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Jornal da Unicamp 180 - Página 9

10 a 21 de julho de 2002
Agora semanal


Sérgio Buarque na intimidade

A Unicamp disponibiliza o acervo do "homem cordial", um dos maiores intelectuais brasileiros

Luiz Sugimoto

A primeira obra de Sérgio Buarque de Holanda não foi um livro, mas uma valsa intitulada “Vitória-Régia”, que ele compôs aos 9 anos de idade, publicada na revista Tico-Tico. Possibilitar que o usuário ouça a música em um piano, ao acessar uma das páginas do site criado em homenagem ao centenário do escritor, é um toque de preciosismo em meio a tantas preciosidades do acervo que a família colocou sob os cuidados da Unicamp.

Se a partitura é singela, a jóia mais importante no Arquivo Central (Siarq) talvez seja uma dissertação de mestrado que permanece inédita: “Elementos Formadores da Sociedade Portuguesa na Época dos Descobrimentos”, defendida em 1958 na Escola Livre de Sociologia e Política. “Muitos pesquisadores nem sabem de sua existência”, afirma o professor Edgar de Decca, que descobriu o texto há quatro anos e que preside a comissão organizadora dos eventos da Unicamp pelo centenário.

Segundo o professor de história, o que estava implicitamente elaborado em “Raízes do Brasil” (obra inaugural de Sérgio Buarque), que seria um estudo das características formadoras da personalidade brasileira por meio dos vínculos com a cultura ibérica, ficou mais elucidado com esta tese, por se tratar do estudo da personalidade da cultura e da sociedade portuguesa à época do descobrimento.

“O trabalho mostra, por exemplo, o vazio do interior português. O interesse era pelas costas, a aventura deles era marítima. É por meio dos outros povos, das conquistas, que se estabelece e se fortalece a sociedade portuguesa. Por isso, o mundo urbano de Portugal, em se tratando de século 16, tem uma vitalidade muito grande e mostra Lisboa e o Porto como cidades multiétnicas, onde estão presentes o elemento europeu, o muçulmano, o negro e também o judeu”, observa.

O site – O Siarq lançou já em maio o site do centenário de Sérgio Buarque de Holanda, que se comemora em 11 de julho, trazendo informações detalhadas sobre a vida, obra e acervo pessoal do escritor, e também sobre as atividades programadas no campus em torno do centenário (veja quadro nesta página).

O Arquivo Central reúne documentos manuscritos e impressos, produzidos e acumulados pelo historiador. São correspondências, cadernos e blocos de anotações de pesquisas, transcrições e fac-símiles de documentos de bibliotecas e arquivos nacionais e internacionais, recortes de jornais com resenhas de livros, críticas literárias e ensaios, fotografias, originais de discursos e documentos reunidos pela família após a morte do escritor, ocorrida em 24 de abril de 1982.

Coleção – A Biblioteca Central da Unicamp, por sua vez, guarda a coleção Sérgio Buarque de Holanda, com aproximadamente 10.000 volumes que pertenciam ao escritor e foi adquirida pela Universidade em 1983. É uma coleção eclética, embora constituída em sua maioria por material bibliográfico nas áreas de História e Literatura. Uma parte expressiva dos livros contém autógrafos e dedicatórias de personalidades célebres.

O acervo na BC é composto, ao todo, por 8.513 livros, 227 títulos de periódicos, 600 obras raras e 74 rolos de microfilmes. Acompanhando as publicações vieram móveis e equipamentos pessoais: estantes, escrivaninha, escada, cadeira de repouso, objetos (prêmios, medalhas, diplomas) e equipamentos (máquina de escrever e uma leitora de microfilmes).

História e perfumaria

Na década de 70, Sérgio Buarque de Holanda trocou áspera correspondência com historiadores, por exigir deles um maior cuidado com a linguagem; defendia que, malgrado a condição de historiadores, eles deveriam ser também escritores. Na época, isso não fazia muito sentido, pois os pesquisadores da área buscavam justamente uma linguagem mais seca, direta, com a preocupação de detectar e avaliar a luta de classes. Historiador identificado com a escrita, então, seria alguém interessado em “perfumaria”.

