces, causadas pela ausência de dispositivos de transição justos que assegurem direito pelo tempo já trabalhado, pela drástica redução prevista do valor da aposentadoria e pela ausência de uma regulamentação tranquilizadora da aposentadoria complementar.

No mundo contemporâneo, o desenvolvimento das nações é dependente do conhecimento e da educação. A curtíssimo prazo, uma reforma da Previdência visando gerar caixa pode até aliviar as despesas do Estado, mas, a médio e a longo prazos, seus efeitos, em especial sobre a universidade pública, trarão prejuízos irrecuperáveis ao desenvolvimento socioeconômico do país.

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Artigo publicado na edição de 20 de junho
do jornal Folha de S. Paulo.

Carlos Henrique de Brito Cruz é reitor da Unicamp.

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