Edições Anteriores | Sala de Imprensa | Versão em PDF | Portal Unicamp | Assine o JU | Edição 218 - 30 de junho a 06 de julho de 2003
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Artigo
Comentário
Lavagem de dinheiro
Debret: do pincel à pena
Holografia: Cristais fotônicos

Consciência Crítica

Hemoglobina
Ração Animal
História em mochilas
Unicamp na Imprensa
Painel da Semana
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Teses da Semana
Aprendizagem
Crustáceos e seu Habitat
 

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A agenda interditada ou: a consciência
crítica que vem das universidades

JU—Mas os críticos de esquerda dizem que atualmente a sociedade já não exerce esse controle. Então, o que muda?
Plínio—Muda porque o capital financeiro quer a independência de papel passado. Ele já tem usucapião do Banco Central. O governo deveria estar fazendo o contrário, ou seja, a estatização do Banco Central. Recuperá-lo como um instrumento de política econômica.

JU—O que o senhor achou da redução de 0,5% que o governo anunciou para a taxa de juros?
Plínio—É um aumento desprezível porque, como a inflação está caindo mais aceleradamente do que a taxa nominal de juros, a taxa real de câmbio está aumentando. Então trata-se mais de uma medida para atenuar as críticas contra as altas taxas de juros do que uma mudança na política econômica. Em minha opinião, não tem efeito concreto algum. Mesmo que a taxa caísse para 23%, 22%, as taxas reais de juros continuariam extraordinariamente altas. O que o Brasil precisa é de uma mudança de qualidade no patamar dos juros e não uma mudança quantitativa dentro de um nível estratosférico.

JU—O senhor também critica a adesão do Brasil à Alca. Por quê?
Plínio—A Alca significa uma renúncia de soberania sem precedentes na história recente do Brasil. Integrar o Brasil no espaço econômico americano implica em grande destruição de forças produtivas brasileiras. O Brasil tem um parque produtivo, industrial e agrícola, que de certa maneira é redundante com o parque norte-americano. São duas economias continentais e muito diversificadas. Só que a produtividade da economia norte americana é pelo menos dez vezes em média superior à brasileira. Se há uma redundância de parque produtivo significa que um dos dois será destruído. E é claro que será destruído o menos produtivo. É evidente que há setores que ganhariam muito com a Alca, como o agribusiness de uma maneira geral. Mas perde a indústria como um todo, o pequeno e o médio agricultor, o setor de serviços e o estado brasileiro que vai ser desmilingüido pelas cláusulas da Alca. E, mesmo os que ganham, ganharão pouco porque o governo norte-americano protege os seus setores mais frágeis.

JU—Uma das críticas feitas pelo grupo que assina o manifesto é que o governo Lula estaria adotando uma espécie de stalinismo econômico. O que o grupo quer dizer com isso?
Plínio—Na verdade estamos criticando a dificuldade que o governo tem em debater a política econômica. O Genoíno [José Genoíno, presidente do PT], por exemplo, disse que o manifesto propunha uma transição para o socialismo. Do nosso ponto de vista, essa maneira de conduzir o debate não contribui em nada para esclarecer a sociedade brasileira sobre as alternativas disponíveis. Ao contrário, é uma maneira de distorcer o debate e circunscrevê-lo à idéia de que ou fazemos o neoliberalismo ou vamos para o dilúvio.

JU—O ministro José Dirceu disse que as propostas contidas no manifesto poderiam significar a volta da inflação. O que o senhor acha dessa declaração?
Plínio—Na verdade, o atual governo está continuando o mesmo padrão de debate da era FHC. Procura desqualificar qualquer tipo de alternativa que fuja do neoliberalismo. No raciocínio do José Dirceu, a sociedade brasileira tem apenas duas alternativas: hiperinflação ou recessão. O que a população brasileira precisa entender, e este é o objetivo do nosso manifesto, é que existem outras alternativas. Estas são as alternativas se a sociedade for incapaz de se desvencilhar dos interesses do capital financeiro.