A relação de Sérgio Buarque com a escrita foi tema de uma pesquisa de Pedro Meira Monteiro, ex-aluno do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) e autor de um livro sobre o historiador lançado pela Editora da Unicamp em 1999. No ano passado, o tema pautou a palestra de Monteiro na fase final de um concurso na Universidade de Princeton. “A receptividade foi muito positiva. Tanto reconhecimento por Sérgio Buarque de Holanda no exterior me deixou surpreso”, afirma Pedro Meira. Aprovado no concurso, em setembro ele começa a dar aulas em Princeton.

Toda a correspondência trocada pelo escritor está organizada, pronta para publicação, à espera de um editor. O material foi organizado por Vera Neumann-Wood, por muito tempo responsável pela coleção de Sérgio Buarque e que trabalhou na Unicamp, hoje atuando numa biblioteca na Flórida. “Há uma série de cartas. Eu mesmo estou preparando, juntamente com Vera, o volume da coleção referente à correspondência entre Sérgio e Mário de Andrade, no período de 1922 a 1944, dentro da Coleção Correspondência de Mário de Andrade, do IEB da USP”, explica o pesquisador.

Pedro Meira, o professor Fernando Lourenço, da Sociologia do IFCH, e João Kennedy Eugênio, do Departamento de História da Universidade Federal do Piauí, têm outro livro em preparação, contendo aproximadamente 30 ensaios sobre Sérgio Buarque. “A idéia principal é juntar as novas gerações com as mais antigas. Entre os colaboradores estão grandes nomes da academia e vários autores jovens de diversas universidades e, em maior número, da Unicamp. O trabalho deve ser concluído este ano, para publicação em 2003, provavelmente pela Editora da Unicamp”.

O livro inclui imagens a cargo de Neire do Rossio Martins, do Arquivo Central (Siarq), e um completo levantamento bibliográfico feito por Tereza Cristina de Carvalho, da Biblioteca Central (BC) da Unicamp, e Vera Neumann-Wood, da Selby Public Library. E, dependendo das negociações com a família, que detém os direitos autorais, a obra trará uma série de artigos do escritor, alguns publicados uma única vez e de difícil acesso.

Vespeiro – Ao comentar as comemorações do centenário de Sérgio Buarque de Holanda, Pedro Meira não esconde a preocupação em ser diplomático: “Um perigo que ronda essas efemérides, é de se realizar apenas uma espécie de festejo, de canonização do autor, por exemplo, como grande crítico de literatura. Não quero negar isso, pois sou um apaixonado por sua obra e sua figura. Mas acho importante que as comemorações não se transformem em simples louvação”.

Segundo o professor, a melhor homenagem a um intelectual desta envergadura é a crítica aprofundada, inclusive começando a questionar as bases do seu pensamento. “Ele mesmo não tinha clareza do que pretendia em determinados momentos da carreira. Por ser tão rica, sua obra é ambígua, ambivalente. Podemos estar mexendo em vespeiros, porque a tendência é de um certo senso comum para que Sérgio Buarque se transforme em uma figura marmórea, uma estátua que não deve ser tocada. Eu acho que devemos buscar a crítica de qualidade, respeitando tudo o que ele fez, mas procurando avançar”.

O Intelectual e o homem segundo Maria Amélia

Na volta da Alemanha, a consolidação da carreira

Para comemorar

Exposição “Sem Fronteiras”
Organizada pelo Acervo Arquivo Central e Biblioteca Central, esta exposição mostrará parte do acervo de Sérgio Buarque, apresentando obras raras do século XVI ao século XX, livros com dedicatórias, fotografias, documentos pessoais, móveis e objetos.
8 de agosto a 13 de setembro de 2002

“O histórico na literatura e o literário na história de Sergio Buarque de Holanda”
Seminário Internacional organizado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.
9 e 10 de Setembro de 2002

Para navegar

http://www.unicamp.br/siarq/sbh/
http://www.unicamp.br/siarq/sbh/partitura.htm
http://www.unicamp.br/bc/Historico.htm