JU—Mas o presidente Lula defende a sua política econômica dizendo, por exemplo, que o risco Brasil diminuiu depois da sua posse.
Plínio—Acho que há várias confusões. É preciso saber se a política econômica está sendo boa para o banqueiro ou para o povo brasileiro. É claro que essa política está sendo boa para o banqueiro e, portanto, o risco para o banqueiro diminuiu. Mas está sendo péssima para o Brasil. E não se trata de uma política de transição, que permitiria num segundo momento reverter o quadro para uma outra política econômica. Essa é uma política econômica que aponta para um aprofundamento do neoliberalismo. Também temos de entender que o risco está caindo porque o governo é completamente dócil ao capital financeiro. Mas a causa principal dessa queda é um movimento de entrada de capital de curtíssimo prazo no Brasil. Isso porque o governo norte-americano está com taxa de juros real próxima de zero. Com isso, os capitais de curto prazo buscam rentabilidade nos mercados emergentes. Ao fazer isso, acabam valorizando os títulos brasileiros e cai o risco. Mas é preciso ficar claro que esse dinheiro é um dinheiro especulativo de curto prazo. Os americanos chamam isso de hot money porque queima na mão, não fica muito tempo. Então, é uma bobagem do presidente comemorar estas oscilações quando o dinheiro vem, porque quando esse dinheiro sair o câmbio vai fazer o movimento oposto. É como a situação do sujeito que pulou do décimo andar e quando chega no quinto diz “por enquanto está tudo bem”.

JU—Os intelectuais petistas que assinam o manifesto estão surpresos com o modelo de política econômica adotado pelo governo Lula?
Plínio—No meu caso, não diria que houve uma grande surpresa porque o PT já vem rebaixando o seu programa econômico há algum tempo. Até o programa apresentado pelo Instituto da Cidadania já era um programa bem modesto. Mesmo assim surpreende quando comparado com o modelo de política econômica adotado pelo governo. Os mais pessimistas achavam que o governo tentaria uma saída do neoliberalismo. A discussão era se o governo iria conseguir ou não. Mas o que estamos vendo é um aprofundamento do neoliberalismo. O governo está preparando uma segunda geração de reformas neoliberais. E isso é uma surpresa e uma temeridade porque o governo Lula não tem mandato para fazer isso. Ele recebeu um mandato para tirar o país do neoliberalismo.

JU—Isso está gerando discussões internas no PT?
Plínio—O partido está em grande ebulição. Diria que um terço do partido não aceita o rumo da política econômica em curso.

JU—Mas o presidente do PT, José Genoíno, tem pregado a unidade em torno das medidas adotadas. Como fica esse um terço que discorda?
Plínio—A direção do partido procura por todos os meios coibir o debate e qualquer tipo de rebeldia. É um movimento típico de direções autoritárias. O próprio Stalin [Joseph Stalin] controlava o partido e ao mesmo tempo temia tanto o partido que matou uma grande parte das suas lideranças. Estamos vendo isso também no PT. Uma parte da população, principalmente a parte mais esclarecida, já entendeu o que é o movimento do governo e está muito revoltada.

JU—O governo conseguiu instalar no Congresso um rolo compressor para aprovar suas propostas de reforma. Como as alas internas do PT que discordam do governo pretendem tratar essa situação?
Plínio—Nós estamos assistindo a uma situação paradoxal. Quem faz oposição ao governo hoje é uma parte do PT. Todo o resto virou governo. Do Maluf ao Antonio Carlos Magalhães, passando pelo Quércia, todo mundo virou governo. O que sobrou de oposição? A fração mais combativa do PT que a direção do partido procura sufocar. Isso é gravíssimo, porque se o neoliberalismo é um desastre para o país quando há oposição, sem oposição passa a ser um descalabro. Estamos vendo um movimento muito autoritário no partido.

JU—Como o governo reagiu ao manifesto?
Plínio—O governo reagiu muito mal. O objetivo do manifesto é promover um debate franco, honesto e aberto para que a população entenda que há outras alternativas. Aí a população escolhe a alternativa que deseja, mas de maneira lúcida. Mas o governo reagiu desqualificando o debate e distorcendo o conteúdo do manifesto. Isto reflete um temor do debate.

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